sexta-feira, 6 de julho de 2012

Capitalismo (de novo) em crise




Por Samuel Brittan - Valor 06/07

"As pessoas da mesma profissão raramente se reúnem, seja para festejos ou diversão, mas quando isso ocorre, a conversa sempre termina em uma conspiração contra o público ou em algum artifício para aumentar preços. É, de fato, impossível impedir tais reuniões com qualquer lei que possa ser executada e que, ao mesmo tempo, seja consistente com a liberdade e justiça. Mas, embora a lei não possa impedir as pessoas da mesma profissão de se reunirem de vez em quando, não deve fazer nada para facilitar tais encontros e muito menos torná-los necessários." Adam Smith, A riqueza das nações

Sendo um dos poucos comentaristas que sempre defendeu o capitalismo de mercado competitivo, preciso perguntar-me algumas questões. Além dos escândalos como o da manipulação da taxa interbancária do mercado de Londres (Libor), tivemos o comportamento dos bancos antes da grande recessão; a tendência a uma concentração muito maior de renda e riqueza, espremendo os padrões de vida dos cidadãos comuns; e seria possível continuar com muito mais. Se alguém, no entanto, estiver esperando que eu faça uma convocação a favor de uma maior participação e supervisão do Estado, ficará desapontado.

Encabeçando os argumentos pelos mercados competitivos está a promoção à liberdade de escolha. Também ajudaram a gerar o maior aumento de riqueza na história da humanidade. Em sua forma ideal, têm uma tendência igualitária. Não uma igualdade literal de condições ou mesmo de oportunidades, mas uma tendência a que rendas excepcionalmente grandes sejam corroídas por novos participantes e a criar escadas que os mais ambiciosos podem subir. Isso, às vezes, é chamado de "o sonho americano", mas sua atratividade não é limitada geograficamente. Existiram vários esboços para uma economia de mercado não capitalista, mas apesar de alguns êxitos de cooperativas de trabalhadores, enquanto sistemas econômicos, eles continuaram apenas como esboços.

O que, então, saiu errado? Em termos gerais, é difícil ir além de Adam Smith. Poucos de nós gostam de concorrência; e a tendência a formar grupos coesos para manter forasteiros à margem é tão antiga quanto a raça humana. Como exemplo pré-capitalista, basta lembrar-se das guildas medievais, seja de artesãos ou de mestres-cantores. Mais sutis são as práticas de banqueiros, já que vêm disfarçadas como serviços para os clientes. Em resumo, o sucesso depende mais de quem se conhece e não do que se conhece. Daí os termos "capitalismo clientelista ou de compadres".

Um exemplo pungente é mostrado por Luizi Zingales, em seu recente livro, "A Capitalism for People" (Um capitalismo para as pessoas, em inglês). Ele foi aos Estados Unidos para escapar do capitalismo de compadres em sua Itália natal, onde as perspectivas dependiam quase inteiramente de ter os contatos adequados e de não perturbar as autoridades. Depois de 24 anos nos Estados Unidos, no entanto, ele está angustiado por ter encontrado uma nova versão de capitalismo clientelista alcançando-o lentamente. Os negócios modernos são complexos demais para permitir que muitos outros Henry Ford ou Bill Gates conquistem seu caminho. Também está a "captura" dos órgãos de regulamentação por aqueles que supostamente deveriam ser fiscalizados. Tudo isso, contudo, é auxiliado e instigado pela corrupção do sistema político, com um dos exemplos mais graves sendo a recente decisão da Suprema Corte dos EUA de conceder direitos quase ilimitados para intervenções de empresas no processo eleitoral.

Vou me arriscar a entrar em polêmica ao destacar que vejo processos similares, embora mais sutis, na União Europeia (UE). Um grupo, de políticos e autoridades que selecionam a si próprios, promoveu uma forma de integração burocrática e intrusiva, na qual os integrantes raramente consultam seus eleitorados. O que todas as formas de clientelismo têm em comum é a paixão pelo sigilo e o ódio pelas discussões abertas. A primeira vez que vi isso foi com as tentativas oficiais para abafar as discussões sobre a possibilidade de desvalorização no Reino Unido antes de 1967, ano em que isso acabou acontecendo. Mais recentemente, no entanto, me deparei com o mesmo quando um diretor de um dos vários órgãos bancários da UE, em geral, muito sensato, me disse sob completo sigilo que qualquer ruptura do euro era inimaginável e indiscutível.

A mais interessante das reformas sugeridas por Zingales é a redução em complexidade. A "reforma" financeira com a lei Dodd-Frank nos EUA em 2010 tinha 2.139 páginas e ficou popularmente conhecida como a "Lei do Pleno Emprego para Advogados e Consultores". A complexidade serve para esconder as lacunas. E não se pode esperar que nenhum político goste da proposta de Zingales de abolir todos os subsídios a setores produtivos. Medidas para limitar os grupos lobistas são tão importante quanto.

O maior obstáculo para a reforma é que os envolvidos podem devotar tempo e energia para manter suas posições. Para os cidadãos comuns, a reforma política é um espetáculo secundário que dificilmente compensa esses esforços. Os protestos nos centros financeiros têm boas intenções, mas são tentativas mal direcionadas para anular essa propensão.

Ainda assim, "nil desperandum", nunca se desespere. As "leis do milho" no Reino Unido foram derrubadas e as leis antitruste nos EUA, aprovadas; e, com o tempo, tanto financistas como "eurocratas" serão derrubados. (Tradução de Sabino Ahumada)



Samuel Brittan é comentarista econômico do FT desde 1966. Foi condecorado cavaleiro em 1993 por "serviços ao jornalismo econômico", mesmo ano em que se tornou "Chevalier de la Legion d'Honneur".


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