sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Crescimento e incertezas


Por Mansueto Almeida - Valor 21/09

Na última semana, participei de algumas reuniões com investidores estrangeiros, administradores de fundos de investimento. Esses gestores queriam conversar sobre as perspectivas de crescimento do Brasil para decidir se devem ou não aumentar o investimento no país.

Nessas reuniões, fiquei surpreso com o elevado grau de desconfiança que esses investidores apresentavam e as dúvidas que eles passaram a ter em relação ao rumo da política econômica. Percebe-se uma imensa boa vontade e um desejo de acreditar que o Brasil entrou em um novo ciclo de crescimento sustentado, mas quando os números começam a ser colocados no papel, o que prevalece é a incerteza quanto à possibilidade de o país manter o ritmo de crescimento acima de 4% ao ano.

São cinco as principais incertezas. Primeiro, aumentou a dúvida sobre o espaço fiscal para desoneração tributária. O governo tem afirmado, consistentemente, a intenção de avançar na agenda de desoneração do setor produtivo e medidas importantes já foram tomadas. Mas, no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2013, o governo estima uma arrecadação bruta de 24,7% do Produto Interno Bruto (PIB), ante 23,9%, em 2011, quando a carga tributária total foi de 36%. Como acreditar em uma agenda ampla de desoneração se isso não aparece na proposta de lei orçamentária?

Segundo, para reduzir fortemente a carga tributária, sem reduzir o superávit primário, será necessária uma forte queda da despesa primária em relação ao PIB. Isso é improvável de acontecer em quatro anos. A regra aprovada de reajuste linear de 5,2% ao ano para várias carreiras do setor público, por exemplo, não significa que a folha de pessoal vá crescer apenas isso.

Com o crescimento vegetativo da folha de pessoal entre 2,5% e 3% ao ano, o gasto total com pessoal deve crescer perto de 8% ao ano. Na proposta orçamentária de 2013, o governo estima que a despesa com pessoal será de 4,2% do PIB neste e no próximo ano, uma economia importante mas pequena (0,22 ponto do PIB) frente a despesa com pessoal, em 2010, que foi de 4,42% do PIB.

Terceiro, dada a regra atual de reajuste do salário mínimo, é possível esperar um crescimento da despesa do INSS perto de 0,5 ponto do PIB e de 0,2 ponto do PIB de outras despesas de custeio (Loas, FAT e outros) ao longo do governo Dilma. Assim, a despesa primária do governo federal, sem incluir investimento público e já descontada a economia com despesa com pessoal, crescerá perto de 0,5 ponto do PIB. Só há uma forma de conciliar a agenda de desoneração com o crescimento da despesa primária, uma queda permanente do resultado primário, que até o momento não está confirmada e nem é desejável, a não ser que decorra do crescimento do investimento público.

Quarto, aumentou a percepção de investidores externos do risco regulatório do Brasil. É nítida a preocupação dos estrangeiros com o que eles chamam do novo relacionamento do governo com o mercado. Parte da preocupação decorre de medidas temporárias, como o aumento de impostos de importação de alguns produtos, e outra parte decorre de falhas de comunicação. Um bom exemplo são as interpretações divergentes da Medida Provisória 579, que trata das novas regras de prorrogação das concessões do setor elétrico.

Além das incertezas quanto ao instrumento legal para promover as mudanças (Medida Provisória) e dos valores anunciados para indenizar as concessionárias (R$ 21 bilhões), há dúvidas se o governo quer controlar preço ou quantidade. Se o governo fixar as novas tarifas de energia em patamar muito baixo, as concessionárias privadas vão diminuir o investimento (governo controla preço). Mas se o governo quiser garantir um patamar mínimo de investimento no setor, as concessionárias vão definir as tarifas para entregar o investimento exigido (o governo controla a quantidade).

Quinto, e novamente ligado à questão fiscal, há incertezas quanto ao financiamento do pacote de infraestrutura que tem sido anunciado e aqui é preciso que as pessoas entendam a diferença entre poupança financeira e poupança real. A queda de juros vai liberar recursos aplicados em títulos públicos (poupança financeira) que poderia financiar o crescimento do investimento em infraestrutura.

Mas para essa poupança financeira se transformar em poupança real (poupança pública) ao longo de vários anos (disponibilidade de bens e serviços que seriam utilizados na construção das rodovias, portos, ferrovias, etc.) é preciso que a economia do governo com juros não seja desperdiçada em aumento de gastos com pessoal e custeio. Caso contrário, seria necessário utilizar poupança do resto do mundo que tomaria a forma de déficits crescentes em conta-corrente, uma estratégia incerta e de risco elevado.

Ainda é cedo para falar taxativamente para onde caminha a nossa política econômica. Por enquanto, há um crescente gap entre o discurso oficial e a percepção real dos analista econômicos aqui e lá fora.

Uma coisa é certa. A redução dos juros abriu no horizonte imediato uma oportunidade de ouro para o crescimento do investimento. Com um pouco mais de esforço é possível modificar a percepção dos analistas, mas para isso teremos que fazer o dever de casa que é aumentar a poupança pública e ter maior transparência dos novos marcos regulatórios para as concessões de serviços públicos.



Mansueto Almeida é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

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