quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Estratégias de combate ao dólar barato dividem até os desenvolvimentistas


Valor 17/08
O câmbio sobrevalorizado já causa estragos relevantes na indústria brasileira, evidenciando a urgência de o governo combater a apreciação do real, concordaram ontem os economistas desenvolvimentistas reunidos na Fundação Getulio Vargas (FGV). Houve divergências, porém, sobre o impacto de um câmbio desvalorizado sobre as exportações e sobre a capacidade de alguns setores competirem com a China. Tampouco houve consenso acerca do receituário para lutar contra o dólar barato - taxação de exportações de commodities e até mesmo a adoção do controle de capitais na saída estiveram em pauta.

O economista Francisco Eduardo Pires de Souza, assessor da diretoria do BNDES, destacou o mau desempenho da indústria no pós-crise. Entre o terceiro trimestre de 2008 e o primeiro trimestre deste ano, a indústria de transformação caiu 0,2%, apesar de a demanda ter crescido com força - nesse período o consumo das famílias avançou quase 14%. As importações abasteceram grande parte dessa demanda. "A queda da competitividade tem levado a um comportamento anêmico da indústria, e que vem se agravando", disse ele, que participou do seminário "Um novo desenvolvimentismo e uma macroeconomia estruturalista do desenvolvimento", organizado pela Escola de Economia de São Paulo da FGV pelo Centro Celso Furtado.

Entre 2004 e 2010, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma média anual de 4,4%, enquanto a indústria de transformação avançou apenas 2,9%, sinal de que o setor deixou de comandar o avanço da economia. A queda do volume exportado de manufaturados é outro sintoma da dificuldade de competir da indústria brasileira, notou ele. "O aumento de produtividade na manufatura não compensa a apreciação cambial e elevação de salários", disse Souza, observando que "o custo unitário do trabalho sobe muito frente a outras economias". De 2004 a 2010, o custo do trabalho em dólares do setor manufatureiro do Brasil aumentou 129%, enquanto o alemão cresceu 5% e o grego, 32%. "Há segmentos da estrutura industrial brasileira que não terão mais como competir, mesmo com câmbio depreciado. Alguma redução da diversificação industrial parece inevitável." Segundo Souza, alguns segmentos dos setores de calçados e de vestuário já enfrentavam dificuldades mesmo em 2003 e 2004, quando o câmbio estava muito mais desvalorizado. "Com isso, pelo menos a tarefa parece menos irrealista: não será preciso levar o câmbio de volta ao nível de 2004", ressalvou Souza, para quem o câmbio precisa se tornar um objetivo central da política econômica, que tem de ser coordenada. A política fiscal, a política monetária e medidas de controle de capitais têm de funcionar de modo orquestrado, o que aumentaria a eficiência do combate à valorização do câmbio.

O economista Ricardo Carneiro, da Unicamp, mostrou ceticismo quanto ao efeito de um câmbio mais desvalorizado sobre as exportações, que hoje se concentram especialmente em commodities, muito menos sensíveis ao nível da moeda que as de manufaturados. Ele considera que alguns setores não vão conseguir competir com a China nem com um câmbio megadepreciado, dada a escala e o baixo custo da mão de obra chinesa.

O impacto maior, segundo ele, tende a ocorrer sobre a capacidade da indústria de competir com os produtos importados no mercado interno. "O câmbio é muito importante e está valorizado demais, mas é preciso cuidado com ele", disse Carneiro, ressaltando que o modelo de crescimento brasileiro se baseia na demanda doméstica, e não nas exportações.

O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira discordou de Carneiro. Disse que, no fim dos anos 60, os manufaturados correspondiam a 6% da pauta de exportações. Nos anos 80, esse percentual superava 60%, graças a uma política econômica que estimulou a exportação desses produtos. "O Brasil não está fadado a exportar apenas commodities." Para Bresser, uma das maneiras de lutar contra a valorização do câmbio é taxar a exportação de alguns produtos primários, como o minério de ferro, de modo a neutralizar a doença holandesa (fenômeno pelo qual as receitas obtidas com commodities apreciam o câmbio e afetam os setores manufatureiros). A outra medida fundamental, segundo ele, é diminuir os juros estratosféricos, que atraem o capital de curto prazo para o país, o que pode ser facilitado com uma política fiscal mais restritiva.

O economista Marco Flavio Resende, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), propôs a adoção de controles de capitais na entrada e na saída do país, para promover uma desvalorização administrada e gradual da taxa de câmbio. Para lidar com eventuais pressões inflacionárias, a política fiscal teria que ser apertada, assim como a política monetária - com esses controles de capitais, os juros altos não contribuiriam para valorizar mais o câmbio. Resende reconheceu a dificuldade política de se implementarem essas medidas.

Souza, aliás, dedicou parte de sua exposição aos motivos que "enfraquecem a vontade política de defender um câmbio competitivo". Segundo ele, uma razão é que as pressões inflacionárias aumentam a tentação de se usar o real como instrumento de política monetária. Outra é que não há crise de balanço de pagamentos à vista, com a melhora dos termos de troca e a forte entrada de capitais. "E a economia cresce há oito anos a um ritmo suficiente para reduzir drasticamente o desemprego."

Câmbio 'corrói' a valorização das commodities desde 2000



A valorização do câmbio praticamente anulou a alta das commodities agrícolas no mercado internacional ao longo da última década. Segundo levantamento elaborado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq), a pedido do Valor, os preços em reais dos produtos exportados pelo agronegócio brasileiro - o que o Cepea chama de índice de atratividade - subiram apenas 5% de 2000 até o primeiro semestre de 2011, enquanto os preços em dólares aumentaram 128,3%. Nesse período, o real acumulou uma valorização de 54%.

Se levados em consideração apenas os 12 meses encerrados em junho, o índice de atratividade das exportações agropecuárias registrou um aumento de 5%, embora os preços internacionais, denominados em dólares, tenham avançado quase seis vezes mais.

Isso não significa que o setor tenha perdido lucratividade ou se tornado menos competitivo, como sua própria expansão nos últimos anos evidencia. Ganhos de volume, produtividade e eficiência mantêm o cenário extremamente favorável aos produtores.


Para a pesquisadora do Cepea, Andréia Adami, uma das autoras do estudo, os incrementos de produtividade no campo mais do que compensaram as frustrações cambiais. "O diferencial do agronegócio brasileiro é o crescimento contínuo de sua produtividade", afirma. Ela observa que a produtividade do setor cresceu mais de 70% ao longo da última década "considerando-se todos os fatores de produção".

"Embora afete mais a produção e a exportação, o câmbio valorizado aumenta o poder de compra do produtor na hora de adquirir os insumos", lembra Vinícius Ito, analista de commodities da corretora Newedge USA, em Nova York. Uma parte importante das matérias-primas usadas na agricultura, como os fertilizantes e os agroquímicos, que respondem por até 70% dos custos operacionais de produção, tem preços fortemente influenciados pelo câmbio.

Para se ter uma ideia desse impacto, dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea) mostram que o custo em reais para um agricultor plantar soja em Sorriso (MT) caiu 8,4% entre maio de 2009 e maio deste ano - período no qual a cotação do dólar cedeu de R$ 2,21 para R$ 1,61 - embora os custos denominados em dólar tenham subido 16%.

Para Anderson Galvão, CEO da consultoria Céleres, a maior concentração no setor ocasionou ganhos de escala significativos. "Mais do que aumento de produtividade nas lavouras, observamos um aumento de eficiência na gestão. Os produtores de hoje são maiores e mais organizados do que os de ontem", diz.

Dados do Imea corroboram essa percepção. De acordo com o órgão, os 20 maiores grupos agropecuários do Mato Grosso mais do que dobraram sua área plantada nos últimos anos, embora a área agricultável total não tenha crescido mais que 2%. Hoje, esses grupos controlam cerca de 1,3 milhão de hectares.

José Vicente Ferraz, diretor técnico da Informa Economics FNP, lembra que o comportamento do câmbio não exerce o mesmo efeito sobre todos os elos da cadeia, e cita o mercado de carnes como exemplo. "O pecuarista, que vende o boi no mercado interno, viu o preço da arroba quase dobrar de 2005 para cá. Ele está ganhando dinheiro. Mas a indústria frigorífica, que exporta, tem uma situação bastante difícil e que decorre em boa parte do câmbio valorizado", observa.

Ferraz propõe ainda uma inversão no raciocínio. "A valorização do câmbio não compensou, mas foi compensada pela alta dos preços internacionais, em resposta às restrições na oferta e à demanda aquecida nos países em desenvolvimento, além do componente especulativo. Quase sem exceção, as commodities estão com preços historicamente altos, e isso faz com que os produtores dessas mercadorias sejam privilegiados."

Nos mercados financeiros, a valorização das commodities é, em parte, uma resposta ao enfraquecimento do dólar em relação a moedas como o real e o dólar australiano nos últimos anos.

Fundos de investimento aumentaram de modo expressivo suas aplicações nesse segmento, interessados não apenas em capturar os lucros com o aumento da demanda global, mas também em se proteger contra a desvalorização da moeda americana em um cenário de estagnação e juros reais negativos nos Estados Unidos.

O raciocínio dos gestores é simples: a queda da moeda em que as commodities são denominadas obriga os preços nominais a subir para viabilizar a produção nos países de origem, onde o câmbio tem se fortalecido. Não à toa, a correlação inversa entre o comportamento do real e os preços das commodities é tão elevada.

O analista da Informa FNP lembra que o agronegócio brasileiro ainda tem "imensas vantagens competitivas" em relação a outros lugares do mundo, como escala, baixos custos da terra e da mão de obra. "Os produtores podem não ser tão privilegiados quanto poderiam ser, caso tivessem um câmbio mais desvalorizado, mas o cenário ainda é muito atraente. É como um time de futebol que, roubado pelo juiz, ganha de cinco em vez de oito a zero", compara.

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