sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O conservadorismo fiscal dos EUA



Por Simon Johnson - Valor 24/08

Na maioria dos países, ser "fiscalmente conservador" significa preocupar-se muito com o déficit orçamentário e a dívida pública - e pressionar para que essas questões sejam levadas ao topo da agenda de políticas governamentais. Em muitos países da zona euro, hoje, os "conservadores fiscais" são um grupo poderoso que insiste na necessidade de aumentar a receita dos governos e colocar os gastos sob controle. No Reino Unido, também, importantes conservadores recentemente mostravam-se dispostos a aumentar os impostos e tentaram limitar gastos futuros.

Os EUA são muito diferentes, a esse respeito. Lá, os líderes políticos que optam por denominar-se "conservadores fiscais" - como Paul Ryan, agora presumível candidato do Partido Republicano à vice-presidência ao lado do candidato presidencial Mitt Romney na disputa em novembro - preocupam-se mais com cortes de impostos, independentemente do efeito sobre o déficit federal e a dívida total. Por que os conservadores fiscais americanos importam-se tão pouco com a dívida pública, em comparação com seus colegas de outros países?

Não foi sempre assim. Por exemplo, em 1960, os assessores do presidente Dwight D. Eisenhower sugeriram que ele deveria cortar impostos com o objetivo de preparar o caminho para seu vice-presidente, Richard Nixon, ser eleito para a presidência. Eisenhower não o fez, em parte porque ele particularmente não gostava nem confiava em Nixon, mas principalmente por que ele acreditava ser importante entregar um orçamento mais quase equilibrado a seu sucessor.
O arcabouço da política macroeconômica americana mudou drasticamente quando o sistema monetário internacional quebrou em 1971. Os EUA já não podiam manter um câmbio fixo entre o dólar e o ouro - a pedra angular do sistema de Bretton Woods, implementado no pós-guerra. O esquema entrou em colapso porque os EUA não quiseram apertar a política monetária e executar uma política fiscal mais restritiva - manter os eleitores americanos felizes era, compreensivelmente, mais importante, para o presidente Nixon, do que a manutenção de um sistema mundial de câmbio fixo.

Ironicamente, porém, em vez de minar o papel internacional predominante do dólar, o fim de Bretton Woods, na realidade, impulsionou o uso da moeda americana em todo o mundo. Muito tem sido escrito, e muita preocupação tem sido manifestada, sobre o declínio do dólar nas últimas quatro décadas, mas a verdade é que os volumes de ativos denominados em dólares americanos em poder de estrangeiros, hoje, são muito maiores do que em 1971.

Isso acaba por ser uma faca de dois gumes, porque permitiu que os EUA se tornassem menos cuidadosos com suas contas fiscais. Estrangeiros já detêm cerca de metade de toda a dívida do governo federal dos EUA, e estão dispostos a mantê-la (em suas reservas) apesar de proporcionar um retorno muito baixo em dólares (e até mesmo quando o dólar se desvaloriza).

Na realidade, sempre que o mundo parece instável, os investidores querem manter mais ativos em dólares em seu poder - mesmo quando os EUA são a causa da instabilidade. Quando grandes bancos americanos estão em apuros ou quando os americanos envolvem-se em mais um debilitante embate político sobre suas finanças públicas, os investidores em todo o mundo disputam a posse de títulos do Tesouro americano. O embate parlamentar no ano passado sobre o teto da dívida federal pode ter custado aos EUA sua classificação AAA de dívida soberana atribuída pela Standard & Poor's, mas os custos de financiamento do governo federal estão na realidade mais baixos, agora, do que então.

O que fizeram os EUA com essa oportunidade: possivelmente o mais baixo custo de financiamento na história da humanidade? Não muito, em termos de investimento produtivo, de fortalecimento da educação ou de manutenção da infraestrutura essencial. Mas os EUA têm feito muita coisa em termos de adoção de cortes de impostos que aquecem o consumo em relação à renda e reduzem as receitas do governo em relação à despesa. Esse é o legado duradouro dos cortes "temporários" de impostos adotados pelo governo de George W. Bush no início de 2000.

E os americanos mudaram bastante, em termos de filosofias políticas - tanto à direita como à esquerda - que consideram a dívida pública apenas como um detalhe desimportante. Ou, como disse o ex-vice-presidente Dick Cheney, "Reagan nos ensinou que os déficits não importam" - querendo dizer que Ronald Reagan cortou impostos, incorreu em déficits maiores e não sofreu quaisquer consequências políticas adversas.

Ryan e membros da ala "Tea Party" do Partido Republicano sem dúvida querem reduzir o tamanho do governo federal, e eles têm planos articulados para fazer isso ao longo de várias décadas. Mas no curto prazo, o que prometem são, principalmente, cortes de impostos: seu programa inteiro, do ponto de vista prático, é carregado, em curto-prazo, nessa direção. O cálculo político é que isso se revelará popular (o que é, provavelmente, verdadeiro), ao mesmo tempo em que facilitará implementar cortes de gastos mais à frente (o que é menos evidente). A vulnerabilidade criada pelo aumento da dívida pública ao longo das próximas décadas é simplesmente ignorada.

Por exemplo, Ryan apoiou farra de gastos de George W. Bush. Ele também defende a manutenção dos gastos com a defesa em, ou perto de, seu nível atual - resistindo aos cortes que foram postos em vigor pela Lei de Controle do Orçamento de 2011.

O pressuposto aqui - não declarado e altamente questionável - é que os EUA serão capazes de vender uma quantidade ilimitada de dívida pública a juros baixos num futuro previsível. Não há nenhum outro país no mundo onde os conservadores fiscais gostariam de se verem associados a uma aposta de tão alto risco. (Tradução de Sergio Blum)



Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia www.BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You" (Casa Branca em chamas: os pais fundadores, nossa dívida nacional e por que isso é importante para você, em inglês), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2012.



www.project-syndicate.org

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