quinta-feira, 14 de junho de 2012

Um outro punhado de euros



Por Alexandre Schwartsman - Valor 14/06

O recente pacote de até €100 bilhões para o resgate dos bancos espanhóis seguiu o padrão dos anteriores: meses de negativas, relutância por parte dos tomadores e, finalmente, o anúncio em meio a certo embaraço por parte do governo resgatado. Dado o histórico pouco estimulante dos resgates passados me pergunto se a mesma sequência de eventos poderia ser tomada como uma profecia (nada lisonjeira) do resultado do pacote.

A resposta dos mercados, uma rápida euforia, dissolvida ao longo de um dia, aponta precisamente nessa direção. De fato, embora o resgate possa evitar um desastre de grandes proporções ele não resolve o problema espanhol (ou europeu) e, a depender da definição de alguns pontos importantes, pode reforçar o elo negativo entre problemas bancários e soberanos.

Vamos, porém, por partes. Em primeiro lugar deve ficar claro que o pacote não ataca o cerne do problema espanhol, que talvez seja o exemplo mais bem acabado da natureza da crise europeia. Já foi dito, mas vale a pena repetir, que, por mais que as dificuldades ibéricas se manifestem no lado fiscal, sua origem está longe daí.

Com efeito, a Espanha, antes da crise, registrou seguidos superávits fiscais, resultantes, é verdade, do forte desempenho da arrecadação por conta do seu expressivo crescimento à época. Todavia, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), mesmo ajustando o saldo fiscal espanhol ao ciclo econômico, seu déficit estrutural ficou em média próximo a 1% do Produto Interno Bruto (PIB), do início do euro até a eclosão da crise. Para fins de comparação, a Alemanha apresentou déficit estrutural médio pouco inferior a 2,5% do PIB no mesmo período. A dívida do governo espanhol em 2007 atingia modestos 36% do PIB (contra 65% do PIB na Alemanha).

Por outro lado, o déficit externo espanhol era da ordem de 10% do PIB às vésperas da crise contra 4% do PIB em 2000. O forte crescimento da demanda interna espanhola, em particular o investimento em construção, foi possibilitado pelo financiamento barato do centro europeu, levando a taxas de inflação sistematicamente mais altas e, portanto, apreciação da sua taxa real de câmbio vis-à-vis à alemã.

Isso não foi problema enquanto o capital fluía do centro para a periferia, mas, quando, por conta da crise, houve a reversão, a vulnerabilidade espanhola foi desnudada, em particular a impossibilidade de ajuste rápido da taxa real de câmbio por meio da depreciação da moeda. O que restou à Espanha foi o duro caminho da deflação, ou seja, desemprego e recessão, que, por sua vez, levou à deterioração fiscal.

Uma vez que o pacote não endereça, contudo, as dificuldades de ajuste da taxa de câmbio no contexto de uma moeda única, não há motivo para crer que seja a solução para a crise espanhola, nem para países que sofrem problemas semelhantes.

É verdade, porém, que o foco do programa é mais limitado, a saber, recapitalizar os bancos para evitar uma crise bancária. Ainda assim há pontos que precisam de esclarecimento urgente.

Como notado, o país passou por uma onda extraordinária de construção, financiada por seus bancos, que assim reciclaram os recursos obtidos do centro europeu. Todavia, na esteira da recessão e da queda dos preços de imóveis, a qualidade dos empréstimos se deteriorou consideravelmente. Segundo a mais recente avaliação do FMI, seriam necessários €40 bilhões para que os bancos ibéricos pudessem absorver as perdas de suas carteiras, em particular as imobiliárias, assim como trazer seus níveis de capitalização para os requeridos, emulando a bem-sucedida experiência americana de 2008-09 (Tarp).

Nesse sentido os recursos europeus são mais do que bem-vindos, mesmo porque, face às perdas esperadas nas carteiras de crédito, é pouco provável que o setor privado vá fazer este papel. Há, contudo, dois problemas relacionados que podem afetar em muito a efetividade do resgate.

Em primeiro lugar, em vez de serem diretamente injetados nos bancos, esses recursos serão emprestados ao governo espanhol que, por meio do seu fundo de capitalização bancária (FROB), se responsabilizará pelo processo. Dessa forma a dívida espanhola se elevará pelo exato montante requerido para a capitalização (cerca 10% do PIB no máximo), o que deve levar a dívida pública para algo em torno de 85% a 90% do PIB. O problema no caso é que isso piora as condições de solvência do governo e, portanto, afeta os bancos, detentores dos títulos públicos.

Esse efeito pode ser magnificado dependendo da senioridade desses recursos relativamente aos dos demais credores. Caso, como quer a Alemanha, a União Europeia tenha direito de receber antes dos demais em caso de calote, a perda esperada para os credores remanescentes será tão maior quanto mais recursos vierem da UE. Isso realimentaria os problemas bancários, agora pelo canal da dívida soberana, ao invés de mitigá-los, gerando o efeito inverso ao originalmente pretendido.

Não por acaso, portanto, a reação do mercado foi tão frustrante. Caso implique a venda da senioridade por um outro punhado de euros, o resgate será no máximo um rima, jamais uma solução.

Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é sócio-diretor da Schwartsman & Associados.

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