quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Nível de gasto do brasileiro com dívida bancária preocupa o FMI



Por Fernando Travaglini - Valor 01/08
De São Paulo

Apesar dos avanços do Brasil nas áreas de regulação e supervisão bancária, o Fundo Monetário Internacional ainda vê riscos decorrentes da expansão acelerada do crédito nos últimos anos e enxerga indícios de tensões em algumas classes de ativos, especialmente nos empréstimos às famílias e no setor imobiliário, que poderiam, no ambiente de queda dos juros, levar à formação de bolhas.

De acordo com dados citados pelo FMI, o endividamento do brasileiro não está entre os mais altos, hoje na casa dos 30% de toda a renda disponível. Entretanto, o nível de comprometimento da renda com os serviços da dívida, ou seja, com o pagamento das parcelas mensais, está entre os maiores do continente americano.

Por aqui, 23% da renda mensal das famílias é gasta com o pagamento de juros e a amortização da dívida, enquanto no México, na Colômbia e no Peru essa relação está ao redor ou abaixo de 10% (ver gráfico).

Até mesmo nos Estados Unidos, onde o endividamento total corresponde a 100% da renda disponível, a relação dos gastos mensais com as prestações toma apenas 10% da renda dos americanos a cada mês, ou seja, menos da metade dos brasileiros.
Em outras palavras, o brasileiro tem baixo endividamento, mas mesmo assim compromete uma expressiva parcela de seus ganhos mensais com suas dívidas. Por conta disso, qualquer queda na renda ou piora do emprego, em uma conjuntura mais difícil, poderia ser explosiva para as famílias, como alerta o Fundo.

"Apesar de parecer sustentável por enquanto, com os altos níveis de emprego e renda, as famílias podem se mostrar altamente endividadas em um cenário de desaquecimento econômico", diz o Fundo. "Além disso, a tendência atual do crédito e da inadimplência sugere que alguns segmentos de dívida podem já estar sob pressão."

O que explica a diferença entre os números do Brasil e do restante dos países são as taxas de juros elevadas, quase três vezes maiores do que em países como México e Chile, e os prazos dos empréstimos, bem mais curtos que os demais - nesse caso como consequência do baixo volume de financiamento imobiliário na comparação internacional.

E não é apenas o endividamento que preocupa o FMI. "Há indícios de crescente tensão em alguns setores e classes de ativos, com destaque para o endividamento das famílias e o rápido aumento dos preços dos imóveis nas principais regiões, como São Paulo e Rio de Janeiro."

A avaliação está no mais recente relatório elaborado dentro do Programa de Avaliação do Setor Financeiro, executado pelo FMI em conjunto com o Banco Mundial em 25 países emergentes. O documento, que reconhece avanços do sistema financeiro do país e elogia a fiscalização do Banco Central, destaca que os ativos do setor financeiro mais do que dobraram ao longo da última década e as autoridades precisam estar atentas os riscos externos e internos.

O FMI pondera que as "incertezas são mitigadas pela supervisão bancária robusta e pelos elevados níveis de proteção em termos de capital e liquidez nos bancos, mas é preciso manter a vigilância, aperfeiçoar os dados e estar pronto para intervir e controlar essas fontes de aquecimento se necessário."

O documento vai além ao afirmar que até uma bolha de ativos poderia ser causada por um aquecimento acima do usual em um cenário de queda dos juros. "À medida que os juros no Brasil continuam a cair e se aproximar de níveis internacionais, a procura cada vez maior dos investidores internos por rendimentos mais altos pode levar a uma subestimação do preço do risco e à formação de bolhas de preços de ativos", avalia o Fundo, apesar de ressaltar que o risco sistêmico é pequeno hoje.

O Banco Internacional de Compensações já havia alertado sobre os riscos do crescimento acelerado do crédito no país em seu informe anual, de junho.

Com relação às ameaças externas, o FMI avalia que assim como o restante da economia brasileira, o sistema financeiro está exposto "aos efeitos da volatilidade dos mercados internacionais", sobretudo pelas variações nos preços das commodities e pela mobilidade do capital estrangeiro.

"Um novo conjunto de riscos pode ser vislumbrado no horizonte, o que exigirá um monitoramento cuidadoso daqui em diante", diz o diretor assistente do departamento de mercados monetários e de capitais do FMI, Dimitri Demekas, em nota.

Para ele, a expansão acelerada do crédito nos últimos anos apoiou o crescimento da economia interna e o aumento da inclusão financeira, mas essa expansão também pode gerar vulnerabilidades. "Existe o risco de que o sistema financeiro se torne vítima de seu próprio sucesso no país", diz Demekas, que chefiou a equipe encarregada da avaliação, realizada entre os dias 6 e 21 de março.

Ainda de acordo com o FMI, para afastar o sistema financeiro do atual equilíbrio entre taxas de juros elevadas e prazos médios curtos e ainda atender ao objetivo de crescimento econômico de longo prazo, serão necessárias uma "condução cuidadosa" e amplas reformas. "Em vez de olhar para trás, o sistema deve ser fortalecido para poder suportar uma variada gama de possíveis choques no futuro", diz Demekas. Entre as medidas, está a necessidade de uma regulamentação sobre centrais de avaliação de crédito, o fortalecimento do mecanismo do Banco Central para concessão de financiamento emergencial aos bancos no caso de crise no sistema financeiro e o reforço da proteção jurídica de todos os supervisores do setor.

O Fundo lembra que a reforma da governança do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) já foi implementada, mas é preciso tornar mais rigorosos os critérios para concessão de ajuda aos bancos e garantir uma fonte de recursos segura e em nível suficiente no caso de uma crise.

Nessa mesma linha, o FMI recomenda que se fortaleça a comissão encarregada do monitoramento de riscos sistêmicos e da preparação contra crises e que se inclua nessa comissão o FGC.

O FMI vê avanços no sistema bancário brasileiro, incluindo um quadro de gestão de crise que ajudou a proteger o sistema financeiro contra o impacto da crise mundial em 2008. O fundo avalia ainda que o Brasil melhorou a fiscalização de seu sistema financeiro. "[A fiscalização] é profunda e complexa, se baseia no risco e apresenta um elevado grau de conformidade com as normas internacionais."

Além de apoiar o sistema contra futuros choques, diz o Fundo, o principal desafio nos próximos anos será aumentar a contribuição do setor financeiro para o crescimento do Brasil no longo prazo. Nesse contexto, o FMI alerta que será preciso tomar medidas para "reformar o crédito imobiliário e modificar o papel dos bancos estatais, sobretudo do BNDES".


BC diz monitorar avanço rápido do crédito

Por Claudia Safatle
De Brasília

O relatório sobre a estabilidade do sistema financeiro, elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e divulgado ontem, traz uma radiografia minuciosa e positiva da situação dos bancos no Brasil. O Fundo chama a atenção, contudo, para eventuais riscos decorrentes da acelerada expansão do credito, do aumento no endividamento das famílias e das pressões sobre os preços dos imóveis.

Os bancos são sólidos, seguros, registram elevado capital mínimo e liquidez, têm boa lucratividade e o provisionamento cobre os riscos de inadimplência. O sistema, submetido a testes de stress, revela-se resistente a choques graves, como o de uma recessão global. Pondera, porém, que as instituições de pequeno e médio porte "são relativamente mais vulneráveis ao risco de liquidez".

O diretor de assuntos internacionais e regulação financeira do Banco Central, Luiz Pereira Awazu, considerou o relatório equilibrado, com aspectos bastante positivos e ressaltou que, no geral, coincide com a avaliação que o próprio BC faz. Ele salientou, ainda, que as conclusões do fundo sobre a solidez do sistema financeiro doméstico e sobre o alto padrão da supervisão bancária no país - abaixo apenas da nota dada ao Canadá - são importantes sobretudo num momento de ciclotimia, quando a euforia dos investidores com o Brasil vem se transformando em uma certa descrença.

A participação dos bancos estrangeiros no mercado doméstico é modesta e mesmo instituições europeias como o Santander - com 9% dos ativos do sistema local- e o HSBC - com 3% - estão focadas no mercado doméstico, obedecem as regras prudenciais do país e não colocam riscos de contágio da crise externa sobre o mercado local, atestou o Fundo.
Quanto às vulnerabilidades apontadas no relatório, os técnicos do FMI alertam para o rápido crescimento do crédito - "tema que temos discutido muito", comenta o diretor. "Eles dizem que isso decorre do processo de transformações sociais experimentado pelo país, com a inclusão financeira." Houve um crescimento do crédito de 25% para 50% do PIB e, segundo o FMI, isso ocorre com os países onde a base de partida é pequena.

Mais do que olhar o endividamento geral das famílias como proporção do PIB - da ordem de 23% - o BC, segundo ele, está monitorando o grau de endividamento por faixas de renda e criou uma diretoria específica para tratar do relacionamento com o cidadão e investir na educação financeira. Os índices de preços dos imóveis no país precisam ser vistos com certa cautela. O BC está, junto com a FGV e o IBGE, construindo um índice mais rigoroso.

Ao contrário do que ocorreu com as instituições financeiras americanas e europeias, que passam por problemas de difícil equação desde a crise de 2008/2009, os bancos brasileiros estão sob uma supervisão bastante conservadora e "intrusiva" e isso faz enorme diferença na exposição a riscos. A quantidade de informações diárias de que o BC dispõe lhe permite, inclusive, detectar problemas de liquidez numa determinada instituição antes mesmo que ela saiba que está sob stress, disse ele.

O documento preparado pelo FMI envolveu cerca de 60 pessoas. O Fundo começou a fazer esse acompanhamento por recomendação do G-20 logo após a crise asiática do fim dos anos 90. Ao Banco Mundial coube uma tarefa de mais longo prazo, de avaliação das perspectivas de desenvolvimento do sistema financeiro em cada um dos países do G-20.

O FMI ressaltou a importância da ação dos bancos federais em resposta à crise de 2008/2009, mas apontou a necessidade de se criar alternativas ao financiamento de longo prazo hoje nas mãos do BNDES, assim como de desenvolvimento do mercado de capitais.

Salientou, também, que embora o Banco Central do Brasil tenha autonomia de fato, ele não tem independência para tomar diretamente medidas de regulação prudencial, tendo que submetê-las à aprovação do Conselho Monetário Nacional (CMN).

O relatório abarca as áreas de seguros e fundos de pensão e, para essas, recomenda um reforço legal tanto para melhorar a supervisão como para dar maior independência operacional aos órgãos reguladores como a Susep (seguros) e a Previc (fundos de pensão). Luiz Pereira concordou que há muito a fazer, mas entende que "estamos fazendo a coisa certa".

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