segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A inflação está de volta?



Por Martin Feldstein - Valor 10/09

A inflação está, atualmente, baixa em todos os países industriais e a combinação de elevado desemprego e lento crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) elimina as habituais fontes de pressão sobre os preços. No entanto, os investidores financeiros estão cada vez mais preocupados que a inflação vá, finalmente, começar a subir, devido à grande expansão das reservas dos bancos comerciais engendradas pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) e pelo Banco Central Europeu (BCE). Alguns investidores recordam que um aumento da inflação normalmente acompanha a expansão monetária, e temem que dessa vez não seja diferente.

Os investidores reagiram a esses temores comprando ouro, terras agrícolas e outros seguros tradicionais contra a inflação. O preço do ouro atingiu recentemente um pico em quatro meses e está se aproximando de US$ 1,7 mil por onça. O preço por acre de terra em Iowa e Illinois subiu mais de 10% em relação ao ano passado. E a recente divulgação de minutas da diretoria do Fed, que sinaliza suporte a uma nova rodada de flexibilização quantitativa, provocou fortes saltos nos preços do ouro, prata, platina e de outros metais.

Mas, ao contrário dos investidores privados, as autoridades do Fed insistem em que, desta vez, realmente será diferente. Eles salientam que a enorme expansão das reservas dos bancos comerciais não produziu um aumento comparável na oferta de moeda e de crédito. Embora as reservas tenham aumentado a uma taxa anual de 22% nos últimos três anos, a base monetária ampla (M2), que mais de perto acompanha o PIB nominal e a inflação durante longos períodos de tempo, cresceu menos de 6% nos mesmos três anos.

Em décadas recentes, grandes expansões das reservas bancárias causaram surtos de crédito que ampliaram a oferta monetária e alimentaram o crescimento de gastos inflacionários. Mas, agora, os bancos comerciais estão dispostos a manter seu excesso de reservas no Fed, que hoje paga juros sobre os depósitos. O BCE também paga juros sobre os depósitos, e por isso também pode, em princípio, evitar que o crescimento das reservas resulte numa explosão indesejada de empréstimos.

A capacidade do Fed de pagar juros é crucial para o que denomina sua "estratégia de saída" da flexibilização quantitativa anterior. Quando a recuperação econômica começar a acelerar, os bancos comerciais desejarão usar o grande volume de reservas que o Fed criou para conceder empréstimos a empresas e consumidores. Se o crédito crescer muito rapidamente, o Fed poderá elevar a taxa de juros que paga sobre os depósitos. Juros suficientemente altos induzirão os bancos comerciais a preferir a combinação de liquidez, segurança e rendimento proporcionada pelo Fed a expandir o volume de empréstimos privados.

Isso, de todo modo, é a teoria, ninguém sabe como funcionaria na prática. Até que nível o Fed - ou, a propósito, o BCE - teria de elevar os juros sobre os depósitos para evitar um crescimento excessivo do crédito bancário? E se a taxa de juros tiver de ser de 4% ou 6% ou mesmo 8%? Será que o Fed e o BCE elevarão suas taxas sobre os depósito a níveis tão altos, ou será que isso permitiria um crescimento rápido e potencialmente inflacionário dos empréstimos?

A natureza incomum do desemprego atual amplia ainda mais o risco de inflação futura. Quase metade dos desempregados nos EUA, por exemplo, já estão sem trabalho há seis meses ou mais, acima da tradicional mediana de duração do desemprego, de apenas 10 semanas. Os desempregados em longo prazo levarão bem mais tempo para serem recontratados, à medida que a recuperação da economia avançar, do que as pessoas desempregadas por um período de tempo muito mais breve.

O risco, portanto, é que os mercados de produtos fiquem apertados enquanto ainda houver elevado desemprego mensurado. A inflação começará nos mercados de produtos, e não no mercado de trabalho. As empresas vão querer tomar empréstimos e os bancos desejarão expandir seus empréstimos. Sob essas condições, o Fed desejará elevar os juros para evitar uma aceleração da inflação.

Mas, se a taxa de desemprego for, nesse momento, ainda relativamente elevada - por exemplo, acima de 7% - alguns membros da Comissão de Open Market do Fed poderão argumentar que a dupla missão do Fed - baixo desemprego e baixa inflação - implica ser cedo demais para subir os juros.

Poderá haver também forte pressão do Congresso americano para que não haja um aumento dos juros. Apesar de a "independência" legal do Fed implicar que a Casa Branca não pode ditar ao Fed o que fazer, o Fed é totalmente responsável perante o Congresso. A recente lei Dodd-Frank, de reforma financeira, eliminou alguns dos poderes do Fed, e o debate legislativo em torno do projeto de lei indicou que poderá haver amplo apoio para restrições adicionais, se o Congresso não gostar da política do Fed.

O desejo dos políticos de manter as taxas de juros baixas para reduzir o desemprego evidencia, muitas vezes, tensões em face da preocupação do Fed no sentido de agir oportunamente para manter a estabilidade de preços. Dessa vez, o grande número de desempregados em longo prazo poderá tornar o problema mais difícil, fazendo com que a taxa de desemprego permaneça elevada, mesmo quando os mercados de produtos começarem a experimentar um aumento da inflação.

Se isso acontecer, as autoridades do Fed terão de enfrentar uma escolha difícil: ou apertar a política monetária para conter o crescimento da aceleração dos preços, contrariando, assim, o Congresso, e, possivelmente, enfrentando restrições que dificultarão o combate futuro à inflação ou nada fazer. Quaisquer dessas opções significará uma taxa mais elevada de inflação futura, como temem os mercados financeiros.

Apesar de o BCE não ter de prestar contas diretamente a um poder legislativo, está agora claro que existem membros em seu Conselho Diretor que se opõem a taxas de juros mais altas e que existem pressões políticas de líderes governamentais e ministros das Finanças no sentido de manter as taxas baixas.

Um crescimento da inflação não é, certamente, inevitável, mas, tanto nos EUA como na Europa, tornou-se um risco a ser reconhecido. (Tradução de Sergio Blum)



Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do conselho de assessores econômicos do presidente americano Ronald Reagan e do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Copyright: Project Syndicate, 2012.



www.project-syndicate.org

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