quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Política energética dos EUA


Por William H. Janeway - Valor 06/12

Há mais de 30 anos, o primeiro choque do petróleo parecia trazer a oportunidade para que os Estados Unidos mobilizassem recursos sob a bandeira da independência energética. O então presidente Carter propôs a criação do Departamento de Energia no fim de 1976. A ideia era obter a independência energética por meio de investimentos maciços que possibilitassem reduzir o consumo e aumentar a produção doméstica de fontes alternativas.

A missão, que constituía "o equivalente econômico a uma guerra", fracassou assim que os preços do petróleo recuaram no fim da década. Ambos os programas e sua lógica básica foram deixados de lado, em grande medida pelo governo Reagan.

Nos dias de hoje, a missão legitimadora é reagir às mudanças climáticas, reduzindo a produção de carbono. A tentativa do presidente Obama de catalisar amplos investimentos em ciência e engenharia, no entanto, vem sendo adiada e marginalizada.

A invocação por Obama do "momento Sputnik" certamente teve boas intenções, mas se defronta com muito mais do que o critério imposto de eficiência econômica, no contexto da austeridade fiscal. Desta vez, a rejeição ideológica é mais profunda.

É preciso perguntar-se: Esses que bloqueiam iniciativas necessárias do governo o fazem por duvidarem da ciência? Ou negam a ciência porque a aceitação legitimaria a ação do Estado?

Apesar de tais construções e distorções ideológicas, a configuração da nova economia já pode ser definida em traços gerais. Assim como a economia digital, que a precede e que ainda estamos aprendendo a explorar e aproveitar ao máximo, essa economia de baixa emissão de gás carbônico apenas pode ser desenvolvida tendo como base investimentos públicos substanciais e com regras de atuação acertadas entre os setores públicos e privados.

É impreciso acreditar que os frutos das tecnologias digitais que estão sendo colhidos agora foram todos criados pelo setor privado. Chegar a esse ponto exigiu uma grande dose de investimentos públicos por um longo período de tempo.

Por que deveríamos esperar que a situação venha a ser diferente quando finalmente resolvermos os desafios para alcançar uma nova economia de baixa emissão de gás carbônico?

Para alcançar essa fronteira das inovações necessárias no campo energético, ainda há muita ciência por fazer. Uma série de tecnologias - baterias e células solares e células de combustível, entre elas - exige investimentos extensos para melhorar tanto o desempenho absoluto como a relação entre desempenho e custo.

Também está claro que não se pode esperar nenhum investimento significativo do setor privado nessa nova infraestrutura - e muito menos os financiamentos especulativos necessários para financiar a aplicação das novas tecnologias energéticas em grande escala -, enquanto o retorno sobre esses investimentos estiver exposto à volatilidade dos mercados de fontes de energia convencionais.

Apenas a ação pública coletiva - perspectiva longe de estar visível nos EUA hoje - pode proteger as novas tecnologias energéticas alternativas e acelerar o desenvolvimento da eficiência térmica, necessário para concorrer com as fontes convencionais.

Enquanto o impasse político paralisar Washington, há poucos motivos para acreditar que a próxima nova economia terá os EUA como origem. Ao contrário, o espetáculo dos EUA levando a China à Organização Mundial do Comércio (OMC) por supostamente subsidiar a inovação em tecnologias mais limpas é tanto revelador quanto humilhante.

Para perceber as implicações antitecnologia, anti-inovação e antiprogresso dessa estratégia diplomática dos Estados Unidos, imaginem, primeiro, que houvesse uma instituição com estatutos similares à OMC há 50 anos. Os governos europeus estariam em posição para bloquear progressos tecnológicos da mesma forma que os EUA vêm fazendo agora.

Imaginem: os europeus teriam direito a atacar o comprometimento dos EUA em apoiar tecnologias que tornaram a revolução digital possível - e é concebível pensar que eles poderiam tê-la restringido materialmente. Este país teria ficado mais pobre por isso, assim como todo o mundo. Esse exemplo deveria ser claro o suficiente para impedir-nos de continuar seguindo esse rumo desastroso de obstrução à inovação.

Nossa preocupação, hoje, deveria ser nosso fracasso em agir, não as iniciativas chinesas. Em 2010, o investimento da China em tecnologias de energias mais limpas foi estimado em US$ 54,4 bilhões, mais de 50% acima dos Estados Unidos. O comprometimento financeiro de nossa nação com o que deveria ser uma iniciativa prioritária é apenas simbolicamente significativo.

O financiamento para o primeiro ano da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada - Energia (Arpa-E, na sigla em inglês) foi de US$ 400 milhões, incluídos na lei de Reinvestimento e Recuperação dos EUA, de 2009. Essa quantia foi reduzida a US$ 180 milhões no orçamento para o ano fiscal de 2011.

Enquanto as restrições ao orçamento federal com ciência parecem ser algo inevitável, os líderes chineses vão elevar os gastos federais em pesquisa para mais de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), aproximadamente o mesmo nível dos EUA no pós-guerra.

O próximo país a encabeçar a economia da inovação pode tirar lições do exemplo dos EUA pós-Segunda Guerra Mundial - e a China vem fazendo exatamente isso.

A liderança chinesa compreende plenamente que o líder precisa começar com os bastiões da autonomia: dinheiro e controle. Apenas um país posicionado, como a China está agora, com US$ 3 trilhões em reservas internacionais poderá resistir às demandas persistentes de alocar fundos públicos apenas em projetos que sejam comprovadamente "úteis e produtivos". Em outras palavras, que cumpram só os testes de eficiência "estática" e não "dinâmica".

Historicamente, desde a construção do Canal de Erie até a internet, por meio de redes ferroviárias ou elétricas e superestradas, a economia dos EUA chegou à liderança graças ao apoio público a investimentos de risco privados, nas fronteiras da inovação tecnológica.

É essa a história que estamos ignorando, diante do desafio existencial desta geração: mobilizar recursos na escala necessária para criar uma economia de baixa emissão de gás carbônico para nosso benefício, e de todo a humanidade, no longo prazo. (Tradução de Sabino Ahumada)



William H. Janeway é diretor-gerente e assessor sênior da Warburg Pincus e autor de "Doing Capitalism in the Innovation Economy" (Fazendo capitalismo na economia da inovação, em inglês).

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