segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A falta de transparência do BC e da política monetária


Por Luiz Antônio de Oliveira Lima - Valor 22/08

Índices sobre o desemprego formal e informal divulgados pelo IBGE apontam para uma taxa de 6,2% no mês de junho, inferior à de maio (6,4%) e à do mesmo mês em 2010 (7%). À primeira vista tal resultado indica uma tendência para o aquecimento no mercado de trabalho e a continuação de pressões inflacionárias. Uma análise mais detalhada de dados complementares indica que tal conclusão pode ser enganosa. Primeiramente, verificou-se que a taxa caiu proporcionalmente muito mais para o desemprego informal do que para o formal e que a indústria criou apenas 22 mil postos de trabalho no mês de junho, metade do valor criado no mesmo mês do ano passado.

Dos 215 mil postos formais criados no mês de junho, um terço pertence ao setor agrícola, o que é um crescimento pontual, dependente de fatores sazonais. De acordo com o Ministério do Trabalho, foram criadas no primeiro semestre deste ano 200 mil vagas a menos do que em igual período de 2010.

Tais considerações indicam em primeiro lugar que a pressão no mercado por trabalho informal aumentou, caindo para o formal (o rendimento real médio do setor informal cresceu bem acima do setor formal, supostamente mais qualificado), colocando em dúvida hipótese de que a escassez de mão de obra qualificada estaria pressionando a inflação. O segundo ponto a ser considerado é de que o modelo de "regras inflacionárias" adotado pelo Banco Central para justificar sua política de aumento da Selic (atualmente em 12,5%) toma como referência apenas a taxa de desemprego vigente expresso por um só numero, sem considerar a dinâmica complexa do mercado de trabalho.

A definição de tal estratégia é geralmente baseada em dois tipos de argumento: o primeiro diz respeito ao mercado de trabalho e o segundo à obediência de uma regra monetária ou a aquilo que alguns chamam de uma "boa gestão monetária". A meu ver nenhum desses argumentos apresenta uma justificativa empírica ou conceitual adequada. Subjacente ao primeiro argumento está a hipótese de que há uma taxa de desemprego não compatível com pressões inflacionárias, que pode ser identificada pela expressão "taxa natural de desemprego".

A hipótese corrente é que o desemprego no Brasil já atingiu tal patamar que uma política de elevação da taxa de juro básica (Selic) seria a forma adequada para evitar a aceleração maior da inflação. Não há dúvida de que a elevação de juros juntamente com a redução do gasto público terá como efeito a redução da demanda global, levando as empresas a se livrarem de seus estoques, tudo isto provocando a queda da produção e dos preços.

Porém, não se tem discutido as consequências de tal dinâmica: uma recessão provoca a desqualificação da mão de obra que fica desempregada e uma deterioração dos equipamentos das empresas de tal forma que, no caso de recuperação, a economia estará mais frágil do que antes.

O problema com esse diagnóstico é a dificuldade em especificar o valor da taxa natural de desemprego e o correspondente Produto Interno Bruto (PIB) potencial da economia, isto é, aquele valor que poderia ser produzido sem pressões inflacionárias. Econometristas da Universidade de Harvard, embora reconhecendo uma certa regularidade empírica entre inflação e desemprego calcularam para a economia americana que o valor de tal taxa encontra-se entre 4,3 e 7,3 pontos percentuais de tal maneira que qualquer um desses valores nesse intervalo poderia ser consistente com essa taxa. Para o Brasil será diferente? Sabemos qual a taxa natural de desemprego?

O segundo argumento mencionado diz respeito à aplicação de uma regra monetária a qual alguns articulistas econômicos identificam com o que chamam "boa gestão monetária". Segundo tal argumento, toda vez que a taxa da inflação for maior que a meta inflacionária (atualmente 4,5%) o BC deveria elevar a taxa de juro em um valor maior que a taxa de juro vigente, de modo a atingir no longo prazo uma taxa que não levasse a pressões inflacionárias, ou seja, a taxa de juro real de equilíbrio de longo prazo. Os problemas que decorrem da aplicação do modelo de metas têm a ver com a determinação da taxa natural de desemprego já discutido acima, bem como com a determinação da taxa de juro de equilíbrio de longo prazo. Segundo Alan Blinder, ex-vice-presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), tal taxa "é difícil de calcular e conhece-la, deve ser pensada antes como um conceito do que como um número real".

O modelo de metas do BC para a determinação da taxa básica de juro não leva em consideração tais dificuldades e faz a enorme simplificação de identificar a taxa real de juro de longo prazo com a taxa de crescimento potencial de nossa economia.

Finalmente, uma regra monetária para determinar se a taxa de juro básica em uma situação em que ocorre elevação autônoma dos custos de produção (preço do petróleo, preço dos alimentos e matéria-prima etc.) é temporária, de acordo com o próprio John Taylor, o formulador do modelo de meta inflacionárias, não deve ser aplicada mecanicamente. Para citá-lo textualmente "quando isso ocorre, e se espera que o choque de custos retroceda automaticamente, convém que o BC retarde o aumento da taxa de juro, podendo-se evitar assim uma queda no PIB real".

A discussão de todas essas implicações da "boa gestão monetária" mostra que é necessário torna-las públicas. É o mínimo que se pode exigir para a transparência na aplicação de uma política econômica que se pretende racional.

Luiz Antônio de Oliveira Lima é professor do Depto de Planejamento e Análise Econômica da Escola de Administração de Empresas de São Paulo- Fundação Getulio Vargas

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