sexta-feira, 1 de junho de 2012
Riscos e lacunas do modelo brasileiro
Por Armando Castelar Pinheiro - Valor 01/06
No seu relatório anual sobre a competitividade global, o Institute for Management Development (IMD) mostra mais uma vez que o Brasil caminha para trás no ranking das nações mais competitivas. Em 2012 caiu duas posições, passando à 46ª colocação entre os 59 países analisados.
Como conciliar esse desempenho com a visão que passamos a ter do Brasil, de "queridinho" dos investidores estrangeiros e estrela ascendente no cenário econômico e político global? Qual das duas visões está correta, a de que o futuro de que falava Stefan Zweig finalmente chegou para o Brasil ou a que continua nos identificando com um país de risco elevado e ambiente de negócios ruim, este o sétimo pior entre os analisados pelo IMD?
Em livro que escrevi com Fabio Giambiagi, intitulado "Além da Euforia", lançado há um par de semanas, mostramos que hoje dois Brasis coexistem, o que se livrou de alguns dos piores vícios do passado e aquele em que subsistem problemas antigos, em alguns casos até agravados.
Começamos o livro reconhecendo os muitos avanços das duas últimas décadas. Sem querer ser exaustivos, podemos citar da abertura comercial aos avanços no mercado de crédito, passando pelo Plano Real e as alterações nas regras fiscais consolidadas na Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como o saneamento e as novas regulações do setor financeiro. Entendemos, portanto, que houve inúmeros progressos na qualidade das nossas instituições e políticas econômicas, tornando o Brasil um destino mais atraente para os investidores estrangeiros, avanços dos quais devemos nos orgulhar.
O livro não se destina, porém, a tecer louros sobre o passado, mas a apontar dois problemas centrais do nosso atual "modelo" de desenvolvimento. O primeiro é a provável exaustão de alguns fatores que explicam boa parte significativa do bom desempenho econômico dos últimos anos. A importância desses fatores não é devidamente reconhecida no desenho da política econômica, que atribui os resultados recentes aos fundamentos da nossa economia, colocando o país em uma dinâmica econômica que nos parece insustentável. O segundo problema é que o sucesso recente nos fez esquecer os gargalos que subsistem na nossa economia e limitam o nosso potencial de crescimento, como revelam pesquisas como a do IMD.
Um dos desequilíbrios dinâmicos tratados em "Além da Euforia", que recentemente passou a ocupar espaço na mídia, envolve o crescimento da demanda acima daquele do Produto Interno Bruto (PIB) potencial, com base em forte expansão do crédito e das importações. Ainda que essa estratégia tenha funcionado na segunda metade da década passada, isso ocorreu por que o país partiu de elevados níveis de desemprego, um superávit em conta corrente de 2,5% do PIB e baixos níveis de endividamento. Hoje a taxa de desemprego é baixa; a conta corrente deve fechar o ano com déficit acima de 2,5% do PIB; e o endividamento das famílias é alto, considerando juros, prazo e que uma parcela pequena dele se destina à compra de imóveis.
Além disso, é dado um crédito insuficiente ao papel das condições externas, tanto ao efeito da melhoria dos termos de troca, que impediu que a alta nas importações se transformasse em um déficit em conta corrente mais elevado, como à entrada de capital externo, que alimentou a expansão do crédito. Para avaliar a importância desses efeitos basta ver que a América Latina como um todo acelerou o crescimento do PIB ao mesmo tempo e tanto quanto o Brasil, com quedas de desemprego em alguns países ainda maiores do que a nossa. De fato, em 2011 o Brasil teve a menor expansão de PIB em toda a América do Sul.
Também analisamos no livro a dinâmica insustentável na área fiscal, calcada na expansão do gasto corrente e da carga tributária sistematicamente acima do PIB. Ainda que em algum momento vá se tornar difícil continuar aumentando impostos - e a carga elevada e complexa é um dos fatores que constrange o investimento no país - a transição demográfica em curso já traz contratado um aumento significativo de gastos nas áreas de previdência, saúde e assistência a idosos. Nesse sentido, mostramos a necessidade de mudar as regras de aposentadoria, sob risco de tornar o sistema inviável daqui a uns anos.
Além desses desequilíbrios dinâmicos, o livro analisa uma série de áreas em que a necessidade de reformas ficou esquecida em função dos bons resultados dos últimos anos: educação, infraestrutura, ambiente de negócios, produtividade são alguns dos temas tratados em capítulos individuais no livro. Também dedicamos um capítulo ao pré-sal, discutindo como evitar que esse se transforme numa fonte de atraso, como ocorre em alguns países não tão distantes de nós.
"Além da Euforia" foi escrito em uma linguagem acessível aos não especialistas, com vários números para ilustrar nossos argumentos. Acreditamos que isso torna a sua leitura mais agradável e, esperamos, ajude a fomentar uma discussão mais realista sobre o Brasil atual.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ.
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