quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A intermediação financeira e o PIB


Por Bráulio Borges - Valor 06/12

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou, sexta-feira, que o Produto Interno Bruto (PIB) da intermediação financeira, seguros, previdência complementar e serviços relativos - que responde por cerca de 6% do total do PIB brasileiro sob a ótica da oferta - apresentou no terceiro trimestre deste ano a maior queda dessazonalizada desde o último trimestre de 2008. Na comparação com o terceiro trimestre de 2011, houve uma variação negativa de 1% - algo que não se observava desde o terceiro trimestre de 2004.

O IBGE atribuiu esse desempenho à queda da taxa básica de juros (Selic) e do spread bancário e ao aumento da inadimplência observada no período.

Em um artigo publicado terça-feira no Valor ("A queda da Selic reduziu o PIB?"), o ex-presidente do Banco Central (BC), Francisco Lopes, questiona os resultados apresentados pelo IBGE para a evolução desse componente do PIB. Ele propõe um cálculo alternativo para a intermediação financeira - com a variação em volume desse componente sendo dada pela evolução conjunta das operações de crédito e do agregado monetário M4, deflacionados pelo deflator implícito do PIB ex-intermediação financeira (seguindo aquilo que é feito em vários outros países).

Fiquei curioso em saber se esse eventual recálculo mudaria muito a dinâmica do PIB nos últimos trimestres. Desse modo, reconstruí a série do PIB total com esse cálculo alternativo da evolução do volume da intermediação financeira (considerando como base o ano de 2000, que é o atual ano de referência das contas nacionais brasileiras). O gráfico 1 compara a evolução anual do PIB total oficial com o PIB recalculado (para 2012, a variação corresponde ao acumulado até o terceiro trimestre).

Como pode ser notado, até 2010 as diferenças entre os dois cálculos eram relativamente pequenas: na média de 1997 a 2010, o PIB recalculado foi 0,1 ponto percentual superior ao PIB apurado pelo IBGE (e a maior diferença entre eles, em termos absolutos, foi de 0,4 ponto percentual em 1998).

Não obstante, de 2011 em diante essa diferença passou a se aprofundar. O PIB de 2011 recalculado foi 0,5 ponto percentual maior do que os 2,7% aferidos pelo IBGE; e, neste ano, essa diferença subiu a 1 ponto percentual. Interessante notar que, nesse período, o spread bancário e a Selic subiram muito (até meados de 2011) e depois caíram bastante.

Na série dessazonalizada há também uma diferença relevante de 2011 para cá, como aponta o gráfico 2. No terceiro trimestre de 2012, por exemplo, a alta anualizada do PIB beirou os 4% (contra os 2,4% ao ano efetivamente apontados pelo IBGE), vindo de uma virtual estagnação no terceiro trimestre de 2011 e de um ritmo de crescimento na faixa de 1,5% a 2% ao ano no fim do ano passado e na primeira metade deste ano.

Nessa série dessazonalizada, caso o PIB do quarto trimestre cresça no mesmo ritmo do terceiro trimestre, a alta anual chegaria a 2% (contra o 1,2% projetado pela LCA para o PIB efetivo) 1.

É bem verdade que o IBGE não deverá rever sua metodologia atual para o cálculo desse componente do PIB pelo menos até o final de 2014 ou começo de 2015 - período para o qual está programada a divulgação de uma nova revisão geral das contas nacionais brasileiras (nos moldes da feita em 2007), com séries retroagindo pelo menos até 2000.

Mas é importante ter em mente, como destacado pelo Chico Lopes, que o PIB oficial do IBGE pode estar passando uma impressão de que a economia não está reagindo à enorme quantidade de estímulos monetários, fiscais e creditícios colocados em prática desde o final de 2011. Isso pode levar as autoridades a implementar novas medidas - lembrando que muitas delas ainda não estavam em vigor plenamente durante o terceiro trimestre deste ano - com algumas começando a valer somente no começo de 2013, como a desoneração da folha para 25 setores e a redução do preço da energia elétrica, dentre outras -, o que pode aumentar o risco de um superaquecimento na virada de 2013 para 2014.

Ignorar essa questão pode também dar margem a interpretações de que o modelo de crescimento brasileiro está esgotado, de que estamos presos em uma armadilha de baixo crescimento e que nosso potencial despencou de quase 4% ao ano para perto ou abaixo de 3% de um ano para outro.

1 Alguns poderiam fazer o seguinte questionamento: tudo bem, essa questão da intermediação financeira pode de fato estar subestimando a evolução do PIB, especialmente no terceiro trimestre de 2012. Por outro lado, o fato de as importações brasileiras estarem subestimadas em cerca de US$ 6 bilhões desde meados de 2012 por conta do atraso da contabilização, pela Petrobras, de operações de compras de combustíveis (como reflexo de uma instrução normativa da Receita Federal datada de 16 de julho) poderia atuar na direção contrária, compensando isso. Trata-se de uma avaliação equivocada, já que o IBGE mede o PIB brasileiro para todos os componentes da oferta, mas não pelo lado da demanda (tanto o Consumo das Famílias como, principalmente, a Variação de Estoques, possuem um componente grande relacionado a erros e omissões, de modo a garantir que a demanda seja exatamente igual à oferta, respeitando a identidade básica das contas nacionais). Com efeito, a correção dos dados de importações não mudaria o PIB total, mas apenas a distribuição entre os componentes da demanda.



Bráulio Borges é economista-chefe da LCA Consultores. Este relatório contém análises e avaliações pessoais, que não necessariamente refletem a opinião institucional da LCA.

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