quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Os libertários e os lobistas



Por Simon Johnson  - Valor 26/01

Nos três anos desde a emergência da crise financeira mundial, surgiram duas visões dominantes sobre o que houve de errado. É crucial entendermos ambas, porque suas implicações para as autoridades monetárias - e, portanto, para a estabilidade e saúde futura da economia mundial - não poderiam ser mais importantes.

A primeira visão é a de que os governos simplesmente perderam o controle da situação, seja por incompetência ou porque os políticos defendiam apenas suas próprias agendas. É a visão observada com mais frequência na direita política - por exemplo, entre as pessoas que consideram a política imobiliária do governo como o maior problema prévio ao desmoronamento financeiro em 2008.

Nos Estados Unidos, entre os candidatos ainda concorrendo pelo Partido Republicano para poder desafiar Barack Obama na eleição presidencial de novembro, Ron Paul sobressai-se por argumentar sistematicamente que o governo é o problema, não a resposta, no que se refere ao setor bancário. Se o governo fosse afastado mais completamente do setor financeiro (inclusive com a abolição do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA), argumenta Paul, a economia funcionaria melhor.

A segunda visão é a de que o setor financeiro fez lobby arduamente pela desregulamentação nas últimas décadas, tendo gastado grandes somas de dinheiro e tempo para persuadir políticos de que isso constituía uma abordagem moderna e segura para a área bancária. De acordo com essa visão, as políticas governamentais não fracassaram; ao contrário, operaram exatamente como se pretendia - e para o que foram pagas.

Se essa visão estiver correta, o tipo de receita política recomendada por Ron Paul é menos atraente. A menos que você ache que o setor financeiro moderno realmente pode operar sem regulamentação de qualquer tipo (supostamente, nem mesmo as regras de seguros de depósitos bancários), o verdadeiro problema não são as preferências políticas das autoridades, mas o que elas podem ser persuadidas a fazer pelos lobistas do setor financeiro.

Novas evidências respaldando a segunda visão agora estão disponíveis na forma de um recente estudo de Deniz Igan e Prachi Mishra, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em "Three's Company: Wall Street, Capital Hill e K Street" (algo como, "Confusão a Três: Wall Street, Capitólio e K Street", em inglês), os autores avaliam os dados - montes de dados - sobre o lobby das empresas do setor financeiro nos EUA.

Os parlamentares, é claro, têm diferentes preferências sobre os tipos de lei que apoiam, o que pode dificultar o estudo dos mecanismos de influência política de forma mais precisa. Igan e Mishra, no entanto, abordaram o problema de uma forma perspicaz - eles observaram os casos em que autoridades eleitas mudaram de posição em votações legislativas propostas mais de uma vez. E empenharam-se profundamente para descobrir o que motivou a mudança.

Além de analisar informações sobre os gastos dos lobbies, os autores mapearam a rede de conexões dos lobistas (conhecidos coletivamente como "K Street", porque muitos têm seus escritórios em Washington nessa rua) e parlamentares. Por exemplo, muitas vezes, os lobistas haviam sido funcionários de parlamentares em suas equipes.

Os resultados são simplesmente desconcertantes - embora certamente não uma surpresa para os lobistas profissionais. Um grande aumento nos gastos em lobby ajuda a persuadir parlamentares a mudar seus votos. E "caso algum dos lobistas empenhado em projeto de lei também tenha trabalhado para um parlamentar no passado, isso inclina a posição sobre esse projeto de lei em favor da desregulamentação".

O que as firmas financeiras querem, naturalmente, é a desregulamentação - menos regras e menos supervisão de qualquer tipo. E é realmente uma questão de quem você conhece e de como você os conhece. Em particular, seu valor como lobista parece depender pesadamente de quem foi seu empregador no passado. Igan e Mishra concluíram que "gastar um dólar é quase duas vezes mais eficiente na mudança de posição de um parlamentar se o lobista tem conexões com o parlamentar, em comparação aos casos em que o lobista não tem conexões".

As pontes entre o Congresso e as firmas de lobby parecem ter sido fundamentais na forma como o setor financeiro tornou-se desregulamentado, o que na prática permitiu a assunção excessiva de risco no período prévio à crise. Em outro estudo, Igan e Mishra, trabalhando com Thierry Tressel, detectaram que as empresas que assumiram mais riscos antes de 2008 também eram as que se empenhavam mais em fazer lobby.

Basicamente, as firmas financeiras compraram o direito de assumir mais riscos. Quando a situação ia bem, os executivos dessas empresas desfrutavam a parte boa - principalmente, em termos de remuneração imediata, já que poucos executivos são remunerados com base em retornos ajustados pelo risco. Isso significa que quando os riscos se materializaram e as firmas tiveram prejuízos, os custos recaíram sobre os contribuintes.

Ron Paul está certo ao apontar desequilíbrios de poder e imensas distorções dentro do setor financeiro. Ele também está correto ao dizer que muitas políticas governamentais favorecem relativamente poucas grandes firmas - e as favorecem de uma forma que encoraja a assunção perigosa e excessiva de riscos.

Paul e outros, no entanto, estão errados ao argumentar que o governo é a causa definitiva de todos os males financeiros. Executivos das empresas financeiras querem assumir grandes riscos. Eles gostam da disposição sob a qual saem ganhando mesmo quando perdem.

As grandes firmas financeiras podem facilmente comprar a proteção política necessária (na forma de desregulamentação), o que lhes permite ficar ainda maiores e mais perigosas. Essa estrutura de incentivos tornou-se ainda mais extrema desde a crise financeira de 2008. (Tradução de Sabino Ahumada)



Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "13 Bankers" (13 banqueiros, em inglês), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2012. Podcast no link:



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