segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Só competitividade não salvará o euro




Por Wolfgang Münchau - Valor 19/11

Após as eleições na Alemanha em 2002, o governo iniciou uma série de reformas econômicas, principalmente nos setores trabalhista e de bem-estar social. A economia alemã continuou estagnada até em torno de 2005, mas viveu uma recuperação sólida, interrompida pela recessão de 2009. Esses são os fatos. Mas a história contada em toda a Europa é que as reformas provocaram um novo milagre econômico alemão.

O argumento é uma falácia lógica do tipo "hoc ergo propter hoc": depois disso, portanto por causa disso. Feitas as reformas, veio o crescimento - daí a causalidade e, portanto, a aplicabilidade universal. Todas as autoridades europeias parecem ter aceito essa cadeia de argumentação. E estão agora aplicando sua lógica imperfeita à França.

No início deste mês, um relatório da autoria de Louis Gallois, ex-presidente da EADS, sugeriu medidas para tornar a França mais competitiva. O relatório e o debate que se seguiu refletem uma confusão intelectual mais ampla sobre a natureza de reformas. Eu detecto um diagnóstico triplamente equivocado: sobre os efeitos das reformas na Alemanha, sobre o tipo de reformas que hoje são necessárias na França, na Itália e na Espanha, e sobre o foco em competitividade.

A primeira das três falácias diz respeito à Alemanha. Durante o pós-guerra, a economia alemã teve um bom desempenho no âmbito de regimes de câmbio fixo. Seu primeiro milagre econômico ocorreu durante a era de Bretton-Woods - as décadas de 1950 e 1960 - ao conseguir desvalorizar seu câmbio real em relação a outros membros do sistema. Não deveria constituir surpresa que a Alemanha prospere na zona do euro fazendo exatamente a mesma coisa. A recuperação que se seguiu à crise financeira no início da década passada foi causada por um longo período de moderação salarial.

Então, existiu um nexo entre reformas e moderação salarial? Se assim for, seria possível estabelecer uma relação de causalidade entre as reformas de 10 anos atrás e a subsequente melhoria de desempenho econômico. Para responder essa pergunta, é preciso examinar a natureza da dosagem relativa de política salarial versus desemprego, bem como outros fatores que estavam presentes. Embora os sindicatos alemães tenham aceito salários mais baixos para evitar perdas de emprego, a natureza do "balanço" inflação versus desemprego - representado na chamada curva de Phillips - revelou-se estável ao longo do tempo.

Sindicatos e empregadores alemães deslocaram-se, ao longo da curva, para uma posição onde os salários eram mais baixos e o emprego mais alto, mas as reformas não modificaram a natureza intrínseca desse balanço. Nesse contexto, para início de conversa, será que as reformas pelo menos contribuíram para esse deslocamento ao longo da curva, ao fazer com que os sindicatos aceitassem essa barganha? É difícil responder essa indagação, mas minha explicação intuitiva é que o processo de terceirização (de atividades), levadas para a Europa Central - um choque externo - foi a principal razão para os sindicatos terem agido como fizeram. Num país com baixa mobilidade regional da mão de obra, o fechamento de uma fábrica produziria, em outras circunstâncias, persistente desemprego.

Em segundo lugar, para corrigir os problemas econômicos da França, deve-se aplicar uma abordagem lúcida e focada. A França e a Espanha estão sofrendo com o desemprego juvenil. O problema é bem compreendido. É resultado de um mercado de trabalho fragmentado, que protege os trabalhadores com contrato de trabalho permanente, mas discrimina pessoas de fora e jovens. Em vista de um desemprego de 52% entre os jovens na Espanha, essa deveria ser a prioridade para a reforma econômica. Devemos, portanto, distinguir entre as reformas que atendem a um objetivo específico e bem definido - como a adoção de um contrato único de trabalho ou uma reforma das aposentadorias - de reformas com efeitos não comprovados. Também deveríamos separar reformas específicas daquelas derivadas puramente da ideologia de direita.

Por fim, por que sempre focamos a questão da competitividade? Empresários falam incessantemente sobre isso, mas é um conceito menos útil em escala macroeconômica. Competitividade reúne dois conceitos: competitividade macroeconômica, conforme expressa pela taxa de câmbio real e pela produtividade total dos fatores (PTF), que é um indicador do dinamismo tecnológico de um país. Uma diminuição dos custos unitários da mão de obra é um ganho apenas se um país - e nenhum dos outros -, conseguir isso. Se defendermos esse objetivo como política para toda a zona euro, o resultado será um jogo de soma zero. Não podemos, todos, simultaneamente, desvalorizar. Se estamos dizendo que a zona do euro deveria reduzir os custos unitários de mão de obra ao nível da Alemanha, por que pensar que a Alemanha não fará o mesmo?

Então, resta a PTF. Muito bem, mas seria melhor, então, nos concentrarmos especificamente nela, e não com a distração do nebuloso conceito de competitividade. Além disso, podemos não saber tanto sobre a PTF como pensamos.

Reformas específicas podem ser úteis, mas ninguém deve iludir-se, julgando que reformas estruturais podem resolver o que é, em última instância, uma crise de balanço de pagamentos. É preciso, primeiro, solucionar esta crise, em vez de buscar refúgio no velho debate com que os europeus gostam de perder tempo: reformas institucionais e reformas estruturais. Ambas não são irrelevantes, mas são irrelevantes para a resolução desta crise. (Tradução de Sergio Blum)



Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.

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