segunda-feira, 23 de julho de 2012
A união bancária na Europa
Por Jairo Saddi - Valor 23/07
Herman van Rompuy foi na adolescência um fã ardoroso de Elvis Presley. "If I can dream", célebre canção de Earl Brown escrita especialmente para Elvis, por volta de 1968, afirma a certa altura que "estamos perdidos numa nuvem espessa de chuva, estamos presos num mundo perturbado pela dor" ("We're lost in a cloud / with too much rain / we're trapped in a world / that's troubled with pain"). Nada mais profético para o atual adulto Herman van Rompuy, belga que hoje ocupa a presidência do Conselho Europeu, órgão executivo (mas não legislativo), que, por força do Tratado de Lisboa, de 1º de dezembro de 2009, define as orientações e prioridades políticas gerais da União Europeia.
No fim do mês passado, Rompuy preparou um relatório intitulado "Rumo a uma verdadeira união econômica e monetária", em que procura apresentar o que denominou de uma "visão para o futuro" da Europa, com o objetivo de "contribuir para o crescimento, o emprego e a estabilidade". Para sua elaboração, baseou-se em temas financeiros, questões orçamentárias fiscais e políticas econômicas. Na área financeira, defende uma supervisão bancária, um sistema de seguro de depósito e um arcabouço regulamentar supranacional, com o objetivo de enfrentar a gravíssima crise de confiança bancária que assola a Europa.
O relatório é mais amplo. Há quatro elementos nas suas premissas: a) um quadro financeiro integrado para garantir a estabilidade financeira na área do euro - tema deste artigo -; b) uma política orçamentária consolidada com metas fiscais e emissão comum de dívida; c) uma política econômica integrada; d) mudanças no processo decisório político, sem afetar os princípios basilares de democracia e soberania já existentes. Como os outros temas são ainda mais polêmicos e distantes, o foco do debate acabou por se centrar na discussão da união bancária e de suas premissas organizadoras
Sob o manto de um "quadro financeiro integrado", a União Bancária Europeia parte de três pressupostos centrais. Primeiro, aprender lições com a crise financeira atual, que demonstrou deficiências estruturais no quadro institucional da estabilidade financeira na área do euro, conforme o relatório, "atendendo à acentuada interdependência resultante da moeda única". Segundo, o regulador a implementar essa União deve estar ligado ao Banco Central Europeu (BCE) e ao European Banking Authority (EBA), instituições já existentes e reguladoras, mas que, por exemplo, ainda não têm qualquer competência de supervisão. Finalmente, não há qualquer intenção de a União Bancária Europeia não abranger a unidade e a integridade do mercado único no domínio dos serviços financeiros de todos os Estados-membros.
Todas as demais consequências de uma União Bancária daí decorrem: arsenal único de regras, supervisão bancária única e quadro comum de garantia de depósitos e de resolução, mesmo que, em cada caso, possa existir uma vertente europeia e uma vertente nacional, sendo a vertente europeia a última instância de responsabilidade.
Inicialmente, o tema da supervisão apresenta dificuldades formidáveis. Não há qualquer garantia de que um sistema como esse assegure a eficácia da supervisão dos bancos em todos os Estados-membros. A redução da probabilidade de falência dos bancos espanhóis, por exemplo, maior desafio atual, depende muito mais da concordância de países como a Alemanha do que da adesão unânime dos chamados países periféricos, e construir fundos conjuntos para garantia de depósitos pode ser uma conta inviável, estimada por Simon Samuels, analista do Barclays, em cerca de US$ 14 trilhões. Medidas de resolução prudencial dos bancos sujeitos à supervisão europeia, "a fim de [realizar] uma liquidação ordenada de instituições não viáveis e desse modo proteger os fundos dos contribuintes", também estão sujeitas aos regimes jurídicos locais e aos diferentes sistemas judiciários, que têm poucos denominadores em comum.
Outra proposta na mesma seara é o recém-criado "Mecanismo Europeu de Estabilidade", que poderá constituir a rede de segurança orçamental para a autoridade de garantia de depósitos e de resolução, passo inicial para a União Bancária. Aqui, enquanto as intenções parecem melhores, a construção é igualmente problemática. Por exemplo, qual país aceitaria reduzir políticas de crédito habitacional em épocas de crise (e de ativos deprimidos) em prol de uma estabilidade coletiva distante e cujo resultado pode afetar votos eleitorais incertos? Ou, ainda, será que países como a Inglaterra, que exportam serviços financeiros (e, portanto, regulatórios), estão dispostos a abrir mão de receitas para favorecer o bem comum?
Como diria Elvis, na canção apreciada por Rompuy, para questões como as que a união bancária apresenta: "No fundo do meu coração há uma pergunta ansiosa; mas estou certo de que a resposta virá de alguma forma".
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de Direito do Insper
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