segunda-feira, 18 de junho de 2012

Crescimento mundial vai ser baixo, diz OCDE

Valor/18/06


A Europa precisa agir rápido, usar os enormes recursos de que dispõe para solucionar a crise do euro, que já se tornou um problema mundial. É o que afirma o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, antecedendo a cúpula do G-20 hoje e amanhã no México.

"As maiores economias do continente, que têm a chave da solução, têm que aceitar que a situação é muito perigosa", disse o mexicano Gurría ao receber o Valor em seu escritório, em Paris. "A situação do setor financeiro na Europa tornou-se urgente. Isso porque não foi feita a reestruturação que deveria ter sido feita antes."

Gurría, que está no seu segundo mandato à frente da entidade que reúne as economias desenvolvidas, prevê crescimento econômico global medíocre para os próximos anos, mas aponta uma saída: parte da solução virá pelo crescimento verde, como enfatizará esta semana na Rio+20.

Valor: A economia mundial vai se deteriorar mais?

Angel Gurría : O contexto econômico global já se deteriorou bastante. O problema da crise europeia não é mais europeu, é mundial, e a incerteza que ele gera tem criado tensões nos mercados financeiros que se refletem na volatilidade recente do peso mexicano, do real brasileiro, do yuan chinês, da rúpia indiana e de outras moedas emergentes. Quanto o Brasil exporta para a Grécia? Quanto investimento direto o México tem na Grécia? As relações econômicas entres esses países são limitadas, mas as repercussões da crise são imensas dadas as interdependências que existem entre os mercados financeiros. Se há dois anos a Europa tivesse resolvido o problema da Grécia de modo definitivo, se tivesse feito uma negociação dura com os bancos para reduzir a dívida grega, não estaríamos hoje onde estamos, com o risco de o vírus se propagar ainda mais. Hoje, o custo para o resto do mundo desses dois anos de inação tornou-se muito maior do que a dívida total da Grécia.

Valor: O contágio continuará?

Gurría : Mesmo países com perspectivas positivas, como os EUA e os emergentes, estão sofrendo. Estamos prevendo um crescimento modesto para a OCDE como um todo este ano, de cerca de 1,6% na média dos países. Isso quer dizer que a recuperação que está em curso não é suficiente para aumentar oferta de emprego, sanear as finanças públicas e criar demanda de modo sustentável. A Europa continua a perder emprego. Isso é ruim para o Brasil também, não porque o Brasil não esteja preparado, mas porque o resto do mundo vai mal.

Valor: O senhor parece cada vez mais frustrado com a gestão da crise europeia, não?

Gurría : Veja, há dois ou três segredos para se lidar com uma crise dessa proporção. Um deles é fazer um diagnóstico apropriado e comunicá-lo sem medo das turbulências que possa causar no mercado. Quem acha que é melhor dar as más notícias em pequenas parcelas, em vez de uma vez só, se dá conta no final de que assim as más noticias não terminam nunca! É o que acontece na Europa, que tem administrado a crise de maneira gradual e incremental. Sejamos justos: isso tem muito a ver com as limitações políticas e institucionais do processo de tomada de decisões na Europa. Mas as maiores economias do continente, que têm a chave da solução, têm que aceitar que a situação é muito perigosa.

Valor: O que fazer no curto prazo?

Gurría : O mais importante no curto prazo, e que provoca frustração, é que a Europa tem os meios institucionais e os recursos financeiros para resolver os seus próprios problemas. A questão é que se tem colocado mais ênfase nos entraves e nas dificuldades que enfrentam os europeus para resolver a crise do que nos meios disponíveis para fazê-lo. É um problema cultural, mas também de estratégia. Os americanos dizem: se para resolver uma crise são necessários US$ 500 bilhões, vamos por US$ 750 bilhões na mesa. Os europeus, se precisam dos mesmos US$ 500 bilhões, põem US$ 200 bilhões na mesa e isso depois de muitas reuniões e discursos. Não quero minimizar as dificuldades de governança na Europa, que são sérias. Os líderes europeus têm que gastar muito capital político e precisam de muita persuasão para transmitir a mensagem de que há custos de curto prazo que são necessários para assegurar estabilidade no médio e longo prazos, mas também para evitar custos ainda maiores.

Valor: A pressão vai aumentar sobre a Itália?

Gurría : Isso já está acontecendo, e não é a primeira vez. A Grécia tem sido o epicentro da crise, mas também a fronteira. Mas no momento em que o vírus se propaga, países como a Espanha e a Itália ficam ameaçados, apesar de as condições serem bastante diferentes nesses países. Um exemplo: a dívida pública bruta da Espanha deve ficar em torno de 88% do PIB no fim deste ano, cifra bem abaixo dos 120% da Itália. Os vencimentos da dívida pública italiana serão o dobro dos da espanhola nos próximos 12 meses. Além disso, os espanhóis já fizeram várias reformas estruturais que são absolutamente necessárias para fortalecer o crescimento, o mercado de trabalho e a produtividade. Mas a Itália ainda não. Mario Monti é o homem certo, no lugar certo, na hora certa. Mas a situação política italiana é muito peculiar, com um governo tecnocrático, que não foi eleito e que não tem maioria no parlamento. Se a percepção de risco soberano aumenta, o custo de financiamento da dívida aumenta e a situação fiscal torna-se bastante desconfortável. Estamos todos os dias enfrentando esse problema. É bastante frustrante. Sabemos que, politicamente, como o custo da crise aumenta, torna-se cada vez mais difícil vender uma solução para a opinião pública e os parlamentos.

Valor: E a situação dos bancos?

Gurría : A situação do setor financeiro na Europa tornou-se urgente. Isso porque não foi feita a reestruturação que deveria ter sido feita. Há problemas nos bancos em muitos países. Os EUA tomaram decisões muito mais vigorosas, contundentes, e aí está uma grande diferença em relação à Europa, como disse antes. É importante recapitalizar os bancos para reduzir os prêmios de risco da dívida soberana. Temos que enfrentar os dois problemas - dos bancos e da dívida soberana. Não podemos abordar um problema deixando de resolver o outro. No caso da dívida, a grande questão é até que ponto os contribuintes europeus estão dispostos a transformar uma dívida privada em dívida pública.

Valor: Qual cenário afinal o senhor vê para a zona do euro nos próximos meses?

Gurría : Mesmo se agora forem tomadas todas as decisões difíceis, política e financeiramente necessárias, a implementação vai levar um bom tempo. A questão não é o ponto final, é o ponto inicial. Trata-se de criar as condições necessárias para enfrentar os problemas de uma vez por todas. A mensagem deve ser de vontade política. Países como os EUA, a China, o Brasil, a Índia, podem contribuir ao argumentar que estão enfrentando problemas por causa da crise da zona do euro, mas que também estão dispostos a ajudar, por exemplo por meio do FMI, do G-20.

Valor: Globalmente, a crise do crescimento demorará muito?

Gurría : Para os próximos cinco a dez anos projetamos um crescimento fraco nas economias centrais, alto desemprego, desigualdades, déficit e endividamento público altos. E uma perda crescente de margem de manobra. Falamos muito da Europa. Mas imagine o Japão, com uma dívida pública que deve chegar a quase 225% do PIB este ano. Façamos uma conta simples: os juros japoneses hoje são quase zero, mas se essa taxa subir para 2%, isso significa o equivalente a quase 4,5% do PIB a mais somente no pagamento de juros sobre a dívida pública. É gigantesco. Na América Latina, aprendemos com nossos erros, fortalecemos as finanças públicas, saneamos os bancos, implementamos várias reformas estruturais para reforçar as bases do crescimento. Mas outros países estão explorando limites macroeconômicos desconhecidos, em situação de muita vulnerabilidade. Nos EUA, o ajuste fiscal programado para o curto prazo, com cortes automáticos de despesas e a reversão dos benefícios fiscais introduzidos após a crise, o chamado "penhasco fiscal", ou "fiscal cliff", pode comprometer seriamente a recuperação da economia americana.

Valor: Ou seja, temos um coquetel perigoso pela frente.

Gurría : Sim, basta ver como as desigualdades também estão aumentando. Um estudo recente nosso, "Divided We Stand", mostra que a relação entre a renda média dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres passou de 7 para 9 vezes em 25 anos, na média dos países da OCDE. Nos EUA, a diferença é de 14 vezes. No México e no Chile, é de 25 vezes. Entre os Brics, somente o Brasil conseguiu reduzir substancialmente a desigualdade, mas a diferença de renda entre ricos e pobres ainda é de 50 para 1, de longe mais desigual do que em qualquer país desenvolvido.

Valor: Como avançar as reformas estruturais que a OCDE propõe em plena recessão?

Gurría : Sem mudanças estruturais estamos condenados a um médio e longo prazo realmente medíocre, difícil. Com certeza, fazer reformas, como no mercado de trabalho, é muito mais penoso e desafiador nessa situação. O problema é que os mercados estão muito, muito atentos sobre se os países vão ou não fazer as reformas consideradas necessárias. Além disso, uma lição importante da crise é que as políticas estruturais têm que levar em conta as suas consequências distributivas, para não aumentar a desigualdade. A OCDE tem ressaltado essa questão cada vez mais nas suas análises e no nosso diálogo com os países. Uma boa notícia é que os custos de curto prazo de várias reformas estruturais são muitas vezes menores do que se imagina, sobretudo quando acompanhadas de medidas complementares para amortecer esses custos.

Valor: O mercado se impõe aos governos, e os governos precisam obedecer?

Gurría : Os mercados dão crédito aos governos que implementam as medidas necessárias para resolver os seus problemas e que têm determinação política para fazê-lo. A capacidade de ação tem o seu prêmio, assim como a inação tem o seu custo.

Valor: A OCDE leva para a Rio+20 a iniciativa do crescimento verde. Mas quem paga pela transição? O custo não freará a expansão das economias emergentes?

Gurría : Não nos iludamos. O crescimento verde é o único tipo de crescimento que vamos ter no futuro. Ele é sustentável, e além disso é a única forma de desenvolvimento que incentiva a inovação, gera novas fontes de crescimento econômico, cria novos mercados e emprego de qualidade. E, mais importante ainda, não há contradição entre crescimento verde e crescimento sustentável. O crescimento verde é um meio para alcançar o crescimento sustentável, baseado em instrumentos e políticas adequados às necessidades e condições nacionais.

Valor: Mas quem financia a redução da emissão de monóxido de carbono nas economias, ainda mais quando se está em crise?

Gurría : Como nas finanças públicas, nós conhecemos o custo da inação na área ambiental. E o custo de não fazer nada é bastante alto. Se as economias não se tornarem mais sustentáveis dos pontos de vista ambiental e social, o futuro será sombrio. Nosso estudo "Perspectivas para o Meio Ambiente" mostra que, se não fizermos nada, e mantivermos as políticas públicas como estão, sem um maior foco no meio ambiente até 2050, o mundo contará com mais 2,3 bilhões de pessoas, quase 40% da humanidade, vivendo em áreas com sérias carências em água. O impacto das mudanças climáticas será mais sério entre os mais pobres. Nessas condições, como garantir o progresso econômico, humano e social dessas populações?

Valor: Como se manifesta concretamente o crescimento verde que a OCDE propõe?

Gurría : Mudando o nosso modelo de crescimento e tornando-o mais verde e mais inclusivo é a única estratégia crível que temos. Isso pode desbloquear oportunidades de crescimento econômico, ao contribuir para gerar receitas e liberar recursos para programas anti-pobreza, pelo aumento da produtividade por meio de uma maior eficiência no uso dos recursos naturais, por meio da abertura de novos mercados para as tecnologias verdes, produtos e serviços. Avançar em direção de crescimento mais verde pode ajudar a garantir que o crescimento futuro está blindado de gargalos custosos e de riscos sistêmicos decorrentes das pressões sobre o ambiente, que de outra forma poderiam prejudicar a atividade econômica e o bem estar humano. Cada país precisa desenvolver e adaptar uma estratégia às suas próprias necessidades nacionais e estágio de desenvolvimento. Crescimento tem que levar a uma redução nas desigualdades e as tensões que isso gera.

Valor: Com relação ao Brasil, o senhor continua esperando que entre para a OCDE?

Gurría :O Brasil está convidado desde 2007 e está muito bem preparado para se integrar à OCDE. Nós já trabalhamos muito com o Brasil, mas a decisão quanto a uma possível adesão depende do Brasil. Não temos vergonha de dizer que a OCDE deseja, precisa do Brasil, da China, da Índia, da Indonésia, da África do Sul. Com o Brasil é mais fácil avançar em políticas globais em áreas tão diversas como o comércio, o meio ambiente, a luta contra a pobreza, enfim todos os grandes temas que preocupam os líderes mundiais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário