quarta-feira, 4 de julho de 2012
Enfim um passo na direção certa
Por Martin Wolf - Valor 04/07
Durante esse último encontro de cúpula da região do euro eu me encontrava em Ischia, na costa de Nápoles. Muitos dos italianos presentes à premiação de jornalismo de Ischia deste ano acharam que a Itália havia conquistado duas vitórias sobre a Alemanha: uma no futebol, na Eurocopa; e outra na economia, na cúpula europeia. Veio, então, a final contra a Espanha. Quanto da euforia com a reunião europeia restará daqui a alguns meses? Acredito que a resposta seja: um pouco, mas não tanto assim. O 19º encontro de cúpula foi melhor do que muitas das decepcionantes reuniões anteriores. O jogo, contudo, ainda não mudou.
Foram adotadas medidas úteis. A mais importante foi o acordo para permitir que os fundos de auxílio financeiro da região do euro recapitalizem diretamente bancos subcapitalizados, em vez de fornecer os recursos via governos vulneráveis (algo particularmente vantajoso para a Espanha e muito vantajoso para a Irlanda), e para comprar bônus soberanos no mercado (vantajoso para a Itália e Espanha). Também foi acertado que os empréstimos dos fundos de resgate não terão garantia preferencial em relação aos empréstimos já existentes, o que deverá reduzir o risco de pânico entre as instituições de crédito. Os líderes europeus também acertaram um pacote de €120 bilhões com medidas para promover o crescimento econômico. Sob o princípio de que o apoio deve vir acompanhado de controle, o Banco Central Europeu (BCE) passará a ser responsável por um novo sistema de supervisão bancária europeu, um passo em direção ao que os protagonistas esperam que seja uma genuína união bancária.
O que é ainda mais importante, no entanto, é o que não foi acertado. Entre os itens nessa lista estão aumentos nos recursos disponíveis (ainda limitados a €500 bilhões) para o Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM); qualquer tipo de bônus conjunto da região do euro; e um regime de liquidação de bancos ou de garantia de depósitos que englobe toda a região do euro. Além desses itens, ainda há o desafio de reequilibrar a competitividade dentro da região do euro, que continuará imenso e, na melhor das circunstâncias, por muito tempo. Vale ressaltar que, por enquanto, o BCE não tem intenção de ser comprador de última instância de bônus soberanos.
O elemento positivo mais importante, portanto, é o avanço em direção a romper os elos mutuamente destrutivos entre bancos e governos. É um passo em direção ao equivalente da região do euro para o programa governamental de recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês), dos Estados Unidos. Uma consequência terá de ser tomar a responsabilidade de supervisão das mãos dos governos nacionais. O resultado será um enorme aumento dos poderes do BCE. Ao mesmo tempo, é apenas um passo bem curto rumo a uma união bancária plena, que exigiria um suporte fiscal maior do que qualquer um disponível atualmente. Espanhóis e italianos racionais ainda não podem considerar os euros depositados em seus bancos tão seguros quanto os que estão nos bancos alemães, em grande parte porque persistem os altos riscos de insolvência e de separação.
Paralelamente, o pacote de crescimento, que em parte é ilusório e presumivelmente será distribuído durante alguns anos, é mera bagatela. Representa pouco mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) da região do euro. A decisão de deixar os fundos de socorro financeiro comprarem títulos de dívidas governamentais no mercado é ainda menos significativa e poderia mostrar-se destrutiva, como o economista belga Paul de Grauwe, agora na London School of Economics, argumentou em recente artigo *.
Os títulos por vencer da Itália e Espanha somam cerca de € 2,8 trilhões, pouco menos que seis vezes o tamanho do ESM. Sabe-se muito bem, a partir do trabalho do vencedor do Nobel, Paul Krugman, sobre crises cambiais, que especuladores podem apostar com segurança contra fundos que sabem ser pequenos demais para estabilizar o mercado. O único estabilizador confiável é uma entidade com poder de fogo infinito. No caso das finanças soberanas dentro da região do euro, a única entidade capaz de proteger um país contra fugas autorrealizáveis de suas dívidas soberanas é o BCE. Como o BCE não está disposto a atuar nesse papel e os líderes europeus não estão dispostos a dar ao ESM poderes para forçar a autoridade monetária a fazer isso, essas propostas equivalem a soprar contra os ventos financeiros. Os mercados podem ter concluído isso: embora a diferença de rendimento entre os bônus tenha caído, ainda continua perigosamente elevada.
O que faz os acordos parecerem potencialmente mais significativos do que o seu valor de face, entretanto, é o seguinte: primeiro, houve progresso real em direção a um maior grau de integração; e, segundo, uma coalizão formada entre França, Itália e Espanha. A coalizão indica que a dinâmica política da região do euro pode ter se alterado com a ascensão ao poder de François Hollande. Uma verdadeira união fiscal e bancária exigiria um senso de solidariedade muito maior do que agora existe.
Em sua essência, então, são passos curtos, incapazes de alcançar as três condições necessárias para acabar com a crise: a separação definitiva entre bancos e governos; o financiamento, sob condições administráveis durante longos períodos de ajuste e retração dos governos mais enfraquecidos; e, acima de tudo, a retomada do crescimento econômico saudável.
Não sejamos rabugentos: a decisão de permitir que o ESM recapitalize os bancos de forma direta, possivelmente, é muito importante, tanto por si só como pelo que prenuncia. Poderia transformar a situação na Irlanda. Ainda assim, o maior perigo é que a economia da região do euro se deteriore rápido. O índice de desemprego na região do euro chegou a 11,1% em maio, o maior já registrado. Ainda pior, além de sua recusa em intervir no mercado de dívidas soberanas na escala necessária, o BCE está irremediavelmente atrasado na adoção das medidas monetárias necessárias. Com a austeridade golpeando os países mais vulneráveis, todos estão sentindo as dores: nem a Alemanha está imune ao mau momento econômico de seus maiores parceiros comerciais. É concebível a ideia de que a região do euro tenha de ficar às voltas por muitos anos com essa guerra de trincheiras. Os custos - não apenas econômicos, mas também políticos -, no entanto, provavelmente serão enormes.
Sim, a região do euro precisa de uma nova constituição. A prioridade, contudo, é voltar a colocar as economias em movimento. Até lá, persistem os riscos de novas crises. (Tradução de Sabino Ahumada)
* "Why the EU summit decisions may destabilise government bond markets" (por que as decisões dos encontros de cúpula da UE podem desestabilizar os mercados de bônus governamentais, em inglês), www.voxeu.org.
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário