quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Dívida pública e taxa de juros



Por José Luis Oreiro - Valor 13/09

A equipe econômica do governo Dilma Rousseff tem reiteradas vezes afirmado que um elemento crucial na estratégia de redução da taxa de juros, iniciada em meados de 2011, é a obtenção de um superávit primário robusto o suficiente para permitir uma queda consistente e contínua da relação dívida pública e Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o diagnóstico da equipe econômica, a taxa real no Brasil é mais elevada do que a prevalecente em outros países emergentes em função da elevada dívida pública como proporção do PIB. Sendo assim, a austeridade fiscal, mesmo em momentos de crescimento baixo como o que estamos vivenciando nos últimos 18 meses, é condição necessária para viabilizar uma redução permanente da taxa real de juros.

Os dados da economia brasileira, contudo, parecem desmentir esse diagnóstico. Como podemos visualizar na figura abaixo, no período 2003-2011 a relação dívida pública líquida/PIB apresentou uma redução de 19%; ao passo que a taxa real de juros - calculada a partir da taxa Selic média de cada ano deflacionada pela variação do IPCA - apresentou uma queda três vezes maior, igual a 60,67%!!!

A teoria econômica convencional não estabelece uma relação clara entre o nível do endividamento do setor público e a taxa real de juros. Com efeito, o modelo macroeconômico padrão para economias abertas, o modelo Mundell-Fleming, estabelece que no equilíbrio de longo prazo a taxa real de juros de uma pequena economia aberta que opera com mobilidade de capitais e câmbio flutuante (o que, em tese, seria o caso brasileiro) deve ser igual a taxa de juros internacional acrescido do prêmio de risco país, tomado como variável exógena e, portanto, independente da política fiscal.

A endogenização do prêmio de risco país pode ser feita se considerarmos a hipótese do risco financeiro crescente de Mickael Kalecki, segundo a qual um aumento do nível de endividamento do tomador de decisão - firma ou governo - deverá induzir os bancos a cobrar taxas de juros cada vez mais altas para a concessão de novos empréstimos. Nesse contexto, deveria existir uma relação positiva entre o nível de endividamento do setor público - medido pela relação dívida pública/PIB - e o valor da taxa real de juros que o governo tem que pagar sobre a sua dívida.

A literatura empírica que trata da relação entre dívida pública e taxa de juros parece apontar para a existência de uma relação não-linear entre as duas variáveis. Por exemplo, Caselli et al. (2004)1 constrói um painel para 16 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), abrangendo o período de 1960 a 2002. Suas conclusões são de que tanto o déficit quanto a dívida pública afetam a taxa de juros real de maneira não linear, ou seja, a taxa de juros apresenta uma reação maior a um aumento da dívida pública quando esta se encontra em um nível superior a um certo patamar crítico.

A existência de uma relação não linear entre dívida pública/PIB e taxa real de juros foi testada mais recentemente numa dissertação de mestrado2 que orientei no programa de pós-graduação em economia da UnB. Nesse trabalho foi construído um painel com dados de 49 países, todos eles emergentes, incluindo o Brasil. Após testar várias especificações do modelo econométrico - controlando-se para os efeitos sobre a taxa de juros da variabilidade do PIB, superávit primário, inflação e poupança doméstica - conclui-se que existem fortes evidências apontando para uma relação não-linear entre as variáveis em consideração.

Se for verdade que a relação entre dívida pública/PIB e taxa real de juros é não linear então os ganhos a serem obtidos em termos de redução de taxa real de juros podem ser relativamente pequenos a partir do momento que a dívida pública como proporção do PIB cai abaixo de certo nível. Ao que tudo indica este é o caso do Brasil. Com efeito, a política de geração de robustos superávits primários, iniciada no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, e aprofundada no primeiro mandato do presidente Lula, foi bem sucedida em trazer a relação dívida/PIB para um patamar abaixo de 40%.
Desde então os ganhos em termos de redução de juros parecem ser mais o resultado da flexibilização do regime de metas de inflação do que da continuidade da queda da relação dívida pública/PIB. Assim, o governo da presidente Dilma pode estar cometendo um erro crasso ao manter um elevado superávit primário durante uma fase de desaceleração do crescimento, na tentativa de reduzir a dívida pública/PIB abaixo de 30%. Mais sensato seria reduzir o superávit primário e usar a "folga de caixa" para aumentar o investimento público em infraestrutura. Essa política permitiria um aumento da produtividade do capital, em função dos claros efeitos de transbordamento positivos do investimento público sobre os investimentos do setor privado, viabilizando assim um crescimento mais robusto do PIB no médio e longo prazo.



1 CASELLI, Francesco; ARDAGNA, Silvia; LANE, Timothy. (2004). "Fiscal Discipline and the Cost of Public Debt Service: Some Estimates for OECD Countries".



2 LEITÃO, Paulo (2012). "O Prêmio de risco endógeno e a relação entre taxa de juros e variáveis fiscais: um estudo utilizando dados em painel". Dissertação de Mestrado: Departamento de Economia/UnB.



José Luis Oreiro é professor do departamento de Economia da Universidade de Brasília. E-mail: joreiro@unb.br.

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