quinta-feira, 28 de junho de 2012

Como a Europa pode salvar a Europa



Por George Soros - Valor 28/06

Em sua reunião em Roma na quinta-feira passada, os líderes das quatro maiores economias na zona do euro chegaram a um acordo sobre os passos rumo a uma união bancária e a um modesto pacote de estímulo para complementar o novo "pacto fiscal" da União Europeia. Esses passos não são suficientes.

A chanceler alemã, Angela Merkel, resistiu a todas as propostas no sentido ajudar a Espanha e a Itália aliviando os dois países das pressões dos atuais excessivos prêmios de risco. Em consequência, a próxima cúpula da União Europeia poderá transformar-se num fracasso, o que poderá revelar-se letal, porque deixaria o restante da zona do euro sem blindagem financeira suficientemente impermeável para protegê-la da possibilidade de uma saída dos gregos.

Mesmo que uma calamidade fatal possa ser evitada, a cisão entre países credores e devedores sairá reforçada e os países da "periferia" não terão chance para recuperar sua competitividade, porque as regras do jogo estão contra eles. Isso pode servir ao interesse alemão, mas criará uma Europa muito distinta da sociedade aberta que inflamou a imaginação das pessoas e impulsionou a integração europeia durante décadas. Isso fará da Alemanha o centro de um império e subordinará permanentemente a "periferia". Não é isso que Merkel nem a grande maioria dos alemães defendem.

Merkel afirma que é contra as regras usar o Banco Central Europeu (BCE) para resolver os problemas fiscais dos países da zona do euro - e ela tem razão. O presidente do BCE, Mario Draghi, disse o mesmo. Na verdade, falta um item importante na pauta da próxima cúpula: uma Autoridade Fiscal Europeia (AFE) que, em parceria com o BCE, pudesse fazer o que o BCE não pode fazer por conta própria.

Em particular, a AFE poderia estabelecer um Fundo de Redução da Dívida - uma forma modificada do Pacto Europeu de Resgate da Dívida proposto pelo Conselho de Assessoria Econômica de Merkel e aprovado pelos alemães. Em troca de determinadas reformas estruturais na Itália e na Espanha, o Fundo adquiriria e manteria em seu poder uma parte significativa do estoque da dívida desses países. O Fundo financiaria as compras mediante emissões de títulos do Tesouro europeu - obrigações coletivas e individuais dos países membros - e repassaria os benefício do financiamento barato para os países relevantes.

Aos títulos do Tesouro seriam atribuídas uma classificação de risco zero por parte das autoridades e eles seriam tratados como garantia de mais alta qualidade para operações de recompra pelo BCE. O sistema bancário necessita urgentemente ativos líquidos de risco zero. Os bancos têm atualmente mais de € 700 bilhões de liquidez superavitária no BCE, rendendo juros de apenas um quarto de 1%. Isso assegura existir de imediato um grande mercado para títulos com rendimento de 1% ou menos.

Se um país participante posteriormente deixar de cumprir seus compromissos, a AFE poderia impor uma multa ou outra penalidade proporcional à transgressão, impedindo assim que a ação repressiva potencial se torne uma "opção nuclear" impossível de ser exercida. Isso proporcionaria uma forte proteção contra o risco moral. Um governo sucessor, por exemplo na Itália, ficaria praticamente impossibilitado de romper os compromissos assumidos pelo governo do atual primeiro-ministro italiano, Mario Monti. Tendo em vista que praticamente metade da dívida italiana é financiada por Letras do Tesouro Europeu - produzindo um efeito semelhante a uma redução do prazo médio de maturação de sua dívida - um governo sucessor ficaria ainda mais sensível a quaisquer sanções impostas pela AFE.

Após um período apropriado, os países participantes deveriam colocar em prática programas de redução de dívida estruturados de forma que não coloquem seu crescimento em risco. Isso seria o prelúdio para o estabelecimento de uma união política plena e a criação de eurotítulos. Evidentemente, a emissão de títulos do Tesouro europeu exigiria a aprovação do Bundestag, mas seria conforme à exigência do Tribunal Constitucional alemão de que qualquer compromisso aprovado pelo Bundestag seja de duração e escala limitadas.

Não é tarde demais para converter essa proposta em uma declaração política que defina não apenas o objetivo de longo prazo de uma união política mas também um roteiro para uma união fiscal e bancária. Norteados por essa declaração, o fundo de socorro financeiro da zona do euro, o Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM, em inglês), poderia assumir imediatamente os títulos gregos em poder do BCE, que poderia começar a acumular títulos espanhóis e italianos, e Itália e a Espanha poderiam implementar as reformas estruturais necessárias para terem direito de acesso ao Fundo de Resgate da Dívida.

Essa agenda traria grande alívio aos mercados financeiros. Igualmente importante, isso mudaria a dinâmica política da Europa de negativa para positiva.

O principal obstáculo é que os políticos alemães permaneçam aferrados à sua posição "isso não é permitido". Merkel insiste que uma união política deve preceder uma plena união fiscal e bancária. Isso é, a um só tempo, irreal e irracional. Os três precisam ser desenvolvidas em conjunto, passo a passo. Não pode haver nenhum tratado ou cláusula constitucional que impeça a criação da AFE, se o eleitorado alemão, representado pelo Bundestag, aprová-la; caso contrário o ESM não poderia ter sido criado. Se o restante da Europa permanecer unido em apoio a essa proposta e o Bundestag rejeitá-la, a Alemanha deve assumir total responsabilidade pelas consequências financeiras e políticas. (Tradução de Sergio Blum).



George Soros é presidente do Soros Fund Management e do Open Society Institute. Copyright: Project Syndicate, 2012.



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