segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Política de terceiro mundo dos EUA



Por Dani Rodrik - Valor 12/11

Com a eleição presidencial encerrada, os Estados Unidos podem enfim parar com a campanha política para recuperar o fôlego, pelo menos por enquanto. Há uma incômoda questão, contudo, que vai persistir: Como é possível que o país mais poderoso e a democracia contínua mais antiga do mundo mostre um quadro de discursos políticos que mais lembra ao de um "Estado falido" africano?

Sem dúvida, os piores transgressores são os republicanos americanos, cujos líderes, de alguma forma, se entusiasmaram com ideias que seriam inaceitáveis em outros países avançados. Da dúzia de pré-candidatos presidenciais do partido, apenas dois (Mitt Romney e Jon Huntsman) se recusaram a rejeitar as evidências científicas sobre o aquecimento global e sua indução pelo ser humano. Quando pressionado a respeito, no entanto, Romney ficou incômodo quanto a sua posição, a ponto de mostrar hesitação1.

Da mesma forma, a teoria darwiniana da evolução é, há muito tempo, um palavrão para os republicanos. Rick Perry, governador do Texas e um dos favoritos no início das primárias republicanas, a chamou2 de apenas uma "teoria por aí", enquanto o próprio Romney argumentou que ela é consistente com o criacionismo - a ideia de que uma força inteligente projetou o universo e o fez existir.

Da mesma forma, se há uma ideia arcaica na economia é a de que os EUA deveriam retornar ao padrão-ouro. Ainda assim, essa ideia também goza de forte apoio dentro do Partido Republicano - com Ron Paul, outro dos que concorreram à indicação presidencial pela legenda, à frente. Ninguém ficou surpreso quando a plataforma do partido sinalizou favoravelmente ao padrão-ouro em sua convenção em agosto.

A maioria dos não americanos acharia maluquice o fato de nem Romney nem Barack Obama terem defendido leis mais estritas de controle às armas (com Obama fazendo uma exceção apenas para armas mais potentes, como a AK-47), em um país onde às vezes é mais fácil comprar armas do que votar. A maioria dos europeus não consegue entender como, em um país civilizado, os dois candidatos podem ser favoráveis à pena de morte. E não vou nem entrar no debate sobre o aborto.

O candidato Romney ficou tão intimidado com a obsessão de seu partido com impostos baixos que ele nunca conseguiu apresentar um orçamento em que as contas batessem. Foram seus relações-públicas que precisaram explicar que isso se tratava de "besteiras necessárias, idealizadas para persuadir os fanáticos que votam nas primárias republicanas", como a "The Economist"3 publicou.

Obama, por sua vez, recorreu a nacionalistas econômicos atacando Romney como um "pioneiro da terceirização" no exterior e chamando-o de "terceirizador-chefe" - como se a terceirização fosse um grande mal e como se fosse possível interrompê-la ou ainda, como se próprio Obama tivesse feito grande coisa para desencorajá-la.

Os equívocos, inverdades e completas mentiras de ambos os lados chegaram de forma tão desenfreada que muitos meios de comunicação e grupos apartidários criaram listas que iam sendo atualizadas a cada nova distorção dos fatos. Uma das mais conhecidas, a Factcheck.org4, uma iniciativa do Centro de Políticas Públicas Annenberg, da University of Pennsylvania, confessou que teve um trabalho fora do comum nesta campanha.

Alguns dos exemplos mais chocantes5 foram as acusações feitas por Obama de que Romney pretendia elevar os impostos da classe média em US$ 2 mil e/ou cortar os impostos em US$ 5 trilhões e de que Romney apoiava uma lei tornando ilegal "todos os abortos, mesmo nos casos de estupro e incesto". Romney foi ainda mais longe acusando Obama de planejar elevar os impostos dos contribuintes de classe média em US$ 4 mil; de querer "exaurir a reforma da assistência social eliminando as exigências" para se receber o auxílio; e de que a Chrysler, resgatada pelo governo Obama, estava transferindo a produção de sua marca Jeep para a China. Nenhuma dessas acusações era verdade.

"Foi aquele tipo de campanha", escreveram analistas do FactCheck.org, "repleta, do início ao fim, de ataques e contra-ataques enganosos e acusações duvidosas".

Por outro lado, ao longo de três debates presidenciais e um vice-presidencial televisionados, as mudanças climáticas, a questão mais marcante de nossa época e o problema mais sério enfrentado por nosso planeta, não foram mencionadas uma vez sequer.

É possível extrair duas conclusões das eleições nos EUA. Uma é que os EUA vão acabar se desfazendo com a pobre qualidade de seu discurso democrático e que isso é apenas o começo de um declínio inevitável. Os sintomas estão lá, embora a doença ainda não tenha infectado todo o corpo.

A outra possibilidade é que o que foi dito e feito durante a eleição faz pouca diferença à saúde política. As campanhas são sempre tempos de populismo barato e de submissão aos fundamentalistas obcecados com questões específicas. O que, talvez, realmente importe é o que vai acontecer depois de o candidato assumir o poder: a qualidade dos controles dentro dos quais ele ou ela opera, os conselhos apresentados, as decisões tomadas e, no fim das contas, a políticas levadas adiante.

No entanto, se as eleições americanas não são nada além de um show, por que se gasta tanto dinheiro nelas e por que tantas pessoas se preocupam com elas? Será que porque de outra forma o resultado seria ainda pior?

Parafraseando Winston Churchill, a eleição é a pior forma de escolher um líder político, com exceção de todas as outras já tentadas - e isso vale mais para os EUA do que para qualquer outro país. (Tradução de Sabino Ahumada)


Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Universidade de Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy (O paradoxo da globalização: a democracia e o futuro da economia mundial). Copyright: Project Syndicate, 2012.

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