quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Fed surpreende com nova linguagem



Valor 13/12
A decisão do Fomc, o Comitê de política monetária do banco central dos Estados Unidos, foi uma surpresa. Não pela manutenção dos juros ou pelo anúncio de compras de treasuries de longo prazo em substituição ao volume negociado na operação "Twist", mas pela mudança na política de comunicação do Fed. É algo inédito.

Em substituição à meta temporal até então vigente (meados de 2015), o banco central americano anunciou, ontem, que manterá a taxa de juros em níveis "excepcionalmente" baixos enquanto a taxa de desemprego permanecer acima de 6,5% e se a inflação projetada para os próximos um ou dois anos não exceder 2,5%. Além disso, as expectativas de longo prazo devem se manter ancoradas.

A maior parte das instituições estrangeiras consultadas pelo Valor antes da reunião esperava que essa mudança ocorresse apenas no encontro de março, dado que a ata da reunião de outubro indicou que muitos problemas práticos relacionados a essa medida ainda tinham de ser debatidos pelos membros do Fed.

Então, por que agora?

O presidente do Fed, Ben Bernanke, respondeu a essa pergunta na conferência de imprensa dizendo que a mudança na linguagem já era um consenso entre os membros do comitê que julgam mais informativo e transparente atrelar as taxas de juros ao cenário econômico do que ao calendário. O dissenso, portanto, era quanto aos patamares das variáveis desemprego e inflação, o que foi, pelo visto, resolvido muito mais rapidamente do que a totalidade dos analistas previa.

Segundo Bernanke, atingir uma das "metas" não é sinônimo de mudança na política monetária, o que, nesses tempos, significa elevar os juros iniciando a estratégia de saída. Mas as metas devem ser interpretadas como "orientações" e não como "gatilhos", ou seja, atingi-las não significa uma mudança automática nos juros.

Boa parte do mercado tinha, até então, essa crença. Essa pontuação muda muito a percepção de como do Fed vai agir. Bernanke esclareceu que, quando uma das metas for atingida, o Fomc avaliará um conjunto de indicadores para tomar uma decisão.

De fato, no comunicado o Fed deixa margens de manobra ao afirmar que olha além da taxa de desemprego e da inflação. No caso do mercado de trabalho, serão observados também a variação do "payroll" (postos de trabalho), a taxa de participação (razão entre a população economicamente ativa e a população total) e as horas trabalhadas, segundo Bernanke.

Isso, claro, é necessário porque não fica claro como o Fed agiria em uma situação em que houvesse uma alta forte da inflação - por um choque de commodities, por exemplo -, sendo o ambiente de elevada taxa de desemprego. Do modo como foi pensada a estratégia, criam-se espaços para uma justificativa plausível e livra-se o banco central de amarras.

O atingimento dos parâmetros também não se relaciona com o fim dos afrouxamentos quantitativos. Bernanke foi claro ao afirmar que o QE e a mudança de linguagem têm objetivos diferentes. O primeiro visa estimular a economia momentaneamente e o segundo, elevar a transparência do Fed.

O patamar de 6,5% para a taxa de desemprego não significa que esse nível seja o almejado pelo Fed, não é a taxa natural ou o pleno emprego. O Fed tem como objetivo de longo prazo um intervalo de 5,2% a 6,0% para o desemprego, com a inflação em 2%, que é meta. Em relação às projeções de curto prazo, o banco central reduziu a expectativa central (média do intervalo) para o desemprego em 2013 de 7,75% para 7,55%. A inflação também caiu de 1,80% para 1,65%.

Se havia o tal consenso de opiniões, foram poucos os membros do Fed que citaram explicitamente os parâmetros "ideais". Um deles foi o presidente do Fed de Chicago Charles Evans, que defendeu em novembro que o Fed deveria manter a política monetária extremamente acomodatícia até que a taxa de desemprego caísse abaixo de 6,5%, contanto que a inflação não ultrapassasse 2,5%.

O curioso é que ele, após a reunião do Fomc de setembro, havia feito o primeiro discurso nessa linha defendendo patamares maiores das variáveis, 7% para o desemprego e 3% para a inflação. Causou certo espanto números tão elevados e, no caso da inflação, muito acima da meta do Fed. Sua mudança de opinião quanto ao nível parece ter sido influenciada pela decisão que o Fomc viria a tomar ontem.

No que diz respeito ao tamanho da injeção de liquidez, pode-se arguir que o montante cresceu, já que na operação "Twist" as compras eram esterilizadas. Não é o caso das compras dos treasuries, que aumentam o balanço do Fed. O volume mensal será de US$ 85 bilhões, sendo US$ 40 bilhões em títulos lastreados em hipotecas (MBS, na sigla em inglês) e US$ 45 bilhões em títulos de longo prazo. As aquisições permanecem no formato "open-ended", isto é, sua continuidade está atrelada à performance da economia.

Apesar de ter havido, de fato, uma substituição da orientação da política (forward guidance), Bernanke ressaltou que o horizonte de 2015 "não morreu", pois é condizente com o prazo para que os patamares das variáveis sejam alcançados, como mostraram as novas projeções. Portanto, deve ser por aí que a economia estará aquecida o suficiente para o Fed começar a subir os juros. A política não convencional, que vem sendo feita à mancheia nos últimos quatro anos, pode acabar antes.

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