terça-feira, 22 de maio de 2012

A classe média brasileira é mundial



Por Marcelo Côrtes Neri - Valor 22/05

A mediana da renda mundial pode ser pensada como uma variante econômica da linha do Equador. Ela é a linha que por definição divide a população mundial em duas partes iguais com rendas diferentes, enquanto a do Equador divide o mundo em duas áreas geográficas de tamanhos iguais. O gráfico compara a renda mundial com a distribuição de renda dentro de um grupo de países selecionados. Ele foi gerado a partir dos dados do trabalho seminal de Branko Milovic do Banco Mundial.

Os mais pobres dos pobres americanos têm 60% da população mundial mais pobre que eles. Ou seja, nenhum percentil da distribuição americana sequer toca a mediana mundial. No extremo oposto, 95% dos indianos se situam abaixo da mediana mundial.

As linhas permitem comparar pessoas na mesma posição relativa em seus respectivos países. Enxergamos com clareza que os EUA são mais ricos que a Rússia que é mais rica que a China que por sua vez supera a Índia.

Mas onde está o Brasil? Os brasileiros estão em todas as partes. Nossos mais pobres dos pobres são tão pobres quanto os intocáveis indianos, e os nossos mais ricos não ficam muito atrás dos americanos abastados.

A distribuição de renda brasileira é próxima de uma linha diagonal imaginária com inclinação (tangente) unitária, ou seja caminha quase de mãos dadas com a distribuição mundial de renda. O Brasil é maquete do mundo. Já havíamos mostrado aqui que a desigualdade brasileira medida pelo índice de Gini, embora seja a 12ª mais alta do mundo, está muito próxima do Gini entre países ponderados pela população.
A renda per capita média brasileira também é similar à mundial, ambas ajustadas por diferenças de custo de vida. Isso apesar de quase 80% da população mundial viver em países mais pobres do que o Brasil. O Brasil não é um país pobre mas tem muitos pobres em função da alta desigualdade. A linha oficial de pobreza extrema é de US$ 1,25 dia, com 8,5% da população abaixo dela. Já a renda média americana, mesmo após a crise de 2008, era de US$ 100 por dia por americano. Qualquer povo fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) será considerado pobre usando a métrica do imaginário da classe média "Made in USA": dois carros, dois cachorros e dois filhos.

Por que importar para o Brasil definições prontas de classe média de países ricos do hemisfério norte? Devemos usar a nossa própria realidade para medi-la. Há várias alternativas com a vantagem de, ao mergulharmos no Brasil, encontrarmos o mundo. Nosso mais recente estudo revela que o acesso médio à internet em casa do brasileiro é idêntico ao observado na aldeia global (www.fgv.br/cps/telefonica).

Uma possibilidade seria dividir em três partes arbitrárias. Na nossa metáfora geográfica, a classe média poderia estar circunscrita entre dois trópicos. O método usado pela FGV divide a sociedade em três grupos, escolhendo linhas de corte de forma que os três grupos fossem os mais homogêneos dentro de si e os mais diferentes dos demais grupos, como na medida de polarização EGR. Depois mantemos constante o valor das linhas para obter as variações absolutas das classes (vide www.fgv.br/cps/ ncm2014). Por exemplo, os 40 milhões que entraram na classe média entre 2003 e 2011.
Nossa estratégia consegue explicar 33% mais da desigualdade brasileira do que a que usa três partes com populações iniciais iguais. O resultado foi que a nossa classe média brasileira vivia aproximadamente entre mediana e a linha que divide os 10% com mais renda, tudo dentro do hemisfério rico global.



Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas e professor da EPGE/FGV. Autor de a Nova Classe Média (Editora Saraiva), Microcrédito: o Mistério Nordestino e o Grameen Brasileiro (FGV) e Cobertura Previdenciária: Diagnósticos e Propostas (MPS).









Nenhum comentário:

Postar um comentário