quarta-feira, 6 de junho de 2012
O pânico ficou racional demais
Por Martin Wolf - Valor 06/06
Suponha que em junho de 2007 alguém lhe tivesse dito que em 1º de junho de 2012 os bônus de dez anos do governo do Reino Unido teriam rendimento de 1,54%, os do Tesouro dos Estados Unidos, de 1,47% e os da Alemanha, 1,17%. Suponha, também, que lhe tivessem dito que as taxas de juros oficiais de curto prazo estariam entre 0%, nos EUA e Japão, e 1%, na região do euro. O que você pensaria? Você acharia que a economia mundial está em depressão. Você estaria errado se pensasse em algo no estilo da década de 30. Mas estaria certo quanto à dinâmica das forças em questão: o Ocidente vive uma depressão contida; pior, as forças que empurram em direção a outra fase descendente vêm ganhando ímpeto, principalmente na região do euro. Enquanto isso, as autoridades vêm cometendo erros gigantescos.
O indicador mais forte - e causa imediata - de fraqueza econômica é a passagem do balanço financeiro do setor privado (a diferença entre renda e consumo das famílias e empresas) para uma situação de superávit. Foi o passo atrás das pessoas endividadas e assustadas que provocou a fragilidade das economias ocidentais. Mesmo países não afetados diretamente, como a Alemanha, acabam sendo atingidos indiretamente pelo retrocesso maciço de seus parceiros.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre 2007 e 2012, o balanço financeiro do setor privado em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) terá variado, em direção ao superávit, 7,1 pontos percentuais nos EUA; 6 pontos, no Reino Unido; 5,2 pontos, no Japão; e apenas 2,9 pontos, na região do euro. O bloco, no entanto, possui alguns países com superávits privados persistentes, mais notavelmente a Alemanha; alguns com certo equilíbrio (como França e Itália); e outros com grandes oscilações em direção ao superávit: na Espanha, a previsão é de variação de 15,8 pontos percentuais. Enquanto isso, os países emergentes também terão superávit neste ano, de US$ 450 bilhões, segundo o FMI.
Em um mundo como esse, devemos esperar baixa demanda. A disposição para adotar políticas monetárias expansionistas e tolerar imensos déficits fiscais conteve a depressão e até foi suficiente para motivar fracas recuperações. O fato de os grandes déficits fiscais e de as medidas sem precedentes de política monetária não terem originado grandes recuperações, no entanto, mostra o grau de alcance das forças que vêm deprimindo as economias. Esse é o legado de uma imensa crise financeira precedida por grandes bolhas nos preços dos ativos e uma enorme expansão no endividamento.
As finanças desempenham papel central nas crises. Na alta, geram euforia e excessos de consumo e alavancagem e, na descida, pânico, retrocesso e desalavancagem. As dúvidas quanto à estabilidade das finanças dependem da percepção sobre a solvência dos devedores. Tais dúvidas chegaram ao auge em 2008, quando os créditos lastreados em imóveis eram o centro das preocupações. A grande preocupação agora é o que ocorre na região do euro, com o agravante de que os governos - de quem dependem os resgates dos investidores durante crises sistêmicas - estão entre os devedores com problemas financeiros. Tais dúvidas vêm gerando uma fuga em direção à segurança da Alemanha e de países que continuam com soberania monetária, como EUA e Reino Unido.
Esquece-se com bastante frequência que a quebra do banco austríaco Kreditanstalt, em 1931, levou a uma onda de falências bancárias por todo o continente. O episódio acabou se revelando o início do fim do padrão-ouro e trouxe uma segunda fase descendente para a própria Grande Depressão. É preciso preocupar-se agora com a possibilidade de uma onda de quebras de bancos provocar um desmoronamento similar dentro da região do euro, o que mais se aproxima no mundo hoje ao antigo padrão-ouro. A quebra da região do euro iria, por sua vez, provocar mais rachaduras em massa na Europa e até nos sistemas financeiros mundiais, possivelmente até derrubando os muros que agora contêm a depressão.
Até que ponto isso é realista? Bastante realista. Um dos motivos é o próprio fato de haver muitas pessoas temendo esse resultado. Em momentos de pânico, o medo ganha poder próprio. Para aplacá-lo, é necessária uma instituição de crédito de última instância, disposta a - e capaz de - agir em escala ilimitada. Não está claro se a região do euro dispõe de tal instituição. Os fundos alocados para respaldar países em dificuldade são, sob vários aspectos, limitados. O Banco Central Europeu (BCE), embora na teoria capaz de agir em escala ilimitada, pode não o ser na prática, caso as corridas que precise enfrentar sejam grandes demais. As pessoas devem estar se perguntando qual é o limite de crédito que o Bundesbank, autoridade monetária da Alemanha, estaria disposto (ou teria permissão) para oferecer a outros bancos centrais em caso de corridas em massa? Em uma crise profunda, será que mesmo o BCE, para não citar os governos, poderia agir de forma eficiente?
Além disso, as pessoas sabem que tanto bancos como governos estão sob pesado estresse em países importantes que parecem carecer de qualquer perspectiva de voltar em breve ao crescimento e que sofrem os custos de um desemprego alto e ainda em crescimento. Não se pode imaginar um sinal mais claro disso do que o grito final da Espanha pedindo ajuda a seus bancos. Os sistemas políticos estão sob pressão: na Grécia, a frágil democracia implodiu. Enquanto isso, o governo alemão parece ter reiterado sua oposição à possibilidade de oferecer mais apoio.
Quanto sofrimento mais os países sob estresse podem suportar? Ninguém sabe. O que aconteceria se um país deixasse a região do euro? Será que até a Alemanha poderia cogitar sair? Ninguém sabe. Qual a estratégia de longo prazo para sair das crises? Ninguém sabe. Com tal grau de incerteza, o pânico desafortunadamente tornou-se algo natural, racional. Uma moeda fiduciária garantida por governos heterogêneos é irremediavelmente frágil.
Até agora, nunca havia realmente compreendido de que forma algo como a década 30 pôde ocorrer. Agora, compreendo. Tudo o que se precisa são economias frágeis, um regime monetário rígido, intensos debates sobre o que deve ser feito, uma crença generalizada de que medidas que provoquem sofrimento são positivas, políticos míopes e uma incapacidade de cooperar e de antecipar-se aos eventos. Talvez, o pânico desapareça. Mas as atuais taxas requeridas pelos investidores comprando bônus indicam pesada aversão a riscos. As autoridades devem eliminar esse pânico, e não atiçá-lo.
Na região do euro, as autoridades não estão conseguindo fazê-lo. Se quem bom crédito se recusa a apoiar quem está sob pressão, quando os que estão em dificuldade não puderem mais ficar à tona, o sistema certamente vai perecer. Ninguém sabe que danos isso poderia causar à economia mundial. Mas quem quer descobrir?
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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