quarta-feira, 27 de junho de 2012

Como salvar o euro



Por Martin Wolf - Valor 27/06

A salvação não está nas cúpulas. Mais uma vez, a União Europeia está prestes a realizar um encontro de cúpula para enfrentar a crise na zona do euro. E, uma vez mais, é provável que fique aquém de uma solução convincente. Um ônus imenso repousa nos ombros dos líderes fatigados e desiludidos. A questão é se há esperança de sucesso.

O que é necessário, como já argumentei anteriormente, é uma solução que seja politicamente viável e economicamente factível. Politicamente viável significa capacidade não só de obter um acordo, entre os governos responsáveis, perante seus eleitorados nacionais, mas também obter pelo menos tolerância dos eleitores em relação a tal acordo, algo que muito preocupa Angela Merkel, a figura política mais importante na zona do euro. Factibilidade econômica significa oferecer aos eleitorados suficiente esperança no futuro para persuadi-los a eleger líderes dispostos a defender a permanência na zona euro. Contra o pano de fundo desses critérios, consideremos três soluções possíveis: uma Europa federativa, status quo; e reformas limitadas.

O princípio geral das propostas por uma união bancária e fiscal, por meio de eurotítulos, juntamente com maior disciplina fiscal, é solucionar as dificuldades da hoje frágil zona do euro. É óbvio que essas medidas seduzem os simpatizantes do ideal europeu e aqueles que querem que outros paguem as consequências de erros do passado. É igualmente óbvio que tais propostas irritem e amedrontem aqueles que pensam que terão, assim, de subsidiar a imprevidência de outros.
Se alguém quisesse vender tais propostas teria de argumentar que o todo resultaria mais forte do que a soma das partes. Seria necessário declarar que não se trata de obrigar a Alemanha ou a Holanda a socorrer seus parceiros irresponsáveis. Trata-se, ao contrário, de tornar todos mais fortes mediante sua união. Afinal, pode-se argumentar que a zona euro como um todo está em melhor forma fiscal do que os EUA. Juntos, todos poderiam beneficiar-se das baixas taxas de juros desfrutadas pelos EUA. Da mesma forma, se seguro for oferecido aos bancos coletivamente, e não por governos fracos e já não mais plenamente soberanos, o sistema bancário da zona do euro resultaria mais forte, porque as garantias dos países mais fracos ficariam mais robustas. Finalmente, pode-se argumentar, o pior da atual crise fiscal então se desvaneceria, dando aos membros em apuros liberdade para administrar suas crises imediatas.

Mesmo que se aceite a lógica estabelecida acima, já não vejo como isso possa funcionar, e por três razões. Primeiro, a política é praticada em nível nacional e, com os desdobramentos da crise, isso se acentua. Fingir que não é assim, poderá resultar num colapso ainda pior. Segundo, é difícil argumentar que os custos não recairiam mais sobre alguns do que sobre outros. Muita solidariedade se faz necessária, porém, está ausente. Finalmente, compromissos anunciados poderiam, por essas razões, não conseguir convencer as pessoas de que a união é irrevogável. Assim, é improvável um acordo em torno do contemplado salto rumo a "mais Europa" e, se aprovado, em última instância, provavelmente estaria fadado ao insucesso.

Agora, consideremos uma persistência do status quo, sem reforma adicional. Isso provavelmente implicaria uma série de crises: um socorro em curto prazo à Espanha; novos problemas com a Grécia; possivelmente, uma incapacidade de conseguir rolar a dívida pública italiana; e, a qualquer momento, aceleração da corrida aos bancos mais problemáticos. Dadas as necessidades de ajustes na zona do euro, essas crises poderiam durar anos.

Seria esse sofrimento ao menos sustentável? Nesse aspecto poderíamos ousar sermos otimistas. Abandonar o euro seria muito difícil: implicaria uma turbulência imensa em troca de vantagens econômicas e políticas incertas. Isso deverá produzir muita tolerância ao sofrimento.
Mas há duas ameaças a qualquer complacência assim. A primeira, já vista na Grécia, é a desintegração do sistema político e a ascensão de extremismos. A segunda é a possibilidade de um calote do setor público que traga consigo um colapso do sistema bancário. É improvável que importantes países europeus se mantivessem comprometidos com o euro em meio a tal crise, que iria lançá-los em depressões monstruosas. A solução teria de incluir a disposição dos parceiros para recapitalizar os bancos, permitindo assim que o Banco Central Europeu (BCE) mantivesse seu papel de emprestador de última instância. Isso seria, parece-me, o mínimo necessário para sustentar o curso atual. Mas, convém salientar, seria um caminho de sofrimento não apenas nos países afetados, mas mesmo em seus parceiros, ao persistirem em suas dificuldades.

Eu considero a opção plenamente federativa como excessiva e, no curso atual, como muito deficiente para satisfazer meus critérios. Isso deixa em aberto se é possível prever uma saída de meio termo. Isso parece do interesse de todos. Aqui, os elementos cruciais parecem ser: planos claros para uma solução para a situação dos bancos em grande parte à custa dos credores, em vez de depender de recapitalização pelos Estados sob estresse fiscal - uma abordagem que automaticamente implicaria maior compartilhamento do sofrimento entre credores e devedores; um forte engajamento em ajustamento econômico simétrico em nível de toda a zona euro, em vez dos atuais ajustes focados nos devedores; reconhecimento, pelo BCE, de sua obrigação de sustentar a demanda; e suficiente financiamento condicional para dar aos governos engajados nas reformas a capacidade de administrar suas economias sem mergulhar em estado calamitoso. Isso poderia ser descrito como "status quo plus". Seria muito distante de um caminho desejável. Mas talvez seja suficiente para ser politicamente aceitável e economicamente factível.

Como é que essas três opções se colocam contra o pano de fundo da posições dos Estados cruciais? A Alemanha mantém um compromisso retórico para com soluções federativas, mas, como Santo Agostinho, "ainda não". Essa postura pode ser vista como a imposição de um ritual de iniciação a seus parceiros. Quer isso venha ou não a funcionar, maior ajuda é necessária agora. A disposição para aceitar prejuízos para aqueles que emprestaram indevidamente a estrangeiros seria um começo; o risco moral começa em casa. Também seria produtivo mais ação em termos de políticas domésticas que, como as autoridades econômicas têm admitido, fazem sentido para a Alemanha, como salários mais altos, demanda mais aquecida e até mesmo maior inflação. Mas os países deficitários devem aceitar o fato de que um socorro federativo não é viável. Eles precisam buscar suas esperanças de salvação não em conferências de cúpula, mas em si próprios. (Tradução de Sergio Blum).



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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