terça-feira, 26 de junho de 2012

A eurolândia e o mundo



Por Delfim Netto - Valor 26/06

A eurolândia é, seguramente, a maior construção política do século XXI. Destina-se a trazer a paz perpétua a um continente com mais de mil anos de guerras fratricidas, que destruíram milhões de vidas e boa parte das riquezas construídas (trabalho humano congelado em investimentos) nos interregnos entre elas. Trata-se de um arranjo tão necessário e tão ambicioso, que ignorou os ensinamentos acumulados pela economia nos últimos três séculos.

O grande estadista Helmut Kohl foi o principal construtor da reunificação das duas Alemanhas, em 1990 (com a oposição dos melhores economistas da Alemanha Ocidental). Hoje, 30 anos depois e € 2 trilhões de transferências, ainda não se completou, sugerindo que, apesar de os economistas terem razão, os políticos têm muito mais.

Em 1992, ele se comprometeu com a criação do euro e enfrentou, de novo, a oposição dos economistas alemães. Cento e cinquenta deles publicaram um manifesto criticando a precipitação de introduzir uma moeda sem um mínimo de centralização fiscal para pôr ordem nas finanças dos participantes da futura federação. Kohl respondeu, de novo, que aquilo não era coisa para economista dar palpite. Jogou fora o "manifesto" e sugeriu que, se houvesse problemas, eles seriam resolvidos "trocando os pneus com o carro andando"...

Hoje, por culpa de sua arrogância cientificista, a profissão está em baixa e desacreditada, mas é bom lembrar que, às vezes, até os economistas têm razão. O que lhes falta é entender que a política, por sua própria conta e risco, sempre pretere a economia. Depois que a patifaria promovida pelo sistema financeiro internacional, ajudado pela desregulação chegou à eurolândia, ficou claro que a construção do euro tinha mesmo as dificuldades apontadas pelos economistas na sua concepção original.

Após quase cinco anos de sustos, discussão e dificuldades, começa a emergir o fato de que a única solução possível para a sobrevivência do euro é dar-lhe um país. Ele é a única moeda do mundo à qual falta essa característica fundamental.

A direção do avanço é caminhar e aprofundar as condições para a criação de uma verdadeira federação, o que significa uma união política (praticamente inexistente, apesar do Parlamento Europeu), fiscal (muito tênue, mesmo com as novas condições impostas recentemente: déficits estruturais da ordem de 0,5% do PIB) e bancária (dar ao Banco Central Europeu a regulação efetiva de todo o sistema bancário e ser o emprestador de última instância).

No fundo, a eurolândia precisa percorrer o caminho das federações bem-sucedidas, como os EUA no século XVIII e o Brasil no século XXI: dar à União o poder fiscal de controlar as unidades federadas, comprar as suas dívidas com um papel federal de maior credibilidade (e logo, taxa de juros menor) e dar-lhes mais tempo para resgatá-las.

Tem havido um grande avanço na direção desse diagnóstico, mas as decisões têm de ser aprovadas pelos Parlamentos de todos os países. Isso exige enorme paciência que os famosos "mercados" não têm, porque vivem da volatilidade criada exatamente pela discussão aberta e transparente exigida pelo sistema democrático. O percurso será longo e permeado de "soluços", que criarão instantes passageiros de "distensão" e aumento de "preocupação".

Talvez seja mais fácil entender o processo examinando o gráfico, onde se mostra a união política, a união fiscal e a união bancária (isto é, um verdadeiro Banco Central). Há pouca diferença entre os atores sobre a necessidade de construí-la. O maior problema parece estar na ordem de preferência de cada ator na sua construção.

O gráfico é a minha leitura, seguramente não a única, nem mesmo a "verdadeira" (se é que isso existe). O presidente da França, François Hollande, sugere que se deveria começar pela união fiscal (o que é compreensível pelas "promessas" que fez na sua campanha eleitoral) e, em seguida caminhar para a união bancária (o que se explica pela situação do sistema bancário francês).

O BundesBank (um ator não político, mas constitucionalmente forte na Alemanha) prefere iniciar o processo pela união bancária e prossegui-lo pela união fiscal (o que está de acordo com sua ideologia). E a chanceler Angela Merkel parece insistir na união fiscal e prossegui-la pela união política (o que indica o seu pragmatismo).

Um avanço importante nesse diagnóstico é que é preciso separar o crescimento de longo prazo da disciplina fiscal necessária no curto prazo. Essa exige uma maior cooperação fiscal e uma reestruturação da dívida. Fica cada vez mais claro que não adianta "combater os mercados". As exageradas reduções dos déficits fiscais nominais exigidas para 2012 e 2013 não são críveis. Como estamos vendo, produzir o equilíbrio fiscal com pressa cega e a qualquer custo é, de fato, uma receita para o desastre. Para restabelecer a credibilidade dos programas e obter a cooperação dos "mercados" só existe uma forma: andar adiante da curva.

Seria bom se os políticos ouvissem agora os conselhos dos desmoralizados economistas...



Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

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