terça-feira, 12 de junho de 2012

Avanços na dívida pública



Por Antonio Delfim Netto - Valor 12/06

Teve muita razão o experimentado presidente do Banco Santander no Brasil, Marcial Portela, quando afirmou, numa instigante entrevista ("O Estado de S. Paulo", 8/6, página B9), que "a indústria financeira do Brasil vai se transformar nos próximos dois ou três anos", porque "todo o mundo reconhece que o nível de juro real do Brasil no passado era inacreditável". E continuou: "Hoje, está provado que as taxas podem ficar mais próximas das dos países normais".

Não há nada que justifique o fato de o Brasil não ter uma taxa de juros "normal" (sic). A ficha ainda não caiu completamente, mas a disposição do governo de alterar a remuneração da caderneta de poupança, para dar mais energia à política de redução de juros executada pelo Copom, vai, mais cedo ou um pouco mais tarde, modificar a estrutura de todos os portfólios dos agentes financeiros privados.
O governo, por sua vez, continua a fazer a sua parte, como mostra a decisão do Tesouro Nacional, com a aprovação do Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de trocar R$ 38 bilhões em Letras Financeiras (LFT), remuneradas pela taxa Selic, por papéis com rentabilidade prefixada ou ligada à correção pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA).

Por falar em Tesouro Nacional (uma secretaria do Ministério da Fazenda), é bom lembrar que se trata de um dos poucos órgãos do governo federal que, muito antes da Lei de Transparência, fornece, praticamente "on time", todas as informações sobre a dívida pública federal (DPF) em poder do público. Ela divulgou a 12ª versão do seu Plano Anual de Financiamento (PAF-2012), juntamente com o 9º Relatório Anual da Dívida Pública (DPF-2011). Dois importantes documentos, que atestam o aperfeiçoamento constante da administração da dívida pública (interna e externa) que se realizou desde a sua criação.

Quais os objetivos de longo prazo dessa administração? De acordo com PAF-2012 (página 8), são: 1) substituição gradual dos títulos remunerados por taxas de juros flutuantes, por títulos com rentabilidade prefixada ou vinculada a índice de preços; 2) aumento do prazo médio do seu estoque; 3) suavização da estrutura de vencimentos, com especial atenção para a dívida que vence no curto prazo; 4) desenvolvimento da estrutura a termo de taxas de juros nos campos interno e externo; 5) aumento da liquidez dos títulos públicos federais no mercado secundário; 6) ampliação da base dos investidores; e 7) aperfeiçoamento do perfil da DPF externa, por meio de emissões de títulos com prazos de referência ("benchmark"), programa de resgate antecipado e operações estruturadas.

Com relação ao primeiro objetivo, da maior importância para dar "potência" à política monetária, o avanço tem sido sistemático, mas pequeno (de 34% para 30% entre dezembro de 2008 e dezembro de 2011) sobre a DPF total. O gráfico abaixo dá uma boa ideia do avanço na qualidade do financiamento da DPF.

Como vimos acima, a ação promete ser mais enérgica em 2012. O objetivo é reduzi-la a 22% na melhor hipótese (cenário global da economia positivo, no qual a DPF atingiria R$ 1,95 bilhão) e 26% (no cenário mais pessimista, onde a DPF chegaria a R$ 2,05 bilhões). Como 2/3 da dívida financiada em Selic vencem até 2014, há um bom espaço para que essa porcentagem continue a diminuir. Para o longo prazo, os administradores da DPF sugerem reduzi-la para 10% no cenário positivo e 20% no pessimista.

Com relação ao aumento do prazo médio, o progresso tem sido praticamente nulo (em torno de 3,5 anos). O nível de vencimentos no horizonte de 12 meses tem se reduzido: de 25,4% em 2008, espera-se 22% em 2012.

Um importante avanço na administração da DPF externa em 2011, com consequências sobre a taxa de câmbio, foi a antecipação da compra de dólares correspondente a 83% dos vencimentos de 2012; 58% dos relativos a 2013; 51% dos de 2014 e 46% dos de 2015. A DPF externa em dezembro de 2011 era, medida em reais, menos do que 5% da DPF total.

Um avanço a ser comemorado na administração da DPF é o grande e agressivo esforço para a venda direta dos papéis públicos a pessoas físicas através da internet. Isso não apenas democratiza o uso do investimento, como ajuda a criar um mercado secundário, incentiva a poupança e exerce pressão para a redução das taxas de intermediação dos agentes financeiros. O ano de 2011 terminou com quase 280 mil investidores cadastrados. Nos últimos cinco anos, esse número cresceu à taxa de 30% ao ano, o que é mais do que auspicioso.

Quando se olha os números e o aperfeiçoamento institucional da Secretaria do Tesouro, não é difícil reconhecer por que nossa situação fiscal é relativamente melhor do que a da maioria dos países do mundo e pode dar suporte à política monetária, que está reduzindo a taxa de juros real teratológica, que prejudica nosso desenvolvimento.



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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