segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Contração fiscal expansionista?


Por Luiz Fernando de Paula e Manoel Carlos C. Pires - Valor 10/12

O interesse dos economistas sobre o impacto da política fiscal no crescimento econômico foi renovado após a crise financeira internacional. Inicialmente, a discussão sobre a eficácia dos estímulos fiscais resultou em um debate que acabou por levar a uma polarização de posições a favor ou contra tais políticas. Em um segundo momento alguns países iniciaram um processo de consolidação fiscal, resultando em outra controvérsia: alguns defendiam a ideia de que a retirada de estímulos era prematura e que a economia desaceleraria; outros defendiam que a retirada era necessária para não ensejar uma trajetória de insustentabilidade da dívida pública.

A breve recuperação econômica mundial iniciada em 2010 deu vida curta ao primeiro debate, na medida em que a maioria dos países desenvolvidos iniciou um processo de consolidação fiscal. De acordo com as novas evidências, não por coincidência, a atividade econômica voltou a desacelerar, trazendo à tona a inconveniência desse processo.

A ideia de que as contrações fiscais podem ser expansionistas obteve respaldo empírico a partir de uma série de estudos que justificavam esses efeitos a partir da ideia de que uma contração fiscal seria capaz de aumentar a confiança do setor privado e estimular novas decisões de consumo e investimento por meio de um efeito "crowding in" sobre o gasto privado.

Essa linha de pesquisa foi liderada pelo economista Alberto Alesina com outros colaboradores, que identificaram em vários países os momentos de grande consolidação fiscal e correlacionaram esses eventos com a dinâmica do Produto Interno Bruto (PIB) no momento seguinte ao do ajuste fiscal. Os autores encontraram evidências de que os países que praticaram consolidações fiscais expressivas obtiveram melhor desempenho econômico.

O impacto que essa literatura teve na política econômica foi notável. Por exemplo, o novo governo britânico conservador, que tomou posse em 2010, colocou a redução do déficit público como objetivo central da sua política econômica, entendida como fundamental para assegurar a recuperação econômica do país, ao estimular a confiança do setor privado.

Na realidade, o respaldo empírico que essa literatura deu foi bastante frágil. Em primeiro lugar, essa literatura nunca foi além de identificar padrões de correlação ao invés de causalidade. É claramente factível que o crescimento econômico tenha sido responsável pela melhoria dos resultados fiscais. Quando esse tipo de controle é feito, os resultados não respaldam a conclusão da contração fiscal expansionista.

Em segundo lugar, está o problema de omissão de variável relevante: tanto o resultado fiscal quanto o comportamento do PIB podem ter sido influenciados por uma terceira variável omitida. Em matéria de política fiscal esses exemplos são abundantes, como a elevação do preço das commodities, a evolução mais favorável da taxa de câmbio em países exportadores, o relaxamento da política monetária, etc. Quando esses efeitos são considerados, os resultados se alteram, passando as contrações fiscais a produzirem efeitos contracionistas.

A partir desses novos resultados, a literatura tem dado maior atenção aos potenciais efeitos expansionistas da política fiscal, buscando entender em quais situações esse efeito pode ser maximizado.

Existem várias metodologias atualmente que procuram estimar o impacto da política fiscal sobre a atividade econômica. Uma tentativa que tem resultado em multiplicadores elevados é a que busca identificar, a partir de registros históricos, o momento e a magnitude exata de uma expansão fiscal. Ramey, no artigo "Identifying government spending shocks: it's all in the timing", mostra que é importante separar o componente da política fiscal que é antecipado pelos agentes daquele que não é.

Essa distinção ajuda a entender as diferenças entre resultados neoclássicos (próximos a resultados antecipados) e keynesianos (próximos de resultados não antecipados). Assim, buscando identificar os efeitos dos choques de gastos governamentais, realiza sua análise para um período mais longo da economia americana entre 1939 e 2008 e conclui que os multiplicadores situam-se entre 0,6 e 1.

Uma abordagem alternativa é a que utiliza modelos não lineares para identificar o impacto da política fiscal, que passa a variar conforme o estágio do ciclo econômico ou mesmo conforme a regra de política monetária - nesse último caso, se a mesma compensa ou chancela a política fiscal. Auerbach e Gorodnichenko, no artigo "Measuring the output responses to fiscal policy", analisam essa questão para a economia norte-americana no período 1947 e 2009 por meio de um modelo que relaciona o tamanho do multiplicador conforme o ciclo econômico e concluem que o multiplicador fiscal pode variar entre -0,3 e 3,6, sendo maior em períodos de recessão econômica.

Concluindo, as evidências são amplamente favoráveis à adoção de políticas fiscais expansionistas para combater recessões e períodos de baixo crescimento econômico. No entanto, alguns países - como o Reino Unido a partir de 2010 e EUA a partir de 2011 - adotaram a consolidação fiscal com o argumento de que era necessário controlar suas dívidas. Na prática, esses países não tinham graves problemas de financiamento, tendo a contração fiscal sido de fato prematura, o que dificultou a recuperação econômica. Por conta dessas evidências, a situação econômica internacional deverá ser agravada caso a política fiscal americana seja revisada no próximo ano, a fim de provocar a forte contração fiscal que ficou conhecida como "abismo fiscal".



Luiz Fernando de Paula é professor titular da Faculdades de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ). E-mail: luizfpaula@terra.com.br.



Manoel Carlos de Castro Pires é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cedido para a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. E-mail: manoel.pires@ipea.gov.br.

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