segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Crise europeia longe da solução



Por Gustavo Loyola - Valor 01/08



O plano anunciado na semana passada pelos líderes europeus para lidar com a crise da dívida da Grécia e de outros países periféricos da zona do euro trouxe apenas ânimo passageiro aos mercados. Feitas as contas, tornou-se aparente que o alívio financeiro associado àquele plano será insuficiente para levar a uma solução sustentável para o endividamento da Grécia.

É certo que o anúncio da cúpula da Comunidade Europeia representou um grande avanço, após longo período de indecisão e procrastinação. O volume de recursos posto à disposição da Grécia por meio da EFSF (European Financial Stability Facility), assim como o alongamento dos prazos e redução dos juros associados a essa linha de crédito, representam um passo positivo no reconhecimento da seriedade da situação fiscal daquele país, assim como do potencial de contaminação da crise para outros países da zona do euro, igualmente marcados por aguda crise fiscal (Portugal e Irlanda, principalmente).

Da mesma forma, a previsão de envolvimento dos credores privados, por meio de renegociação "voluntária" da dívida da Grécia, mostra o abandono da equivocada ideia de que seria possível resolver o problema sem que houvesse algum tipo de redução do montante da dívida em poder do mercado, a exemplo do que ocorreu no Plano Brady, em relação à crise da dívida latino-americana dos anos 1980.

Além disso, a flexibilização no uso dos recursos da EFSF, permitindo seu uso na recapitalização de instituições bancárias, por meio de empréstimos aos governos nacionais, é outro movimento importante, tendo em vista as fragilidades que cercam alguns bancos europeus, mormente aqueles sediados nos países atingidos mais agudamente pela crise fiscal, em razão não apenas do carregamento de papéis emitidos pelos seus governos, como também pela anemia da atividade econômica que leva à deterioração de seus ativos de crédito. De fato, uma crise bancária sistêmica seria o pior dos mundos para os países já sofrendo de dificuldades crônicas para ativar suas economias.

Porém, embora significativos, tais avanços são insuficientes para tornar a Grécia um país solvente nos próximos anos. A dívida do governo corresponde a cerca de 140% do seu PIB e o déficit fiscal nominal foi de mais de 10% do PIB no ano passado. No primeiro semestre deste ano, apesar das medidas de austeridade já adotadas, o baixo crescimento da economia frustrou a previsão de receitas tributárias, o que fez com que as metas acordadas com o FMI e a Comunidade Europeia não fossem cumpridas. Não bastasse o déficit fiscal elevado, a Grécia exibe um expressivo déficit em conta-corrente, cerca de 10,5 % do PIB em 2010, o que configura uma situação de "déficits gêmeos", típica de um país que vem vivendo acima de suas possibilidades.

Numa situação como essa, a ausência de autonomia monetária dificulta enormemente o necessário ajuste da economia. Para aumentar sua competitividade e, desse modo, reduzir seu déficit externo, a Grécia necessita realizar uma "desvalorização interna", que passa pelo abaixamento dos salários e pela redução do déficit público, políticas que trazem enorme estresse político. Num contexto como esse, a permanência de um endividamento elevado não apenas é insustentável sob o ponto de vista de solvência, como se torna um ônus político incontornável. Desse modo, não há como escapar de uma solução que implique na redução sensível do fluxo dos encargos da dívida nos próximos anos, o que exige seu alongamento e também uma redução ("haircut") no seu valor nominal, o que trará perdas para os detentores dos papéis da dívida daquele país.

Por outro lado, a situação fiscal de Irlanda e Portugal, não obstante menos grave do que a da Grécia, também exige ação decidida da Comunidade Europeia. A flexibilização anunciada no emprego dos recursos da EFSF ajudará a melhora do perfil do endividamento desses países, assim como na eventual recapitalização de seus bancos. Contudo, a falta de uma solução definitiva para a Grécia pode diminuir a confiança dos mercados quanto à sustentabilidade das dívidas portuguesa e irlandesa, o que anularia os efeitos positivos da maior ajuda financeira proporcionada pela Comunidade. Assim, uma solução para Irlanda e Portugal deve necessariamente passar pela resolução definitiva para o problema grego.

Nas próximas semanas provavelmente saberemos se a reestruturação da dívida da Grécia e dos demais países afetados (Irlanda e Portugal) se dará de maneira ordenada ou não. Na primeira hipótese, uma crise bancária seria evitada, assim como a contaminação do financiamento da dívida de países maiores como Espanha e Itália. Nesse cenário, a zona do euro pode contar com uma retomada modesta da atividade econômica nos próximos anos e a economia mundial seguirá uma trajetória de crescimento, sem maiores percalços. Contudo, para tanto, é necessário que o mercado passe a confiar na sustentabilidade da posição fiscal dos países atingidos pela crise, assim como na higidez de seus sistemas bancários, para o que o pacote anunciado semana passada ainda se mostra aquém do necessário.

Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.

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