quarta-feira, 23 de maio de 2012

A frágil Europa precisa mudar já



Por Martin Wolf - Valor 23/05

Simpatizo com os alemães. Não por concordar com sua visão predominante de como a crise aconteceu e o que se deve fazer a respeito. Simpatizo porque os que fazem parte da elite alemã foram os que compreenderam o que implicava criar o euro. Perceberam que uma união monetária não poderia funcionar sem união política. A elite francesa, no entanto, queria em vez disso acabar com a humilhante dependência que sentia em relação à política monetária do Bundesbank, o banco central alemão. Agora, 20 anos depois, os parceiros da Alemanha, incluindo a França, aprenderam uma dolorosa lição. Longe de estarem liberados do controle alemão, ficaram sujeitos a ele muito mais firmemente. Em grandes crises, os credores mandam.

Vejamos como a Europa estaria muito melhor se o mecanismo cambial, em vez disso, tivesse continuado com faixas amplas. As taxas de juros nos países atingidos provavelmente estariam mais altas, enquanto os déficits em conta corrente e as bolhas no preço dos ativos, menores. Quando houve a reviravolta nos fluxos financeiros, as crises cambiais de fato teriam acontecido. O dracma grego, a libra irlandesa, o escudo português, a peseta espanhola, a lira italiana e, talvez, o franco francês teriam se desvalorizado em relação ao marco alemão. O nível dos preços nesses países teria apresentado um salto temporário. A culpa por qualquer consequência, no entanto, teria recaído de forma predominante em casa. Eu receava que, em uma crise, o euro enfraqueceria a sensação de confiança mútua, em vez de reforçá-la. Isso já ficou demonstrado, mesmo com a região do euro mal tendo começado o ajuste.
Por que, então, os que mandam em tempos de crise são os credores? A resposta é simples: eles podem captar a um custo barato. Como aqueles que concedem crédito se afastaram dos países com capacidade creditícia enfraquecida, a taxa de juros dos "bunds", títulos do governo alemão, caiu para 1,3%, abaixo dos 5,8% observados na Itália e 6,2% na Espanha. Com o Produto Interno Bruto (PIB) nominal estagnado, os países com altas taxas de juros correm o risco de cair na armadilha do endividamento. Precisam de ajuda para controlar os custos de captação dos empréstimos que apenas os credores podem lhes fornecer.

Como Harold James, da Princeton University, Ronald McKinnon, de Stanford, e muitos outros ressaltaram, Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos, deparou-se com um desafio não muito diferente diante as dívidas tomadas pelos Estados durante a guerra de independência do país. Hamilton usou os poderes da (segunda e mais centralizadora) constituição para assumir essas dívidas, lançando novas dívidas federais em seu lugar. No longo prazo, surgiram o sistema federal dos EUA, com limites ao endividamento estadual; um banco central (pela terceira vez); e um orçamento federal para estabilizar a economia.

Uma vez que o desmantelamento da região do euro seria muito custoso, como argumentei na semana passada, será que uma união como essa poderia lidar com as atuais dificuldades? A resposta é sim, na teoria. A região do euro já tem um banco central. O querido pacto fiscal da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, poderia ser o equivalente à regra de equilíbrio nos orçamentos dos Estados dos EUA. Então, o que falta para um final do tipo "felizes para sempre"? A resposta parece ser um acordo fiscal sólido, para amortecer o impacto das crises, ajudar os países-membros a administrar suas dívidas e cortar a interdependência entre os bancos e títulos de governos fragilizados.

Está fora de questão, contudo, a assunção das dívidas por um Tesouro central ou a substituição dos mecanismos fiscais nacionais por federais. O orçamento da União Europeia (UE) é de 1% do PIB. Não há disposição para torná-lo maior.
Em vez dessa ação central, seria preciso haver uma maior solidariedade entre os países-membros. Acho difícil acreditar, entretanto, que tais medidas sobreviveriam. O Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM, na sigla em inglês), elaborado nesta crise para ajudar os países em dificuldades, é pequeno demais, de apenas 5% do PIB da região do euro. A resposta teria de ser algum tipo de bônus da região do euro, com respaldo individual e conjunto. Encontraria apoio bastante limitado. Os membros com boa capacidade creditícia tendem a antipatizar com o apoio a "irresponsáveis". Os eleitores não gostam de compartilhar com os não eleitores. Um ponto crucial é que a solução de Hamilton foi precedida pela constituição federal dos EUA, embora o grande endividamento tenha sido um motivo para sua ratificação.
Se acabar com o euro está fora de questão, não há financiamento genuinamente federal disponível e a solidariedade mútua vai continuar limitada, então, o que resta? A resposta é um ajuste mais rápido, para devolver a saúde às economias. A região do euro não pode tornar as economias enfraquecidas de hoje em regiões com depressões, permanentemente sustentadas por transferências, uma política que assolou o sul da Itália.

Como, então, se obtém um ajuste mais rápido? A resposta é por meio de uma economia mais aquecida na região do euro e de salários e inflação maiores nas economias centrais do que nas da periferia debilitada. Além disso, a estratégia de crescimento necessária não é, definitivamente, apenas uma questão de políticas voltadas à oferta. De acordo com previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB nominal da região do euro terá se expandido meros 20% entre 2008 e 2017, ano em que será 16% menor do que se tivesse continuado a crescer no ritmo de 4% observado entre 1999 e 2008 (consistente com crescimento real de 2% e inflação de 2%). Para as economias em dificuldades, um crescimento tão magro é um desastre: significa que a região do euro como um todo tende a reforçar, e não anular, suas contrações de crédito e rigor fiscal. Elas podem atribuir a culpa à adoção generalizada de rigor fiscal e às políticas do Banco Central Europeu (BCE), que deixou a base monetária estagnar.

O que isso tem a ver com o risco de saída da Grécia e, caso isso aconteça, com a necessidade de administrar as consequências? Tudo e nada. Nada, porque ainda será necessário administrar o pânico, quase certamente por meio de apoio ilimitado do BCE, como o ministro das Finanças da Polônia, Jacek Rostowski, argumentou no "Financial Times". Tudo, porque em um cenário de grandes diferenças de competitividade, baixa solidariedade fiscal e bancos enfraquecidos, é vital haver uma perspectiva plausível de ajuste voltado ao crescimento.

Se os países enfrentarem um ano apático de deflação e depressão após o outro, o euro corre o risco de tornar-se um símbolo odiado de empobrecimento. Os EUA, enquanto união federal forte, conseguiriam enfrentar tal situação de decepções prolongadas. A região do euro, muito mais enfraquecida, não. (Tradução de Sabino Ahumada)



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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