quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Bernanke faz uma escolha histórica



Por Martin Wolf -= Valor 19/09

Ben Bernanke, o presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), convenceu seus colegas a tomar uma decisão ousada. Por maioria de 11 votos contra 1, na semana passada, eles decidiram colocar em prática um programa mensal de compras de ativos para reanimar o mercado de trabalho. Isso é imune a riscos? Não. Será que faz sentido? Sim, porque não agir seria muito pior.

Como afirma o comunicado à imprensa do Comitê de Mercado Aberto: "Se as perspectivas para o mercado de trabalho não melhorarem substancialmente, o Comitê continuará suas compras de títulos lastreados em hipotecas emitidos por agências (governamentais financiadoras do mercado imobiliário), realizará compras adicionais de ativos e empregará suas outras ferramentas de política monetária conforme apropriado, até que tal melhoria seja alcançada em um contexto de estabilidade de preços". Isso também é "coerente com sua missão legal": promover "máximo emprego e máxima estabilidade de preços".
Bernanke detalhou as justificativas para tais ações no discurso que pronunciou no mês passado, durante o simpósio em Jackson Hole, Wyoming, organizado pelo Fed de Kansas City. Esse documento continha uma frase extraordinária: "A estagnação do mercado de trabalho, em especial, é uma grande preocupação, não apenas devido ao enorme sofrimento e desperdício de talento humano que implica, mas também porque os níveis persistentemente elevados de desemprego causarão danos estruturais à nossa economia que poderão durar muitos anos". Felicito o senhor Bernanke por essa reação ética e o aplaudo por reconhecer que o Fed não só pode, como deve, fazer algo a respeito dessa situação sombria.

As projeções econômicas de setembro apresentadas por membros do Federal Reserve Board e pelos presidentes do Fed revelam por que as pessoas que pensam como Bernanke sobre os males do desemprego elevado deveriam ser favoráveis à intervenção. A "tendência central" dessas projeções aponta para uma taxa de desemprego entre 6,7% e 7,3%, até mesmo em 2014. Pior, o colapso na taxa de emprego que ocorreu em 2008 não evidencia nenhum sinal de reversão. Na visão do Fed, a explicação para o desemprego persistentemente elevado e o baixo nível de emprego é a demanda inadequada. Assim, o desemprego permanecerá elevado até que o crescimento se acelere. Nas palavras do comunicado à imprensa, "sem acomodação adicional da política (do Fed), o crescimento econômico poderá não ser suficientemente forte para produzir uma melhoria sustentada nas condições do mercado de trabalho".

Significativamente, um estudo apresentado no simpósio em Jackson Hole intitulado "O Mercado de Trabalho nos Estados Unidos: Status Quo ou uma Nova Normalidade", com coautoria de Edward Lazear, conhecido economista conservador, fortalece a visão do Fed. A análise conclui que nenhuma mudança estrutural é capaz de explicar as mudanças no desemprego nos últimos anos. O padrão é coerente com um desemprego cíclico excepcionalmente elevado. "É a demanda, estúpido". Isso não deve surpreender. Entre 1990 e 2007, o PIB nominal americano cresceu a uma taxa de tendência anual de 5,4%. Depois, o indicador despencou: no segundo trimestre de 2012, baixou até 14% abaixo da sua tendência pré-2008.

O plano do Fed é comprar títulos lastreados em hipotecas emitidos por agências patrocinadas pelo governo (Fannie Mae e Freddie Mac) à base de US$ 40 bilhões por mês. O BC americano continuará a alongar a maturação de seus ativos e reinvestirá os pagamentos do principal de sua carteira de dívida de agências e títulos lastreados em hipotecas em um volume ainda maior de títulos de agências. Essas ações elevarão o balanço do Fed em US$ 85 bilhões por mês e, assim deverão exercer pressão descendente sobre as taxas de juro de longo prazo, apoiar o mercado de financiamento imobiliário e contribuir para flexibilizar as condições financeiras na economia como um todo. Acima de tudo, o Fed compromete-se a manter essa política até que o mercado de trabalho melhore substancialmente.

Previsivelmente, o partido Republicano está indignado. Mitt Romney reagiu afirmando que a terceira rodada de "flexibilização quantitativa" não passa de uma injeção de glicose. Essa reação não deveria causar surpresa: os republicanos têm se oposto a toda e qualquer tentativa de recorrer a políticas fiscais ou monetárias para atenuar a recessão. Eu não sei se eles acreditam em seus pontos de vista de terra arrasada ou buscam negar ao governo de Barack Obama qualquer êxito em reanimar a economia. Uma parte de mim deseja que eles tivessem a oportunidade de aplicar sua filosofia liquidacionista. Os resultados certamente igualariam os dos anos 1930: uma catástrofe econômica com resultados políticos de longo prazo. Mas a parte mais sábia de mim congratula-se com o fato de as autoridades terem se revelado muito mais responsáveis. Muito apropriadamente, o Fed procurou abrandar as consequências do colapso financeiro de 2008 e da posterior desalavancagem privada.

Será que a nova abordagem do Fed dará certo? O Fed pratica políticas monetárias ultrafrouxas desde o fim de 2008 e os juros pagos pelos títulos de longo prazo já estão extremamente baixos. Bernanke sustenta que os programas de compra de ativos pelo Fed aumentaram a produção em quase 3% e o emprego privado em mais de 2 milhões de postos. Todavia, como as taxas de juros já estão tão baixas, é improvável que a ação renovada consiga ser igualmente eficaz. É muito mais provável que seja útil mais do que transformadora.

Em uma longa análise sobre política monetária "no limite inferior da taxa de juros", também apresentada em Jackson Hole, Michael Woodford, da Universidade Columbia, defende uma meta explícita para o PIB nominal, estímulo fiscal e estreita coordenação das políticas monetária e fiscal. Porém, uma coordenação mais íntima é inconcebível nos EUA. Se o Fed anunciasse efetivamente um plano para trazer o PIB nominal de volta à sua tendência em 1990-2007, digamos, no quarto trimestre de 2016, seria necessário assegurar um aumento de 45% a partir do segundo trimestre deste ano. Esse é um indicador da escala do déficit de demanda. Desnecessário dizer, tal meta é extremamente improvável.

Críticos argumentam que a nova política do Fed não só não funcionará como se espera, como produzirá enormes estragos. Muitos vêm profetizando hiperinflação há anos. Esse medo é equivocado. De fato, políticas não convencionais produzem custos e riscos. Mas os custos e os riscos de uma demanda deficiente são muito maiores. O Fed decidiu errar para o lado da expansão. Sobre isso não há dúvida. Na verdade, é mais provável que a intervenção obtenha muito pouco - e não muito - do que pretende. (Tradução de Sergio Blum)



Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

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