quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Negociando com ódio



Por Jagdish Bhagwati - Valor 22/08

O massacre na Noruega em julho de 2011 e o recente ataque a um templo sikh em Oak Creek, Wisconsin, foram obras de extremistas de direita empenhados em refazer o mundo à sua imagem neonazista. Da mesma forma, os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 foram obra de extremistas islâmicos que veem outras religiões e culturas como ameaça. Mas seria simplista pensar que os nossos governantes não lançam combustível no fogo do ódio, ainda que seu chauvinismo assuma uma forma mais "civilizada".

Basta perguntar aos japoneses, continuamente denunciados, nos anos 1980, como exportadores perversos. Ou considere o refrão incessante contra a terceirização que hoje demonizou a Índia.
Isso não é novo. O pesado fardo de atrocidades japonesas durante a Segunda Guerra Mundial apagou efetivamente da memória popular americana a Lei de Imigração de 1924 e outras leis federais destinadas a excluir os japoneses e os chineses dos EUA, bem como as leis racistas estaduais, como Lei (coibindo a propriedade) de Terras (a estrangeiros) da Califórnia em 1913. Ao irromper a guerra, os americanos de origem japonesa foram expropriados e levados para campos de concentração. Earl Warren, procurador-geral da Califórnia, defendeu as medidas - o mesmo Earl Warren, que, uma década mais tarde, como presidente da Suprema Corte dos EUA, supervisionou a rejeição da doutrina "separados, mas iguais", base da segregação americana de seus cidadãos negros.

A histeria antijaponesa da década de 1980 caiu em solo fértil. Muita gente, nos EUA, temia que, assim como o século XIX tinha sido britânico e o século XX havia sido americano, o século XXI seria japonês. Mas, ao contrário dos britânicos ou americanos, os japoneses estavam, supostamente, ganhando terreno de forma nefasta, exportando para os EUA de forma agressiva e injusta, e excluindo as exportações americanas de seu mercado interno.
Praticamente toda a política comercial japonesa foi interpretada sob a pior luz possível. A propaganda foi bipartidária nos EUA, e com poucas exceções notáveis foi amplamente divulgada pela imprensa acrítica e pseudopatriótica do país. Recordo-me de Paul Samuelson, um agraciado com o prêmio Nobel - ao lado de John Maynard Keynes, sem dúvida o maior economista de seu tempo - comentando que a propaganda antijaponesa tinha ido tão longe que os críticos do Japão argumentavam que os japoneses curvam-se ao saudar os ocidentais para facilitar cortá-los na altura dos joelhos.
O efeito, sobretudo tendo em conta uma longa história de sentimento antijaponês, foi uma previsível onda de violência racista, inclusive a destruição de carros japoneses. O assassinato (a golpes de bastão de beisebol) de Vincent Chin, um chinês-americano confundido com um japonês, também repercutiu historicamente, ao lembrar um artigo pseudocientífico sobre como distinguir chineses de japoneses, que a revista "Life" publicou em dezembro de 1941.

A situação indiana nos EUA, hoje, é diferente, não há nenhuma bagagem de lembranças desagradáveis nas quais preconceito e violência possam prosperar. No entanto, como um cacto no deserto, o ódio pode prosperar com muito pouco.
Infelizmente, o governo do presidente dos EUA, Barack Obama, tem continuamente martelado o argumento da terceirização para a Índia como causa de perda de empregos americanos. Da mesma forma, o senador Charles Schumer, de Nova York, entregou-se à atividade de desancar o Japão, a China e a Índia - uma prática singularmente exemplar de truculência e ignorância em economia - ao passo que a senadora Barbara Boxer, da Califórnia, atacou sua mais recente adversária eleitoral, Carly Fiorina, por ter eliminado 30 mil postos de trabalho na Hewlett-Packard durante sua gestão da empresa. Na realidade, em um mundo altamente competitivo, a Hewlett-Packard conseguiu salvar 150 mil empregos, ao sacrificar 30 mil.

Na atual campanha eleitoral presidencial, o Partido Democrata está atacando o adversário republicano de Obama, Mitt Romney, pelos mesmos motivos capciosos, e uma mídia complacente avaliza o ataque sistemático dos democratas contra a Índia.

O resultado disso tem sido o de alimentar ressentimentos contra a Índia, que transbordam em violência ocasional. Grupos que se autodenominam "dot-busters" ("dot", em alusão às empresas dotcom, ou pontocom) atacaram mulheres indianas. Quando escrevi a favor de um comércio mais livre e liberdade para a imigração, fui denunciado como sendo um "nigger curry" ("negro" curry [tempero indiano]).

Aliás, o governo Obama "ajudou", nesse aspecto, por atribuir à Índia a culpa pelo fracasso da Rodada Doha de negociações comerciais multilaterais. Fora dos EUA, é bem sabido que o próprio Obama liquidou com Doha. A noção de que "nós estamos abertos e os outros estão fechados", uma crença acalentado pelos políticos e pela mídia americana - um artigo de fé do atual governo americano - também alimenta a noção de que países como a Índia são maus comerciantes internacionais, assim como os japoneses em 1980.

Grande parte do mundo esperava um comportamento mais sofisticado por parte de Obama. Infelizmente, ele baixou o nível muito mais do que o esperado. (Tradução de Sergio Blum)



Jagdish Bhagwati é professor de economia e direito na Columbia University e membro associado em questões de economia internacional do Council on Foreign Relations. Foi copresidente do Grupo de Especialistas de Alto Nível em Comércio Exterior, indicado pelos governos do Reino Unido, Alemanha, Indonésia e Turquia. Copyright: Project Syndicate, 2012.



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