sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Dependência ou morte no controle da inflação


Por Samy Dana, Leonardo Siqueira Lima e Daniel de Lima - Valor 09/11

Em agosto de 2011, o Banco Central (BC) reduziu a meta da taxa Selic, taxa de juros básica da economia brasileira, em meio ponto, de 12,5% para 12%. Esse movimento surpreendeu boa parte do mercado financeiro, já que o IPCA acumulava alta de 6,9% em 12 meses, muito acima da meta de inflação de 4,5% ao ano. O BC se justificou alegando combate à crise externa e o estímulo ao mercado doméstico.

Desde então, a cada nova redução de taxa de juros decidida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) ressurgem dúvidas sobre a independência, ou não, do Banco Central com relação ao governo da presidente Dilma Rousseff.

A independência do BC é uma questão muito importante para os economistas, pois muitos deles acreditam que ela resultaria numa menor inflação no longo prazo, o que ajudaria a manter o poder de compra da população, e maior crescimento do PIB.

Essa relação entre independência do BC e a inflação ocorre porque perseguir uma meta de inflação significa muitas vezes adotar medidas anticíclicas e não populistas que podem parecer prejudiciais à população no curto prazo.

Ou seja, significa adotar medidas de tal forma a frear o consumo e desaquecer a economia, como elevar taxas de juros e frear a política fiscal, ao diminuir os gastos do governo. Dessa forma, pode, eventualmente, causar um aumento do desemprego, que seria mal recebido pela população.

Um governante se encontra, muitas vezes, no dilema de controlar a inflação, crescer menos no curto prazo e ter um índice de desemprego maior no momento; ou crescer mais no curto prazo e diminuir o desemprego à custa de uma inflação mais elevada. Optar pelo primeiro significaria que, no longo prazo, o país caminharia para um equilíbrio de baixa inflação e crescimento sustentável que aumentaria a produção nacional e reduziria o desemprego.

No entanto, a história mostra que geralmente os políticos escolhem a segunda opção, pois a população é mais tolerante com certa elevação da inflação do que do desemprego e porque o maior crescimento no médio e longo prazo decorrente de uma menor inflação muitas vezes beneficiará apenas o próximo governo. O resultado, como já demonstrado em diversos estudos realizados sobre o tema, é que países onde o governo consegue influenciar as decisões do seu BC têm de conviver com uma inflação maior no longo prazo.

Quando analisamos o BC brasileiro percebemos que ele não é totalmente independente. O seu presidente e diretores são indicados pelo presidente da República e podem ser demitidos e substituídos a qualquer momento por questões tanto políticas quanto técnicas. Além disso, quem define a meta de inflação é o Conselho Monetário Nacional (CMN), que é formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento, além do presidente do BC.

Essa falta de independência pode acabar resultando em interferências do governo nas ações da instituição. Um bom indício de que a falta de independência do BC do governo Dilma tem feito com que suas decisões tenham se tornado menos técnicas do que aquelas do BC do governo Lula é o fato de que pela primeira vez em cinco anos ultrapassou-se não somente o centro da meta, de 4,5%, como também o limite superior, de 6,5%. Além disso, alguns economistas já acreditam que o objetivo do governo não é mais perseguir o centro da meta, de 4,5%, mas apenas não ultrapassar o limite, de 6,5%, evidenciando a descrença nas suas ações.

No entanto, o caso brasileiro também não pode ser entendido como dependente total do governo já que, uma vez escolhido por ele, o BC tem liberdade para tomar suas decisões. É claro que se as decisões forem contra o interesse do governo há a possibilidade dele substituir o comando da autoridade monetária. Entretanto, quando isso ocorre por razões que não sejam técnicas, o mercado responde de forma negativa, o que abala a reputação e credibilidade do governo.

Em contraste com a situação brasileira, vale lembrar que os membros da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE) não podem ser destituídos. Nos EUA, o presidente do Federal Reserve (Fed) tem mandato intercalado com o do presidente dos Estados Unidos e também não pode ser demitido. Tanto no caso Europeu como no americano os próprios BCs que determinam suas metas de política monetária.

Essa liberdade que os bancos centrais dos EUA e da Europa possuem ajuda a reduzir o impacto da ação daqueles governantes que são míopes, ou seja, que se importam apenas em aumentar o crescimento do PIB durante o seu mandato e não levam em consideração os impactos negativos de suas políticas no futuro. Dessa forma, possuem autonomia para perseguir um nível de inflação baixo no longo prazo para os seus países.

Naturalmente, o melhor é que haja coordenação entre as políticas monetária e fiscal, ou seja, entre o BC e o governo. Porém, controlar ou influenciar as decisões do BC pode prejudicar a sua principal função: garantir a estabilidade dos preços e o poder de compra do real.

Por esse motivo, aqueles que advogam a independência do BC acreditam que a autonomia é importante para que a instituição persiga seus objetivos e não se sujeite, por exemplo, a aumentar a inflação e o crescimento num de eleições, ou por qualquer motivo de ordem não técnica. Desta maneira, o BC brasileiro seria capaz de buscar um nível ótimo de inflação que maximize o crescimento real de longo prazo do Brasil.



Samy Dana é PhD em finanças e professor da EESP-FGV, Leonardo Siqueira Lima e Daniel de Lima são graduandos em economia pela EESP-FGV.

Nenhum comentário:

Postar um comentário