segunda-feira, 21 de maio de 2012

O momento G-Zero dos EUA



Por Ian Bremmer - Valor 21/05

Acrise financeira de 2008 marcou o fim da ordem mundial como a conhecíamos. É impossível ignorar o fato de que, pela primeira vez em 70 anos, os Estados Unidos não conseguem guiar a agenda internacional nem exercer liderança global em todos os problemas mais prementes da atualidade.

De fato, os EUA restringiram sua presença no exterior, recusando-se a contribuir no resgate financeiro da região do euro, a intervir na Síria ou a usar a força para conter a investida nuclear do Irã (apesar do pesado apoio israelense). O presidente Barack Obama encerrou oficialmente a Guerra do Iraque e vem retirando tropas americanas do Afeganistão em ritmo limitado apenas pela necessidade de manter o prestígio. Os EUA estão passando o bastão da liderança - mesmo sem haver nenhum outro país ou grupo de países disposto ou capacitado a agarrá-lo.

Em resumo, a política externa dos EUA pode até estar tão ativa como sempre, mas vem sendo enxugada e se tornando mais precisa em suas prioridades. Como resultado, muitos desafios mundiais - mudanças climáticas, comércio exterior, escassez de recursos, segurança internacional, guerra cibernética e proliferação nuclear, para citar alguns - devem ficar ainda maiores.

Bem-vindo ao mundo G-Zero, um ambiente mais incerto e turbulento, no qual a coordenação das questões políticas mundiais vai se perdendo ao longo do caminho. Paradoxalmente, esse novo cenário, embora intimidador, é menos problemático para os EUA; na verdade, traz novas oportunidades para o país aproveitar sua posição singular. O mundo G-Zero não é inteiramente ruim para os EUA - caso o país saiba jogar as cartas certas.

Muitas forças residuais ganham maior importância em um mundo assim; e os EUA continuam como única verdadeira superpotência do mundo, além de sua maior economia - ainda mais de duas vezes maior que a da China. Seus gastos militares representam quase a metade do total mundial e superam os dos 17 países seguintes combinados. O dólar permanece como a moeda de reserva mundial e os investidores correm em busca de títulos do governo americano a cada repique da crise desde 2008 tendo ressaltado o status de refúgio dos EUA (mesmo nas crises provocadas pelos próprios EUA).

Da mesma forma, os EUA continuam líderes no empreendedorismo, pesquisa e desenvolvimento, educação superior e inovação tecnológica. Além disso, atualmente são o maior produtor mundial de gás natural e exportador de calorias, o que reduz sua vulnerabilidade a choques de preço e escassez alimentar.

Não há país que rivalize com os EUA na promoção do Estado de direito, democracia liberal, transparência e livre iniciativa. Embora outros países certamente apoiem esses valores, apenas os EUA tiveram disposição, força e o tamanho suficiente para assegurar que prevalecessem. À medida que os EUA forem restringindo sua liderança mundial, portanto, ela será mais procurada.
Considere-se a Ásia, por exemplo. À medida que a importância econômica e influência regional da China crescem, seus vizinhos buscam aprofundar seus laços com os EUA. Japão, Austrália, Indonésia e Taiwan assinaram recentemente acordos comerciais e de segurança com os EUA. Até Mianmar entrou na onda, retomando relações diplomáticas com os EUA, enquanto tenta sair da sombra da China.

Em outras palavras, em um mundo G-Zero, um ambiente mundial cada vez mais agressivo torna os EUA ainda mais atraentes para países que buscam proteger suas apostas. Como resultado, os EUA têm a oportunidade para agir de modo mais preciso na defesa de seus próprios interesses. Exercer menos liderança permite ao país ponderar os custos de oportunidade antes de agir, assim como selecionar os assuntos e circunstâncias que mais lhe convém. Nesse cenário, a intervenção na Líbia não exige fazer o mesmo na Síria.

Ainda está por ver-se até que ponto os EUA vão aproveitar essas oportunidades. Na realidade, as vantagens de curto prazo dos EUA representam o maior obstáculo a suas perspectivas de longo prazo. Chame-se isso de a "maldição do porto seguro": enquanto os EUA permanecerem como o porto mais seguro diante de qualquer tempestade, não sofrerão nenhuma pressão imediata para enfrentar suas fragilidades.

Por exemplo, apesar de todas as lamúrias sobre o endividamento nacional dos EUA, os investidores vão continuar a emprestar dinheiro aos EUA. No longo prazo, contudo, as autoridades políticas dos EUA terão de obter progressos sólidos na recuperação da confiança da saúde fiscal do país, reduzindo programas políticos sagrados, como os de previdência social, de assistência médica Medicare e o militar. As autoridades terão de deixar de lado motivações de curto prazo e ortodoxias partidárias para reforçar a infraestrutura envelhecida do país, reformar seus sistemas de imigração e educação e buscar a consolidação fiscal no longo prazo.

As vantagens dos EUA no mundo G-Zero conferem ao país a chance de investir no futuro, mas também de servir de proteção contra riscos suficientemente calamitosos, as mesmas vantagens permitem aos EUA procrastinar. Os políticos americanos precisam admitir essa nova realidade G-Zero e reconstruir as fontes internas de força dos EUA, mesmo que seja apenas de forma gradual. Se o fizerem, os EUA terão o vigor e a flexibilidade para modelar a próxima ordem mundial.

O sistema político dos EUA normalmente funciona bem em crises, mas graças a suas vantagens residuais em um mundo sem liderança, os EUA não precisam esperar por uma crise para agir. Precisam apenas aproveitar o momento G-Zero. (Tradução de Sabino Ahumada)



Ian Bremmer é presidente do Eurasia Group e autor de "Every Nation for Itself: Winners and Losers in a G-Zero World" (em tradução livre, cada nação por si: vencedores e perdedores no mundo do G-Zero, em inglês) Copyright: Project Syndicate, 2012.



www.project-syndicate.org





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