segunda-feira, 30 de julho de 2012

A natureza da estagnação brasileira



Por José Luis Oreiro - Valor 30/07

Os dados divulgados recentemente pelo Banco Central confirmam a continuidade do estado de semi-estagnação da economia brasileira que eu havia mencionado num artigo publicado em janeiro deste ano no Valor ("O retorno à semi-estagnação"). Naquela ocasião eu havia argumentado que essa semi-estagnação era o resultado de um processo de natureza estrutural que vem se desenvolvendo na economia brasileira nos últimos anos, ou seja, a desindustrialização.

Dessa forma, o retorno a taxas de crescimento mais robustas exigem a adoção de políticas que induzam a mudança estrutural da economia brasileira com vistas ao aumento da participação da indústria de transformação no PIB. As políticas keynesianas tradicionais de estímulo a demanda agregada não são a forma mais adequada de se induzir esse processo, pois o problema fundamental da economia brasileira atualmente não é "encher de ar quente um balão semi vazio", mas sim mudar a natureza do material usado na confecção do mesmo. Em outras palavras, o problema fundamental de nossa economia é mudar a composição da demanda agregada em direção a bens tradeables, em vez de aumentar ainda mais o nível de demanda. A validade dessa afirmação fica comprovada pela simples inspeção da figura ao lado.

Nessa figura observamos a evolução da média móvel dos últimos 12 meses da taxa de desemprego (RM) e do grau de utilização da capacidade produtiva da indústria entre fevereiro de 2004 e abril de 2012. No início do período em consideração o grau de utilização da capacidade produtiva era relativamente baixo e a taxa de desemprego era bastante elevada.

Nessas condições, a economia brasileira operava como um "balão semi-vazio" de tal forma que o problema econômico fundamental era criar demanda agregada para induzir um maior nível de utilização tanto do capital como da força de trabalho. Isso foi obtido por intermédio da adoção de um modelo de crescimento do tipo "finance-led" no qual a expansão do crédito bancário, aliada a um aumento moderado da renda salarial, estimula um forte crescimento dos gastos de consumo das famílias, gerando assim a demanda agregada requerida para viabilizar um uso mais intenso dos recursos produtivos existentes.

O problema é que esse modelo de crescimento dá sinais inequívocos de esgotamento. Com efeito, no período analisado constata-se uma tendência de redução da taxa de desemprego e de aumento do grau de utilização da capacidade produtiva. Apesar da desaceleração recente do crescimento, essas variáveis encontram-se em patamares tais que é pouco provável a continuidade do crescimento por intermédio da simples expansão da demanda de consumo. Dificilmente a taxa de desemprego poderá cair muito abaixo de 5% da força de trabalho, além do que um grau de utilização da capacidade produtiva em torno de 82 a 85% parece ser o nível "normal" de longo prazo. Sendo assim, o espaço para a continuidade do crescimento com base na expansão da demanda de consumo é muito restrito.

A retomada do crescimento em bases sustentáveis exige um aumento combinado da capacidade produtiva e da taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Isso pode ser obtido se a demanda agregada for direcionada para aquele setor de atividade econômica que é a fonte dos retornos crescentes de escala e do progresso tecnológico na economia, qual seja, a indústria de transformação. Isso exige que a política econômica seja mudada com o objetivo de produzir uma mudança na composição da demanda agregada, reduzindo-se participação do consumo e aumentando-se a participação do investimento na demanda agregada. Para tanto, é necessária a continuidade do processo de desvalorização da taxa de câmbio, uma redução maior do custo do capital e um aumento significativo do investimento público em infraestrutura.

Estimular o consumo por intermédio de reduções semi-permanentes de impostos e estímulos ao aumento do endividamento das famílias são contrários ao que se deve fazer para restabelecer o dinamismo da economia brasileira. Cabe à presidente Dilma Rousseff a tarefa de ouvir as vozes daqueles que, embora critiquem a política econômica do seu governo, estão no mesmo campo político-ideológico que ela, a saber o novo-desenvolvimentismo.



José Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de Brasília. E-mail: joreiro@unb.br.

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