terça-feira, 31 de julho de 2012
Segundo Rabobank real pode ficar forte
Valor 31/07
O real tem se desvalorizado ante o dólar desde o segundo semestre do ano passado, mas os fundamentos ainda amparam a moeda brasileira, segundo o economista-chefe do Rabobank Brasil, Robério Costa. Para ele, a continuidade dos fluxos de investimento estrangeiro direto ao país é um dos principais fatores para a provável recuperação do real. No entanto, esse movimento será acompanhado de perto pelo governo, que agirá para defender a banda informal entre R$ 2,00 e R$ 2,10. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: A tendência de valorização do real permanece?
Costa : Certamente. Um dos motivos para isso é que, na parte do investimento direto, não estamos sendo fortemente afetados. Isso acontece porque o capital precisa ser rentabilizado de alguma forma. E se as multinacionais vão querer alocar esse capital em alguma região certamente não é naquela que está mais vulnerável à crise. Fazer expansão na Europa nos próximos cinco, dez anos, parece loucura. Então o investidor vai procurar os países que têm potencial de crescimento. Mesmo a gente fraquejando agora, o horizonte do Brasil é muito melhor. Portanto, esse tipo de capital (IED) tende a continuar forte. No caso da renda fixa, por exemplo, qual é a alternativa? Você vai aplicar num título da Espanha? Da Itália? Da Alemanha, que rende zero? Ou num título brasileiro que rende cerca de 7%?
Valor: O Brasil ainda vive um regime de câmbio flutuante? Pode-se falar em política de intervenção?
Costa : O câmbio flutuante puro ninguém tem. O Japão intervém no câmbio, a Suíça... e o governo brasileiro atua quando acha que é conveniente. Antes havia um embate entre Fazenda e Banco Central, hoje você vê um alinhamento. Embora as duas partes estejam agindo juntas, eu não chamaria isso de política de intervenção, mas sim de decisão de tomar medidas diversas. Pode ser via instrumentos legais, como o aumento de IOF, pode ser por swap, pode ser por compra de dólares no spot, pode ser até verbal. Isso ficou bem claro quando o Aldo [Mendes, diretor de política monetária do BC] veio e falou que o dólar abaixo de R$ 2,00 não é bom para a indústria. É uma forma de ele dizer que há um risco considerável de se vender dólar. Isso reforça a ideia de que foi criada uma espécie de "banda cambial", uma faixa na qual o BC se sente confortável com o dólar. E dito do jeito que foi pelo Aldo Mendes dá para acreditar que abaixo de R$ 2,00 é provável que aconteça alguma outra ação para puxar o dólar para cima.
Valor: Mas isso é garantido?
Costa : Não, porque existem outras forças que podem mudar as circunstâncias. A crise lá fora, de uma hora para outra, pode criar um cenário novo, o próprio fluxo de dinheiro para o Brasil também pode alterar esse jogo, para cima ou para baixo. Se houver um encaminhamento da solução na Europa de tal modo que o mercado desarme, haveria fluxo de dólares ao Brasil, que o BC teria que fazer muito malabarismo para conter. Aí a discussão da banda poderia mudar. Por enquanto, entre R$ 2,00 e R$ 2,10 é confortável. Muito acima tem o problema da inflação, muito abaixo incomoda a indústria. Essa banda não é ilegítima. É uma decisão de governo. Enquanto houver essa determinação, dificilmente o dólar vai para baixo.
Na incerteza essencial, a saída é o Estado
Por Antonio Delfim Netto - Valor 31/07
A primeira coisa que um economista tem que aprender é que, a despeito do que dizem os mais sofisticados e artificialmente matematizados livros de microeconomia, o homem-indivíduo não existe.
Só existe a "rede" de relações em que está imerso no universo econômico, controlado pelas instituições que ele mesmo foi "descobrindo" ao longo de sua história para a sua subsistência material (alimento, vestimenta e abrigo): o Estado e o mercado. O primeiro garante as condições de um razoável funcionamento do segundo, impondo-lhe normas de comportamento em troca da garantia de sua existência.
Os dois polos dessa organização foram evoluindo lentamente para uma combinação que permita - agora sim - ao homem-indivíduo gozar crescentemente de valores que aprecia: 1) sua liberdade de escolha e a apropriação dos benefícios que dela eventualmente decorram; e 2) o uso relativamente eficiente de seu esforço para produzir os bens e serviços de que necessita para o seu bem-estar. Essa "necessidade" aumenta naturalmente por uma disposição psicológica. É a "eficiência" que lhe proporciona maior tempo livre para procurar sua humanidade.
Não há leis naturais na economia e não existe equilíbrio de longo prazo que possa determinar a combinação ótima da relação Estado versus mercado. A história mostra que um Estado constitucionalmente controlado, suficientemente forte para impor regulação aos mercados (particularmente ao financeiro), parece ser uma combinação razoável, que permite um aumento da quantidade de bens e serviços com os recursos sempre escassos de que dispõem as sociedades.
A antinomia Estado versus mercado é disfuncional. Mas há mais. Há um terceiro valor que o homem-indivíduo inserido nas relações econômicas procura, além da liberdade e da eficiência: uma preferência pela relativa igualdade. Inserido na "rede", ele aparentemente tem maior alegria quando suas relações se realizam com membros em condições próximas às suas.
O problema é que essa maior igualdade não pode ser obtida pelo funcionamento dos mercados. Esses combinam liberdade individual com eficiência individual, mas, por serem altamente competitivos, estimulam a desigualdade. Estudos empíricos sugerem que a partir de certo ponto essa desigualdade é também disfuncional com relação à eficiência coletiva.
Há, por outro lado, um fato empiricamente bem comprovado. Os mercados, apesar de suas virtudes, têm um problema sério: são inerentemente instáveis. A ilusão criada pela teoria neoclássica, que os economistas tinham descoberto políticas econômicas que tornavam as crises "obsoletas" (como afirmou um prêmio Nobel em 2003!), foi enterrada "à la lumière des flambeaux" na crise de 2007...
Dois fatos: 1) a possibilidade que o mercado possa produzir um nível de desigualdade não funcional; e 2) o fracasso da ideia que tínhamos entrado num período de "grande moderação", por conta das políticas econômicas fiscal, monetária e cambial desenvolvidas nos últimos 30 anos, deixou claro que a economia é um tipo de conhecimento muito complexo. Ele está longe de poder ser dominado pelo cientificismo produzido pela inveja da física, que encantou alguns economistas.
O papel fundamental de um Estado constitucionalmente controlado transcende - e muito - o de ser o "garante" das instituições que permitem aos mercados serem instrumentos úteis (indispensáveis, mesmo) para o desenvolvimento social e econômico. Ele é o único instrumento capaz de, em condições especiais e com medidas corretas, eventualmente, corrigir as flutuações do emprego e da produção, quando os agentes sociais congelam diante da incerteza absoluta.
É importante entender que essa incerteza não é do tipo do risco atuarial, que tem uma história e ao qual pode aplicar-se o cálculo das probabilidades. É a incerteza essencial à qual se referia Keynes, do tipo: o que será a eurolândia daqui a cinco anos? É a incerteza produzida pelo fato que o passado não tem qualquer informação sobre o futuro. Alguém acha que o destino da União Monetária Latina no século XIX pode nos informar como terminará a União Econômica Europeia no século XXI?
Quando isso acontece, destrói-se a "rede" social, porque desaparece o seu elemento essencial: a confiança mútua. Termina instantaneamente o crédito interbancário e com ele destrói-se parte da demanda global do setor privado. Para sustentar o nível de emprego e de renda, só resta tentar substituí-la pela demanda pública. O consumo é a parte mais importante da demanda e mais resistente à flutuação do PIB principalmente pelas medidas anticíclicas da política fiscal. O investimento é menor, mas é mais volátil, porque depende da expectativa do futuro e da possível taxa de retorno (o lucro esperado) que são mortalmente atingidos pela incerteza.
Nessa circunstância, só o investimento público pode socorrer a economia, porque ele amplia a demanda e, ao mesmo tempo, a capacidade produtiva. Para não comprometer o equilíbrio fiscal, o melhor é realizá-lo através do setor privado, com concessões e parcerias com taxas de retorno adequadas e descentralizá-lo para obter um efeito mais rápido e generalizado, como parece ser a atual tentativa de cooptação dos Estados e dos municípios.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
segunda-feira, 30 de julho de 2012
Desaquecimento da economia salvou Brasil de enfrentar um novo apagão
Por Daniel Rittner - Valor 30/07
De Brasília
O atraso na construção de 35 usinas térmicas outorgadas a dois grupos com pouca experiência no setor elétrico - a Bertin e a Multiner - só não levou o país a uma crise de abastecimento por causa da forte desaceleração da economia brasileira desde o ano passado. Basta uma olhada rápida nos números para ter ideia da dimensão do problema.
Todas essas térmicas, movidas a óleo ou a gás natural, deveriam entrar em operação entre janeiro de 2010 e janeiro de 2013. À medida que começassem a funcionar, aumentariam a oferta de energia em até 4.265 megawatts (MW) médios, volume superior à produção somada das hidrelétricas do rio Madeira - Santo Antônio e Jirau -, em Rondônia.
Nada disso obedece ao cronograma estabelecido nos leilões, obrigando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a mexer no planejamento do que está ou não disponível para ser acionado. Nas estimativas do ONS, que balizam todos os preços praticados no setor, só 2.497 MW médios (quase 60% de todo o volume efetivamente contratado) realmente devem sair do papel.
O problema é que, segundo analistas respeitados de mercado, essa projeção ainda é bastante otimista. A consultoria PSR calcula que apenas 784 MW médios têm chances reais de entrar em operação. Mesmo assim, mais da metade disso só deve se transformar em oferta de energia a partir de janeiro de 2014, com a conclusão de duas térmicas que foram vendidas pela Bertin à MPX.
"O Brasil foi salvo pela recessão", diz Jorge Trinkenreich, diretor da PSR. Como o aumento da demanda tem crescido bem menos do que o esperado, o atraso na construção das usinas gerou menos dor de cabeça e até causou um problema curioso: as distribuidoras ficaram sobrecontratadas, ou seja, o consumo está abaixo do que imaginavam e elas agora têm energia demais em mãos. "Parece que o país gosta de viver perigosamente", ironiza o especialista, retomando a seriedade em seguida e frisando que a confusão não deve ser celebrada.
Por incrível que pareça, a revogação das autorizações para a Bertin construir suas térmicas - independentemente da adoção de penalidades pela Aneel - pode até resolver a situação das distribuidoras. Elas continuam sobrecontratadas. Com a revogação, reverte-se em grande parte o problema e abre-se espaço para a realização de um novo leilão de projetos novos (A-3) até o fim deste ano, segundo o diretor da agência Julião Coelho.
BARRY EICHENGREEN: COMO A HISTÓRIA ASSOMBRA O EURO
BARRY EICHENGREEN: COMO A HISTÓRIA ASSOMBRA O EURO E COMO O BC DO BRASIL ENSINA AO MUNDO COMO UM BC COMPETENTE DEVE AGIR
21:14 BARRY EICHENGREEN: COMO A HISTÓRIA ASSOMBRA O EURO
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,como-a-historia--assombra-o-euro-,907453,0.htm
Depois de passar boa parte da semana no Brasil, tive a impressão de que havia um único assunto na cabeça dos meus interlocutores: a crise na Europa. É difícil ser encorajador. Não há muito que o Brasil possa fazer para se isolar da crise na zona do euro. A saída da Grécia e a crescente intensidade das ondas de choque financeiras irradiadas a partir da Europa estão se aproximando, e não há muito que possamos fazer quanto a isto. O melhor conselho, que não chega a ser muito útil, é fechar bem as escotilhas, pois teremos mares agitados pela frente.
Na verdade, minhas conversas no Brasil levantaram uma questão importante a respeito da crise na Europa. É claro que a Europa tem muitos problemas. O continente vive uma crise de endividamento, uma crise bancária, uma crise de competitividade e uma crise política. Mas alguns destes problemas têm sido desnecessariamente agravados pela falta de flexibilidade do Banco Central Europeu. O BCE tem sido lento no corte aos juros. Cortes nos juros implementados pelo BCE tornaria mais fácil o pagamento dos encargos das dívidas nacionais – principalmente se os cortes nos juros forem acompanhados pelo afrouxamento quantitativo, com o BCE comprando títulos no mercado secundário.
Além disso, a relutância do BCE em fazer cortes manteve a taxa de câmbio do euro demasiadamente fortalecida. Um câmbio mais fraco é exatamente o que a Europa precisa para começar a controlar seus problemas. Suas exportações se tornariam mais competitivas. Sua economia começaria a crescer. O crescimento tornaria mais fácil a restauração da confiança entre os países e entre os eleitoras, pré-requisito para a formação de um consenso quanto às medidas a serem adotadas.
Por fim, um afrouxamento quantitativo adicional por parte do BCE faria com que os preços começassem a subir. O custo dos produtos no Sul da Europa precisa cair em relação ao custo na Alemanha. Isto pode ser conseguido de maneira menos dolorosa por meio de uma inflação um pouco mais alta na Alemanha, somada a salários e preços mais estáveis no sul, em vez da estabilidade de salários e preços na Alemanha que implica a necessidade de cortes impossíveis nos países do sul.
Mas o BCE se recusa a adotar tais medidas. Tudo que vimos nos últimos meses foi um corte aleatório nos juros e nenhuma medida adotada com relação ao afrouxamento quantitativo. A situação se tornou tão ruim que até o Fundo Monetário Internacional, instituição que não é conhecida exatamente por sua irresponsabilidade, deseja agora medidas de resposta mais agressivas por parte do BCE.
Quando indagamos por que o BCE reluta tanto em agir, a maioria das pessoas aponta para o medo que os alemães têm da inflação. Depois da terrível experiência de hiperinflação vivida pelo país nos anos 20, os alemães temem a possibilidade de a inflação estar à espreita, aguardando o momento de atacar. Eles criaram o Banco Central Europeu à imagem do seu próprio BundesBank. Consequentemente, o BCE se recusa a fazer qualquer coisa que possa criar o mais remoto risco de inflação.
Em particular, a Alemanha rejeita todas as propostas que pedem a compra de títulos do governo por parte do BCE, temendo que isto leve à impressão de ainda mais dinheiro, incentivando os governos a burlar as regras orçamentárias da UE.
E, no ambiente atual, contexto em que é a Alemanha quem dá as cartas na economia europeia, os alemães impõem seu estilo aos demais.
É neste ponto que a comparação com o Brasil se torna interessante. O Brasil também tem uma história de alta inflação – ainda mais próxima do que a da Alemanha, já que foi vivenciada em primeira mão pelos brasileiros ainda vivos. O Brasil tem também uma história de governos estaduais que burlam as regras orçamentárias. Mas o Banco Central do Brasil se sentiu livre para cortar os juros acentuadamente na desaceleração atual, como deveria fazer um banco central competente.
Diferentemente do BCE, o BCB não foi inibido pela história de inflação do Brasil e seguiu práticas adequadas para uma instituição de seu tipo.
Por que tal diferença? Suspeito que os alemães tenham tamanha fobia da inflação – a ponto de colocar em risco sua moeda única – porque a sabedoria popular alemã diz que a inflação causou o colapso da República de Weimar, o fim da democracia e a ascensão dos nazistas. Ninguém no Brasil deseja ver o retorno da inflação, mas a experiência inflacionária brasileira foi menos traumática, pois não levou ao colapso do sistema político.
O único problema é que a sabedoria popular alemã está errada. Os estudos modernos concordam que não foi a hiperinflação dos anos 20, e sim a Grande Depressão e o alto desemprego dos anos 30 que fomentaram o apoio político aos nazistas. Ao exigir do BCE que apague imediatamente todas as fagulhas de inflação – algo que, no ambiente atual, só agrava o desemprego – a Alemanha está portanto alimentando justamente o problema do extremismo político que o pais tanto teme.
Não será fácil contrariar a sabedoria popular alemã, algo que, por sua vez, não nos dá muita esperança de uma solução amena para a crise da zona do euro. Mas, no Brasil, a situação é mais alegre. Os brasileiros aprenderam a lição certa com sua própria crise inflacionária.
Fortalecer as regras fiscais sob as quais os governos estaduais operam. Dar ao banco central independência estatutária. E então se afastar para que o banco central possa fazer seu trabalho.
21:14 BARRY EICHENGREEN: COMO A HISTÓRIA ASSOMBRA O EURO
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,como-a-historia--assombra-o-euro-,907453,0.htm
Depois de passar boa parte da semana no Brasil, tive a impressão de que havia um único assunto na cabeça dos meus interlocutores: a crise na Europa. É difícil ser encorajador. Não há muito que o Brasil possa fazer para se isolar da crise na zona do euro. A saída da Grécia e a crescente intensidade das ondas de choque financeiras irradiadas a partir da Europa estão se aproximando, e não há muito que possamos fazer quanto a isto. O melhor conselho, que não chega a ser muito útil, é fechar bem as escotilhas, pois teremos mares agitados pela frente.
Na verdade, minhas conversas no Brasil levantaram uma questão importante a respeito da crise na Europa. É claro que a Europa tem muitos problemas. O continente vive uma crise de endividamento, uma crise bancária, uma crise de competitividade e uma crise política. Mas alguns destes problemas têm sido desnecessariamente agravados pela falta de flexibilidade do Banco Central Europeu. O BCE tem sido lento no corte aos juros. Cortes nos juros implementados pelo BCE tornaria mais fácil o pagamento dos encargos das dívidas nacionais – principalmente se os cortes nos juros forem acompanhados pelo afrouxamento quantitativo, com o BCE comprando títulos no mercado secundário.
Além disso, a relutância do BCE em fazer cortes manteve a taxa de câmbio do euro demasiadamente fortalecida. Um câmbio mais fraco é exatamente o que a Europa precisa para começar a controlar seus problemas. Suas exportações se tornariam mais competitivas. Sua economia começaria a crescer. O crescimento tornaria mais fácil a restauração da confiança entre os países e entre os eleitoras, pré-requisito para a formação de um consenso quanto às medidas a serem adotadas.
Por fim, um afrouxamento quantitativo adicional por parte do BCE faria com que os preços começassem a subir. O custo dos produtos no Sul da Europa precisa cair em relação ao custo na Alemanha. Isto pode ser conseguido de maneira menos dolorosa por meio de uma inflação um pouco mais alta na Alemanha, somada a salários e preços mais estáveis no sul, em vez da estabilidade de salários e preços na Alemanha que implica a necessidade de cortes impossíveis nos países do sul.
Mas o BCE se recusa a adotar tais medidas. Tudo que vimos nos últimos meses foi um corte aleatório nos juros e nenhuma medida adotada com relação ao afrouxamento quantitativo. A situação se tornou tão ruim que até o Fundo Monetário Internacional, instituição que não é conhecida exatamente por sua irresponsabilidade, deseja agora medidas de resposta mais agressivas por parte do BCE.
Quando indagamos por que o BCE reluta tanto em agir, a maioria das pessoas aponta para o medo que os alemães têm da inflação. Depois da terrível experiência de hiperinflação vivida pelo país nos anos 20, os alemães temem a possibilidade de a inflação estar à espreita, aguardando o momento de atacar. Eles criaram o Banco Central Europeu à imagem do seu próprio BundesBank. Consequentemente, o BCE se recusa a fazer qualquer coisa que possa criar o mais remoto risco de inflação.
Em particular, a Alemanha rejeita todas as propostas que pedem a compra de títulos do governo por parte do BCE, temendo que isto leve à impressão de ainda mais dinheiro, incentivando os governos a burlar as regras orçamentárias da UE.
E, no ambiente atual, contexto em que é a Alemanha quem dá as cartas na economia europeia, os alemães impõem seu estilo aos demais.
É neste ponto que a comparação com o Brasil se torna interessante. O Brasil também tem uma história de alta inflação – ainda mais próxima do que a da Alemanha, já que foi vivenciada em primeira mão pelos brasileiros ainda vivos. O Brasil tem também uma história de governos estaduais que burlam as regras orçamentárias. Mas o Banco Central do Brasil se sentiu livre para cortar os juros acentuadamente na desaceleração atual, como deveria fazer um banco central competente.
Diferentemente do BCE, o BCB não foi inibido pela história de inflação do Brasil e seguiu práticas adequadas para uma instituição de seu tipo.
Por que tal diferença? Suspeito que os alemães tenham tamanha fobia da inflação – a ponto de colocar em risco sua moeda única – porque a sabedoria popular alemã diz que a inflação causou o colapso da República de Weimar, o fim da democracia e a ascensão dos nazistas. Ninguém no Brasil deseja ver o retorno da inflação, mas a experiência inflacionária brasileira foi menos traumática, pois não levou ao colapso do sistema político.
O único problema é que a sabedoria popular alemã está errada. Os estudos modernos concordam que não foi a hiperinflação dos anos 20, e sim a Grande Depressão e o alto desemprego dos anos 30 que fomentaram o apoio político aos nazistas. Ao exigir do BCE que apague imediatamente todas as fagulhas de inflação – algo que, no ambiente atual, só agrava o desemprego – a Alemanha está portanto alimentando justamente o problema do extremismo político que o pais tanto teme.
Não será fácil contrariar a sabedoria popular alemã, algo que, por sua vez, não nos dá muita esperança de uma solução amena para a crise da zona do euro. Mas, no Brasil, a situação é mais alegre. Os brasileiros aprenderam a lição certa com sua própria crise inflacionária.
Fortalecer as regras fiscais sob as quais os governos estaduais operam. Dar ao banco central independência estatutária. E então se afastar para que o banco central possa fazer seu trabalho.
A natureza da estagnação brasileira
Por José Luis Oreiro - Valor 30/07
Os dados divulgados recentemente pelo Banco Central confirmam a continuidade do estado de semi-estagnação da economia brasileira que eu havia mencionado num artigo publicado em janeiro deste ano no Valor ("O retorno à semi-estagnação"). Naquela ocasião eu havia argumentado que essa semi-estagnação era o resultado de um processo de natureza estrutural que vem se desenvolvendo na economia brasileira nos últimos anos, ou seja, a desindustrialização.
Dessa forma, o retorno a taxas de crescimento mais robustas exigem a adoção de políticas que induzam a mudança estrutural da economia brasileira com vistas ao aumento da participação da indústria de transformação no PIB. As políticas keynesianas tradicionais de estímulo a demanda agregada não são a forma mais adequada de se induzir esse processo, pois o problema fundamental da economia brasileira atualmente não é "encher de ar quente um balão semi vazio", mas sim mudar a natureza do material usado na confecção do mesmo. Em outras palavras, o problema fundamental de nossa economia é mudar a composição da demanda agregada em direção a bens tradeables, em vez de aumentar ainda mais o nível de demanda. A validade dessa afirmação fica comprovada pela simples inspeção da figura ao lado.
Nessa figura observamos a evolução da média móvel dos últimos 12 meses da taxa de desemprego (RM) e do grau de utilização da capacidade produtiva da indústria entre fevereiro de 2004 e abril de 2012. No início do período em consideração o grau de utilização da capacidade produtiva era relativamente baixo e a taxa de desemprego era bastante elevada.
Nessas condições, a economia brasileira operava como um "balão semi-vazio" de tal forma que o problema econômico fundamental era criar demanda agregada para induzir um maior nível de utilização tanto do capital como da força de trabalho. Isso foi obtido por intermédio da adoção de um modelo de crescimento do tipo "finance-led" no qual a expansão do crédito bancário, aliada a um aumento moderado da renda salarial, estimula um forte crescimento dos gastos de consumo das famílias, gerando assim a demanda agregada requerida para viabilizar um uso mais intenso dos recursos produtivos existentes.
O problema é que esse modelo de crescimento dá sinais inequívocos de esgotamento. Com efeito, no período analisado constata-se uma tendência de redução da taxa de desemprego e de aumento do grau de utilização da capacidade produtiva. Apesar da desaceleração recente do crescimento, essas variáveis encontram-se em patamares tais que é pouco provável a continuidade do crescimento por intermédio da simples expansão da demanda de consumo. Dificilmente a taxa de desemprego poderá cair muito abaixo de 5% da força de trabalho, além do que um grau de utilização da capacidade produtiva em torno de 82 a 85% parece ser o nível "normal" de longo prazo. Sendo assim, o espaço para a continuidade do crescimento com base na expansão da demanda de consumo é muito restrito.
A retomada do crescimento em bases sustentáveis exige um aumento combinado da capacidade produtiva e da taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Isso pode ser obtido se a demanda agregada for direcionada para aquele setor de atividade econômica que é a fonte dos retornos crescentes de escala e do progresso tecnológico na economia, qual seja, a indústria de transformação. Isso exige que a política econômica seja mudada com o objetivo de produzir uma mudança na composição da demanda agregada, reduzindo-se participação do consumo e aumentando-se a participação do investimento na demanda agregada. Para tanto, é necessária a continuidade do processo de desvalorização da taxa de câmbio, uma redução maior do custo do capital e um aumento significativo do investimento público em infraestrutura.
Estimular o consumo por intermédio de reduções semi-permanentes de impostos e estímulos ao aumento do endividamento das famílias são contrários ao que se deve fazer para restabelecer o dinamismo da economia brasileira. Cabe à presidente Dilma Rousseff a tarefa de ouvir as vozes daqueles que, embora critiquem a política econômica do seu governo, estão no mesmo campo político-ideológico que ela, a saber o novo-desenvolvimentismo.
José Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de Brasília. E-mail: joreiro@unb.br.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
Tv on line
GUSTAVO LOYOLA E PAULO SKAF FALAM SOBRE AS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS BRASILEIRA - PARTE 1
GUSTAVO LOYOLA E PAULO SKAF FALAM SOBRE AS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS BRASILEIRA - PARTE 2
GUSTAVO LOYOLA E PAULO SKAF FALAM SOBRE AS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS BRASILEIRA - PARTE 3
GUSTAVO LOYOLA E PAULO SKAF FALAM SOBRE AS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS BRASILEIRA - PARTE 4
O programa Tema Quente, da Rede TV, convidou o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, para falar sobre as perspectivas da economia brasileira.
SONORA
*PAULO SKAF, presidente da Fiesp;
*GUSTAVO LOYOLA, ex-pres. do BC;
MENÇÃO
*DILMA ROUSSEFF, pres. da República;
TV: REDE TV
PROGRAMA: REDE TV NEWS
APRESENTADOR: APRESENTADOR
IMPORTAÇÃO DE GASOLINA BATE RECORDE TEMPO: 00:01:00
Sem etanol suficiente e com a disparada no consumo o Brasil teve que aumentar e muito a importação da gasolina em 2012. Em comentário ao Jornal das Dez o jornalista, Dony de Nuccio, falou sobre o consumo de gasolina no Brasil.
SONORA
*DONY DE NUCCIO, jornalista
TV: GLOBO NEWS
PROGRAMA: JORNAL DAS DEZ
APRESENTADOR: MARIANA GODOY
GUSTAVO LOYOLA E PAULO SKAF FALAM SOBRE AS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS BRASILEIRA - PARTE 2
GUSTAVO LOYOLA E PAULO SKAF FALAM SOBRE AS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS BRASILEIRA - PARTE 3
GUSTAVO LOYOLA E PAULO SKAF FALAM SOBRE AS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS BRASILEIRA - PARTE 4
O programa Tema Quente, da Rede TV, convidou o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, para falar sobre as perspectivas da economia brasileira.
SONORA
*PAULO SKAF, presidente da Fiesp;
*GUSTAVO LOYOLA, ex-pres. do BC;
MENÇÃO
*DILMA ROUSSEFF, pres. da República;
TV: REDE TV
PROGRAMA: REDE TV NEWS
APRESENTADOR: APRESENTADOR
IMPORTAÇÃO DE GASOLINA BATE RECORDE TEMPO: 00:01:00
Sem etanol suficiente e com a disparada no consumo o Brasil teve que aumentar e muito a importação da gasolina em 2012. Em comentário ao Jornal das Dez o jornalista, Dony de Nuccio, falou sobre o consumo de gasolina no Brasil.
SONORA
*DONY DE NUCCIO, jornalista
TV: GLOBO NEWS
PROGRAMA: JORNAL DAS DEZ
APRESENTADOR: MARIANA GODOY
Do descolar ao naufrágio
Por Ernesto Lozardo - Valor 27/07
Na década passada, os países emergentes tiveram maior participação na produção global: registraram um aumento de 20% para 34%. Trata-se de um feito memorável. Nesse mesmo período, os países desenvolvidos - Estados Unidos, União Europeia e Japão - reduziram sua participação de 71% para 57%. Constatou-se uma assimetria de 14 pontos percentuais entre os emergentes e os desenvolvidos na produção global. Os países emergentes cresceram em média quatro pontos percentuais acima dos desenvolvidos. Diante desses fatos, alguns especialistas deduziram que a dependência dos emergentes em relação ao crescimento econômico dos países desenvolvidos havia chegado ao fim. Nomeou-se esse feito de descolar ou decoupling.
A ideia do descolar pressupõe que o crescimento dos países emergentes rompeu as vinculações econômicas com a conjuntura dos países desenvolvidos. No entanto, a história econômica prova que, quando os países desenvolvidos crescem, aumenta a demanda por importações de bens e serviços. Nesse aspecto, os países que puderem suprir essas necessidades expandem suas exportações e estimulam seus investimentos, o nível de emprego e o crescimento.
A globalização dos mercados de produção tem favorecido o crescimento econômico dos países emergentes. Há décadas os países do Leste Asiático norteiam o processo de desenvolvimento nacional para a modernização da estrutura produtiva por meio da abertura econômica. Em 1978, a China representou 0,8% das exportações globais; em 2010, atingiu 10,4%. Em 1978, os emergentes representaram 19% das exportações globais; em 2010, alcançaram 42%. Esses resultados constituem o ponto de partida para analisar a fragilidade do pressuposto sobre o decoupling do crescimento dos países emergentes.
Os Estados Unidos e os países da União Europeia, desde 1992 até 2007, cresceram, em média, 3% e 2,5% ao ano, respectivamente. Esse fato estimulou o crescimento do comércio global. Nessas duas regiões, a demanda de recursos para investimentos, o aumento da demanda e a necessidade de financiamento do déficit em conta-corrente foram supridos, em grande parte, pelas exportações de bens de consumo e de capital da China.
Em 2011, no comércio internacional, as exportações e importações chinesas totalizaram US$ 3,7 trilhões, correspondendo US$ 1,961 trilhão a exportações e US$ 1,739 trilhão a importações, o que consiste numa alta de 22% em relação ao ano anterior. Na importação de manufaturados, 60% foram utilizados para compor os produtos exportados. As exportações chinesas são direcionadas da seguinte forma: 45% para os países desenvolvidos - Estados Unidos, União Europeia e Japão; 33% para o Sudeste Asiático; 22% para outros países.
O comércio dos países do Sudeste e Leste Asiático em relação às demais economias emergentes representou 75%. Desse total, a China participou com 40%. A China, ao importar commodities dos emergentes e bens de capital e tecnologia dos desenvolvidos para atender à demanda global, estimulou as exportações dos emergentes e o crescimento global.
Enquanto a China exportou para os países desenvolvidos produtos de elevado conteúdo tecnológico (45% das suas exportações), os emergentes exportaram para a China e para o Leste Asiático commodities com baixo valor agregado. Desse modo, a China tornou-se um país formador de preços, e os emergentes tomadores de preços internacionais. Em face da elevada competitividade dos produtos chineses nos mercados dos países desenvolvidos, os emergentes passaram a depender do crescimento chinês. A dinâmica das exportações e o crescimento econômico chinês têm sido o fio condutor da prosperidade dos países emergentes. O suposto decoupling dos emergentes - América Latina, África, Oriente Médio e os países Sudeste Asiático - mudou-se para a China, porém todos dependem da conjuntura dos desenvolvidos. Mesmo assim, a estrutura de produção desses países permanece a mesma: fornecedores de matérias-primas e de produtos de baixo valor agregado para os Asiáticos e estes exportadores de produtos de maior conteúdo tecnológico para os países desenvolvidos. Ao fechar o círculo da dependência econômica conclui-se que: o crescimento dos emergentes depende das perspectivas econômicas dos desenvolvidos.
O descolamento é inconsistente com os fundamentos da globalização, pois nele encontra-se o capitalismo interconectado e interdependente entre as nações do Norte e as do Sul. Essa interdependência representa o sopro da esperança para reduzir as discrepâncias da renda por habitante, tecnológicas e institucionais entre as nações desenvolvidas e emergentes. Caso a crise dos países desenvolvidos se agrave, a economia internacional crescerá menos que 3,0% até o final desta década. O comércio chinês que já expandiu acima de 20% ao ano, ficará abaixo de 10% e o seu produto, que já cresceu 12% ao ano, deverá permanecer abaixo de 8% ao ano. Neste mundo de relações globais, com o prolongamento da crise financeira global, nenhum país sairá ileso, e muitos naufragarão.
Ernesto Lozardo é professor de Economia da EAESP-FGV, autor do livro Globalização: a certeza imprevisível das nações (2.ª edição. Editora do Autor, 2008)
quinta-feira, 26 de julho de 2012
A cura para a síndrome do Lehman
Por Martin Sandbu - Valor 26/07
A maneira como os desequilíbrios da zona do euro estão sendo corrigidos está envenenando a solidariedade que a união monetária costumava ter. É que causa certo desconforto o fato desses desequilíbrios terem sido causados por investidores privados. Quando o dinheiro fluiu, por exemplo, da Alemanha para a Espanha ou para a Irlanda, isso ocorreu entre gestores de bancos de poupança, companhias seguradoras e fundos de pensão alemães e bancos irlandeses e espanhóis.
A atual crise da dívida decorreu também de decisões de investimento privadas que podem fazer sentido individualmente, mas são coletivamente irracionais. Os políticos são incapazes de solucionar a crise porque sucumbiram à mesma irracionalidade.
Na primeira década do euro esses investidores privados canalizaram enormes fluxos do núcleo mais rico, mais antigo e mais poupador para uma periferia pobre e mais jovem que pareceu oferecer melhores oportunidades para investimentos. Na prática, eles apenas ofereceram tomadores de empréstimos mais vorazes.
Os investidores estão agora tentando reverter esses fluxos. A seca do crédito na periferia; rendimentos anormalmente altos em alguns países e anormalmente baixos em outros; a reestatização do sistema bancário europeu - são, todos, sintomas do empenho dos credores de países superavitários no sentido de repatriar os créditos que acumularam sobre os devedores radicados nos países deficitários.
Mas isso é impossível. Mesmo que a carteira de créditos de qualquer investidor individual - de títulos do governo grego, digamos, ou de dívidas de bancos espanhóis - tenha liquidez, (ou seja, possa ser trocada por seu valor em dinheiro), isso não é verdade para a classe de investidores como um todo. Essa é uma característica geral de mercados financeiros, e não apenas de investimentos inter nações. No âmbito de uma única economia fechada, os titulares de depósitos bancários podem, individualmente, retirar seu dinheiro quando quiserem. Mas se todos os poupadores tentarem zerar suas contas bancárias ao mesmo tempo, assim como no filme "It's a Wonderful Life", de Frank Capra, descobrirão que seus recursos "líquidos" estão cimentados em casas construídas sobre hipotecas financiadas por seus depósitos.
O mesmo acontece na zona do euro. Poupadores alemães, franceses ou outros podem ter contas bancárias, pensões, apólices de seguros. A realidade econômica é que suas poupanças estão incorporadas a edifícios irlandeses ou espanhóis de pequeno valor ou vinculados a inflacionados salários gregos do setor público consumidos anos atrás. Esses créditos não podem ser resgatados. Na melhor das hipóteses, eles podem, com o passar do tempo, ser honrados - mas somente se o crescimento retornar aos devedores.
O pânico entre os investidores produz o oposto. Eles não têm como repatriar o capital investido ou consumido, mas sua tentativa de fazê-lo implicou uma parada abrupta de novos financiamentos. A necessidade da periferia de reduzir os déficits em conta corrente de forma igualmente abrupta é a principal causa das recessões. Ao recusarem-se a conceder novos financiamentos, os investidores estão arruinando suas chances de recuperar seus próprios investimentos.
O que podem fazem as autoridades? Sua melhor esperança é que os mercados financeiros desistam de uma ruína coletiva. Mas esperança não é política de governo. Se desejam influenciar os acontecimentos, os líderes da zona do euro podem comprar ativos de investidores privados determinados a fugir - ou administrar as consequências. O primeiro equivale a um seguro sobre depósitos em uma corrida a bancos.
Isso foi tentado na Europa, timidamente. Fundos de socorro, refinanciamento e recompras de títulos pelo Banco Central Europeu e balanços patrimoniais de bancos centrais em crescimento acelerado não constituem novas exposições do centro à periferia, mas, sim, substituição de credores privados por públicos. Em escala muito menor do que aquela que poderia fazer diferença, esses socorros a credores privados dos países principais atingiram os limites políticos.
Isso deixa uma opção: uma reestruturação organizada dos créditos que os investidores insistem, impossivelmente, em cobrar de uma só vez. Isso foi feito na Grécia e o mundo não acabou (mas um desconto contábil excessivamente pequeno, feito tarde demais, também não solucionou o problema). Dublin reestruturou a dívida bancária júnior e credores não garantidos, na Dinamarca, aceitaram receber com deságio.
Apesar disso, as autoridades econômicas na zona euro consideram os descontos em relação ao valor de face da dívida como um anátema. Eles sofrem da "síndrome do Lehman": um temor de que a reestruturação (das dívidas) seja apocalíptica. Mas há razões para julgar que isso é exatamente o que necessitam as economias em ressaca pós-booms de crédito. Os investidores poderiam voltar e com eles o crescimento - se não precisarem temer ficar no fim de uma fila de credores. E a reestruturação da dívida privada ou subnacional pouparia de sofrimento os contribuintes nacionais do fisco sem condições de quitar todas as dívidas de outros.
A zona do euro poderá terminar chegando a esse ponto. Quando for eliminado tudo o que é politicamente impossível, o que sobrar, não importa quão desagradável, deverá ser uma política melhor. (Tradução de Sergio Blum)
Martin Sandbu é articulista do FT
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Ilhas de isolamento
Por Guy Sorman - Valor 25/07
Os japoneses e os britânicos podem parecer muito diferentes, mas um olhar mais atento revela algo como um destino paralelo nesses dois povos insulares. Com suas velhas ambições imperiais e indiferença generalizada pelo grandes continentes dos quais são apartados pelos mais estreitos dos mares, tanto britânicos como japoneses são vulneráveis ao canto da sereia do isolacionismo. Infelizmente, agora parecem estar sucumbindo a essa tentação perigosa.
Talvez geografia seja destino. Como ilhéus, britânicos e japoneses mantiveram relações cautelosas com - e muitas vezes um complexo de superioridade em relação a - seus grandes vizinhos continentais, Europa e China, respectivamente. Ambos, historicamente, compensaram seu isolamento com fortes governos centrais, poderosas marinhas, dinâmico empreendedorismo, vibrante cultura e ambição imperial.
Hoje, o Japão e o Reino Unido são, supostamente, sociedades abertas, e partícipes no processo de globalização. Na realidade, ambos permanecem predominantemente introspectivos e preocupados com a desintegração de sua cultura original. Ambos tentam desesperadamente manter os imigrantes a distância, quer por meio de segregação cultural no Reino Unido ou, no caso do Japão, mediante rejeição pura e simples. Quanto mais civilizações tornam-se entrelaçadas na nova ordem mundial, mais os japoneses e britânicos ficam tentados a permanecer indiferentes e distantes.
No Japão, a tentação isolacionista é expressa na nostalgia atual pelo período Edo, de 1600-1868, antes de o imperador Meiji ter aberto o Japão para o mundo. O "Retorno a Edo" tornou-se um estado de espírito dominante e tema de debates públicos, promovidos por escritores, analistas e historiadores, como Inose Naoki (também vice-prefeito de Tóquio), para os quais os japoneses eram muito mais felizes em seu mundo fechado, isolado da perseguição de sucesso material e status internacional.
Esse discurso de "Regresso a Edo" se traduz na recusa de jovens japoneses a aprender línguas estrangeiras ou viajar ao exterior. Com efeito, na Europa, América do Norte e em outros lugares, os onipresentes turistas japoneses da década de 1970 foram substituídos por chineses e coreanos. O número de japoneses que estudam no exterior está em nova baixa, exatamente no momento em que sul-coreanos e chineses estão enxameando nas universidades europeias e americanas. Até mesmo nas grandes universidades, de Harvard a Oxford, diminui a presença de estudantes japoneses.
Nesse aspecto, os ingleses estão imitando intensamente os japoneses: cada vez menos estão aprendendo línguas estrangeiras, estudando no exterior e seguindo o velho caminho de trabalhar em Hong Kong, Singapura ou Austrália. Tão prevalente é o clima de "pequena Inglaterra", que o governo do primeiro-ministro David Cameron está agora tentado a realizar um referendo para perguntar aos britânicos se desejam permanecer no seio da União Europeia, uma votação cujos riscos até mesmo a arquieurocética Margaret Thatcher nunca assumiu.
A perspectiva de um referendo reflete o clima generalizado entre os conservadores, que às vezes mencionam a Noruega - um membro não pertencente à UE cujo principal papel nos assuntos globais é a atribuição do Prêmio Nobel da Paz - como modelo para o papel do Reino Unido no mundo. Sabemos que a Noruega tem a renda per capita mais alta do mundo. Mas esse não é o padrão relevante contra o qual o Reino Unido ou outros países ocidentais deveriam comparar-se, porque a Noruega tem uma população pequena, homogênea e possui vastos - e bem administrados - recursos naturais.
Se consultados num referendo, os britânicos poderão abandonar a UE, da qual nunca gostaram. Isso teria como consequência não intencional fortalecer os federalistas no Continente, acelerando, assim, a integração dinâmica que os britânicos agora querem deter.
Com efeito, os britânicos sairiam exatamente no momento em que a Islândia, Sérvia, Turquia e Ucrânia, apesar da atual crise europeia, estão tentando entrar. E embora a zona do euro possa estar em crise, a Polônia, entre outros, continua querendo aderir em futuro próximo. Os britânicos podem torcer seu nariz diante do euro - ao qual até mesmo o supostamente independente franco suíço é atrelado - mas a moeda quase certamente continuará sendo usada por quase 300 milhões de europeus.
Isolacionismo, seja no Japão ou no Reino Unido, não é apenas uma opção míope, especialmente para o Japão, como pode também ser perigosa, dada a ascensão da vizinha China. Tanto o Japão como o Reino Unido, por mais que não queiram admiti-lo, dependem do mercado mundial. O isolacionismo deixaria seus cidadãos despreparados para enfrentar a concorrência e excluiria seus governos das decisões que impactam a economia e o comércio mundial. E o isolacionismo também não pode garantir a segurança nacional num momento de crescentes ameaças de grupos terroristas e de crescentes ambições da China e da Rússia.
A nostalgia da era Edo no Japão e a sedução do modelo norueguês no Reino Unido não são escolhas racionais. Elas simplesmente canalizam os temores nacionais num momento de competição mundial entre culturas, economias e ambições estratégicas emergentes.
Por vezes, nações, como pessoas, ficam fatigadas e anseiam por sua juventude idealizada - um fenômeno recorrente que os historiadores denominam "declinismo". Quer usemos esse rótulo ou digamos tratar-se de um desejo de "tirar férias da história", o Japão e Reino Unido hoje parecem estar optando por um caminho que somente acelerará seu declínio. (Tradução de Sergio Blum).
Guy Sorman, filósofo e economista francês, é o autor de "Economics Does Not Lie" (a economia não mente). Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
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terça-feira, 24 de julho de 2012
O Brasil é manipulador de câmbio?
Por Antonio Delfim Netto - Valor 24/07
Este é um bom momento para lembrar como a introdução de um pouco mais de cuidado e realismo corrige as conclusões que se extraem automaticamente de modelos abstratos. Todos lembram a crítica feroz que sofreu o governo brasileiro quando sugeriu: 1) que existia uma espécie de "guerra cambial"; e 2) que o problema da subvalorização prolongada de algumas moedas (particularmente o yuan) deveria, sim, ser discutido na Organização Mundial de Comércio (OMC), uma vez que o FMI não tinha nenhum poder para fazer valer o seu papel de "vigilante" dos desequilíbrios fundamentais dos balanços em conta corrente. A surpreendente resposta do sistema financeiro internacional foi atacar o Brasil, por "exagerar na manipulação da sua moeda"!
A lição vem de um interessante e meticuloso trabalho do economista J.E.Gagnon, "Combating Widespread Currency Manipulation" (Peterson Institute for International Economics, Policy Brief 12-19, July 2012). O autor começa reconhecendo que, "ainda que as manipulações cambiais para aumentar o balanço comercial de um país sejam uma violação dos artigos do acordo que instituiu o Fundo Monetário Internacional (FMI), não existe, na prática como puni-lo". E continua: "O melhor fórum para produzir sanções contra as manipulações cambiais é a Organização Mundial do Comércio (OMC), em consulta com o FMI. Os países prejudicados por tais manipulações devem ser autorizados a impor tarifas alfandegárias às importações dos países manipuladores".
Uma curiosa sugestão de Gagnon é a alternativa de "taxar ou restringir a compra pelos países manipuladores de ativos financeiros dos EUA e da zona do euro", o que dificultaria e aumentaria os custos e os riscos da acumulação de reservas.
O importante no trabalho é a pergunta preliminar do autor: o que é, afinal, uma manipulação cambial? Ele formula uma definição cuidadosa: "Ocorre uma manipulação cambial quando um governo compra ou vende a moeda estrangeira para colocar a taxa cambial longe do seu equilíbrio, ou impedir que ela se mova para atingir aquele equilíbrio". E como ele define a "taxa de equilíbrio"?
"É aquela que é sustentável no longo prazo, ou seja, em que o balanço em conta corrente não está gerando aumento explosivo dos ativos estrangeiros líquidos relativamente à riqueza interna e externa. A sustentabilidade geralmente implica um pequeno valor para o balanço em conta corrente. Entretanto, as economias em rápido crescimento podem manter déficits em conta corrente, na medida em que seus passivos não cresçam mais do que o seu PIB e que tal passivo seja relativamente pequeno com relação aos passivos totais do mundo".
Que características têm que ter uma economia para ser considerada uma "manipuladora de câmbio"? O autor estabelece três condições que devem ser simultaneamente satisfeitas para que isso ocorra:
1) o país deve ter reservas externas que superem seis meses do valor de suas importações de bens e serviços;
2) o país deve ter tido, na média de 2001-2011, um balanço em conta corrente, como percentagem do PIB, maior do que zero. O autor exclui a possibilidade que o país possa estar tentando apenas reduzir o seu déficit em conta corrente;
3) o país deve ter visto crescer a relação reserva/PIB nos últimos dez anos.
Os países de "baixa renda" são excluídos da análise pelo princípio que eles devem ter maior liberdade do que os outros para implementar políticas de desenvolvimento, que podem ter externalidades negativas. Examinando os restantes países-membros do FMI e da OMC, J.E.Gagnon identifica 20 que satisfazem, simultaneamente, às condições para serem classificados como "manipuladores de câmbio". Ele os divide em quatro grupos:
1) velhas economias desenvolvidas, como Japão e Suíça;
2) novos países industrializados, como Israel, Cingapura e Taiwan;
3) os países asiáticos em desenvolvimento, como China, Malásia e Tailândia;
4) países exportadores de petróleo, como Argélia, Rússia e Arábia Saudita.
Para tristeza de alguns de nossos economistas, o Brasil não é classificado como "manipulador" por lhe faltar a condição "2" acima. Não acontece o mesmo com a Argentina, com a qual temos, não sem alguma razão, exercido uma paciência chinesa.
O Brasil talvez tenha exagerado, mas não mentiu: 1) uma certa "guerra cambial" existe; 2) é preciso mesmo envolver a combinação FMI-OMC (câmbio e tarifa) para enfrentá-la e restabelecer o equilíbrio do comércio internacional; e 3) cometeu apenas pecado venial. Salvou-se do pecado capital da "manipulação" por uma análise mais profunda e cuidadosamente isenta do viés antigoverno que continua a dominar alguns de nossos analistas.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
A união bancária na Europa
Por Jairo Saddi - Valor 23/07
Herman van Rompuy foi na adolescência um fã ardoroso de Elvis Presley. "If I can dream", célebre canção de Earl Brown escrita especialmente para Elvis, por volta de 1968, afirma a certa altura que "estamos perdidos numa nuvem espessa de chuva, estamos presos num mundo perturbado pela dor" ("We're lost in a cloud / with too much rain / we're trapped in a world / that's troubled with pain"). Nada mais profético para o atual adulto Herman van Rompuy, belga que hoje ocupa a presidência do Conselho Europeu, órgão executivo (mas não legislativo), que, por força do Tratado de Lisboa, de 1º de dezembro de 2009, define as orientações e prioridades políticas gerais da União Europeia.
No fim do mês passado, Rompuy preparou um relatório intitulado "Rumo a uma verdadeira união econômica e monetária", em que procura apresentar o que denominou de uma "visão para o futuro" da Europa, com o objetivo de "contribuir para o crescimento, o emprego e a estabilidade". Para sua elaboração, baseou-se em temas financeiros, questões orçamentárias fiscais e políticas econômicas. Na área financeira, defende uma supervisão bancária, um sistema de seguro de depósito e um arcabouço regulamentar supranacional, com o objetivo de enfrentar a gravíssima crise de confiança bancária que assola a Europa.
O relatório é mais amplo. Há quatro elementos nas suas premissas: a) um quadro financeiro integrado para garantir a estabilidade financeira na área do euro - tema deste artigo -; b) uma política orçamentária consolidada com metas fiscais e emissão comum de dívida; c) uma política econômica integrada; d) mudanças no processo decisório político, sem afetar os princípios basilares de democracia e soberania já existentes. Como os outros temas são ainda mais polêmicos e distantes, o foco do debate acabou por se centrar na discussão da união bancária e de suas premissas organizadoras
Sob o manto de um "quadro financeiro integrado", a União Bancária Europeia parte de três pressupostos centrais. Primeiro, aprender lições com a crise financeira atual, que demonstrou deficiências estruturais no quadro institucional da estabilidade financeira na área do euro, conforme o relatório, "atendendo à acentuada interdependência resultante da moeda única". Segundo, o regulador a implementar essa União deve estar ligado ao Banco Central Europeu (BCE) e ao European Banking Authority (EBA), instituições já existentes e reguladoras, mas que, por exemplo, ainda não têm qualquer competência de supervisão. Finalmente, não há qualquer intenção de a União Bancária Europeia não abranger a unidade e a integridade do mercado único no domínio dos serviços financeiros de todos os Estados-membros.
Todas as demais consequências de uma União Bancária daí decorrem: arsenal único de regras, supervisão bancária única e quadro comum de garantia de depósitos e de resolução, mesmo que, em cada caso, possa existir uma vertente europeia e uma vertente nacional, sendo a vertente europeia a última instância de responsabilidade.
Inicialmente, o tema da supervisão apresenta dificuldades formidáveis. Não há qualquer garantia de que um sistema como esse assegure a eficácia da supervisão dos bancos em todos os Estados-membros. A redução da probabilidade de falência dos bancos espanhóis, por exemplo, maior desafio atual, depende muito mais da concordância de países como a Alemanha do que da adesão unânime dos chamados países periféricos, e construir fundos conjuntos para garantia de depósitos pode ser uma conta inviável, estimada por Simon Samuels, analista do Barclays, em cerca de US$ 14 trilhões. Medidas de resolução prudencial dos bancos sujeitos à supervisão europeia, "a fim de [realizar] uma liquidação ordenada de instituições não viáveis e desse modo proteger os fundos dos contribuintes", também estão sujeitas aos regimes jurídicos locais e aos diferentes sistemas judiciários, que têm poucos denominadores em comum.
Outra proposta na mesma seara é o recém-criado "Mecanismo Europeu de Estabilidade", que poderá constituir a rede de segurança orçamental para a autoridade de garantia de depósitos e de resolução, passo inicial para a União Bancária. Aqui, enquanto as intenções parecem melhores, a construção é igualmente problemática. Por exemplo, qual país aceitaria reduzir políticas de crédito habitacional em épocas de crise (e de ativos deprimidos) em prol de uma estabilidade coletiva distante e cujo resultado pode afetar votos eleitorais incertos? Ou, ainda, será que países como a Inglaterra, que exportam serviços financeiros (e, portanto, regulatórios), estão dispostos a abrir mão de receitas para favorecer o bem comum?
Como diria Elvis, na canção apreciada por Rompuy, para questões como as que a união bancária apresenta: "No fundo do meu coração há uma pergunta ansiosa; mas estou certo de que a resposta virá de alguma forma".
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de Direito do Insper
Euro e a síndrome de Estocolmo
Por Henrique Forno e Márcio Araujo e Rubens Teixeira - Valor 23/07
A síndrome de Estocolmo, em termos simples, é um estado psíquico em que uma pessoa, vítima de algum tipo de submissão tal como o sequestro, passa a se identificar e a aceitar os atos do seu opressor. Trata-se, aparentemente, de um processo inconsciente por parte do indivíduo cativo. A origem do termo vem de um fato real ocorrido em agosto de 1973 na cidade sueca de Estocolmo, no qual as vítimas de um assalto passaram a justificar os atos de seus captores, mesmo depois de sua libertação, após seis dias de confinamento.
Sabe-se há algum tempo que o comportamento psíquico do ser humano afeta suas decisões por meio de processos que não passam inicialmente pela análise racional. Vários pesquisadores buscam aplicar na área da ciência econômica tais percepções. No estudo das decisões de gasto dos indivíduos, por exemplo, há espaço para contribuições provenientes da psicologia, como já feito por reputados economistas, tais como Keynes. Expressões do tipo "espírito animal" e "comportamento de manada" procuram sintetizar fatores relevantes que não são facilmente incorporados a uma modelagem mais tradicional. Até mesmo a neurociência e alguns ramos mais aplicados da filosofia estudam os mecanismos de resposta do indivíduo a fatores externos e se tais mecanismos passariam ou não por um processo racional.
Onde entra a zona do euro nessa história? Para início de conversa, a própria história dos eventos que desencadearam a unificação monetária europeia é relevante nessa abordagem. O euro existe como moeda escritural desde 1º de janeiro de 1999, e como moeda física desde 1º janeiro de 2002. Pode-se dizer que foi criada como uma estratégia que visava ao lançamento de uma moeda de reserva internacional, concorrendo com o dólar americano. Pressupõe-se, com isso, que o sucesso dessa estratégia deveria trazer benefícios no longo prazo que superariam as restrições associadas à renúncia de parte da soberania que os diferentes países participantes sofreriam.
Uma consequência da criação do euro foi o retorno dos efeitos de um sistema de câmbio semifixo existente na Europa até o ano de 1992. A necessidade de atrair capitais para financiar a reunificação alemã de 1990 fez com que o Bundesbank aumentasse significativamente suas taxas de juros, tornando insustentável a manutenção desse tipo de câmbio entre os países da região. O euro traria de volta não apenas um câmbio semifixo, mas um câmbio fixo de fato. Com a posterior redução da taxa de juros, os capitais voltaram a fluir para os países da periferia do euro, por meio não apenas de investimento direto, mas também de endividamento.
A estratégia parecia agradar a todos: aos alemães, que tinham feito um pacto trabalhista interno, segurando a transferência dos ganhos de competitividade para os salários, e com isso ganhando mercado para seus produtos industriais no mercado doméstico europeu, e para os outros países, que puderam comprá-los e se financiar com taxas de juros que traduziam um risco de crédito quase que germânico, experimentando um convidativo acréscimo em seu padrão de vida.
O que deu errado? A crise americana de 2008? A pergunta não coloca bem o problema, pois em um sistema de acumulação capitalista, em especial com forte viés financeiro, espera-se que ocorram ciclos, flutuações e crises. Minsky já escreveu sobre isso, explicando a natureza intrinsecamente instável desse sistema.
Talvez a pergunta correta fosse: o que é necessário para o bom funcionamento de uma economia com assimetrias internas importantes, em especial quanto ao grau de desenvolvimento?
O economista Kenneth Rogoff, em artigo recente ("O risco da moeda europeia"), fez um mapeamento, recordando-nos dos principais requisitos para esse bom funcionamento, alguns deles já descritos por Robert Mundell na década de 1960: livre mobilidade de mão de obra e de capitais, existência de um sistema de transferência fiscal e regras claramente definidas em relação ao emprestador de última instância, não apenas para os bancos, mas também para Estados e municipalidades. Um país como o Brasil, ou os Estados Unidos, possuem em maior ou menor grau esses requisitos, a comunidade do euro não os construiu.
Dado esse diagnóstico, fica a pergunta: qual a vantagem para um país da periferia do euro em continuar na moeda única? Se sua condição desfavorecida em termos de competitividade não pode ser compensada por mecanismos previstos em um acordo e se, por outro lado, também não dispõe de um mecanismo cambial para o acerto de suas condições de troca, qual o benefício em se manter na moeda? Se esse diagnóstico está correto, uma inferência a que podemos chegar é a de que os países periféricos da zona do euro são prisioneiros da moeda. O possível ganho no longo prazo de fazer parte de uma comunidade que emite moeda de reserva internacional não parece ser suficiente face aos sacrifícios que a população desse país terá que passar. Os noticiários mostram apenas o começo das dificuldades pelas quais já passam países como Irlanda, Grécia, Portugal, Itália e Espanha, isso fora a pecha de receberem a denominação de "PIIGS".
Quando líderes de países da periferia aceitam o receituário dado pela troica (FMI, BCE e Comunidade Europeia), pode-se supor que há uma indefinição quanto ao verdadeiro desejo de suas populações. Quando referendos confirmam o desejo dessas populações em permanecer na moeda única, mesmo com o preço alto que isso possa representar, podemos imaginar a situação do preso que começa a tentar entender os motivos do seu algoz e a racionalizá-los, justificando-os. Talvez o campo preferencial para esse tipo de análise esteja mais para uma psicologia das massas do que para uma economia que ainda se vangloria das virtudes da racionalidade.
Henrique Dezemone Forno, Márcio Silva de Araujo e Rubens Teixeira da Silva são doutores em economia.
sexta-feira, 20 de julho de 2012
Custo Brasil
Por Roberto Pereira D'Araujo - Valor 20/07
O tema da desindustrialização tomou conta dos debates. O "custo Brasil", com sua fartura de impostos, clama pela sempre adiada reforma tributária, mas, agora, há um novo elemento nessa conta: tarifas de energia elétrica. Nunca dantes nesse país hidroelétrico o quilowatt-hora (kWh) ficou tão caro. Alguma coisa está muito errada, pois, afinal, ele vem principalmente de energia solar e gravidade.
A Agência Internacional de Energia (AIE) registra que o Brasil tem a quarta tarifa industrial do planeta. Como mostra o estudo "Quanto Custa a Energia Elétrica no Brasil e no Mundo para o Setor Industrial" da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), comparado aos Brics, o país tem uma tarifa 134% maior do que a média da China, Índia e Rússia. Em relação aos nossos vizinhos latinos, somos 67% mais caros. Se o confronto for feito com sistemas semelhantes, tais como os de algumas províncias canadenses e alguns estados americanos1, os dados são inacreditáveis. Um carioca paga o dobro de um morador da capital canadense Ottawa e o triplo de um cidadão de Montreal ou de Washington! Um habitante enquadrado como "baixa renda" do Maranhão paga o mesmo que um morador de Nova York!
A denúncia fácil é a carga tributária, mas, no setor residencial, a Dinamarca (55%), a Noruega (33%), Áustria (28%), Itália (29%), Finlândia (30%), França (30%), Alemanha (44%)2 são exemplos de que o Brasil não é o único a taxar o kWh. Outro acusado é o câmbio, mas, para termos uma tarifa semelhante à do Canadá, país de matriz semelhante à nossa, só se o dólar valesse R$ 4,50!
Pode-se culpar o custo de capital, mas, no setor elétrico, o BNDES tem oferecido crédito subsidiado para 80% dos investimentos. Portanto, apesar da decisão de reduzir a carga tributária sobre a energia e as alterações do câmbio, é preciso examinar outras causas, além destas.
Coisas estranhas aconteceram desde a adoção do modelo mercantil. Descontratação de hidráulicas baratas para contratação de térmicas caras, aumentos de mais de 30% para as distribuidoras compensando o racionamento, parcelas da conta de luz indexadas ao IGP-M, criação de energia "de reserva", apesar de termos uma energia "assegurada", custos fixos nas contas das distribuidoras majorados, uso de geração térmica não prevista e um crescimento explosivo do mercado livre. Ali, um excêntrico sistema de preços impede saber quem vende, por quanto e quem compra, pois tudo é "estratégico". Mas, não há mágica. Se alguns pagam menos, outros pagam mais. Fechando a bizarra lista, uma proliferação de encargos, ironicamente criados após a reforma mercantil do setor.
Poderia ser pior? Bem, desde 2003, as empresas geradoras federais foram usadas para conter a explosão tarifária, iniciada em 1995. Com a retração da demanda após 20013, a descontratação compulsória das empresas pôs energia quase de graça no mercado. Obrigadas a gerar pela lógica operativa, grande quantidade de energia foi liquidada por até R$ 4/mWh (megawatt) no spot brasileiro. Onde foi parar a energia a esse preço? Certamente não conteve a explosão tarifária. Além disso, em 2004, "aliviando" a descontratação, as estatais se viram obrigadas a um leilão com entrega a preço fixo por oito anos. Uma "liquidação de longo prazo", também inédita no mundo. Como não se conseguiu vender tudo, até 2006, sobras eram "liquidadas" por preços inacreditavelmente baixos no mercado livre.
Portanto, poderia ser muito pior. Como a tarifa continua subindo, com o fim das concessões em 2015, as estatais serão novamente convocadas para conter o apetite tarifário do modelo. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), afoita com a licitação das usinas, prometeu reduções da ordem de 30%, dizendo que o consumidor "já pagou" por elas! Ora, supondo que os novos donos, altruisticamente, entregassem energia de graça, nem assim se conseguiria tal redução. São 22% do parque, que, em média, é responsável por 80% da geração total. Como a energia adquirida representa 40% da conta de luz, basta multiplicar os percentuais para ver que a redução máxima não chegaria a 7%.
O que é bizarro é que, desde 2003, não existe um kWh sendo gerado pelo regime de serviço público ou "pelo custo". Hoje, tudo é mercado.
O governo não tem como reduzir muito os impostos, já que a questão fiscal é prioritária. Assim, mesmo com a renovação das concessões, as vítimas serão, mais uma vez, as estatais, pois sofrerão redução de rentabilidade. Com a decepção do resultado, vamos ter que examinar porque, apesar de ter uma configuração totalmente singular no planeta, o país mergulhou numa reforma no seu setor elétrico à imagem e semelhança de sistemas de base térmica, tendo que adotar uma complexa adaptação.
O modelo mercantil tem custos. Theo MacGregor (Electricity Restructuring in Britain: Not a model to follow - Spectrum - IEEE May 2001) mostra que a Inglaterra, ícone do modelo mercantil, fazendo leilões reais de meia em meia hora, assumiu um custo extra de US 1,4 bilhões só para implantar a contabilização. A literatura especializada também registra avisos. Paul L. Joskow (Restructuring, Competition and Regulatory Reform in the U.S. Electricity Sector - The Journal of Economic Perspectives, Volume 11, Issue 3 1997, 119- 138) grande especialista em regulação, avalia que os modelos competitivos têm muita dificuldade em replicar as eficiências de sistemas com despacho centralizado e sinergia entre transmissão e geração, justamente o caso brasileiro.
Esse poderia ser o momento para uma boa reflexão sobre o nosso modelo elétrico.
1 www.hydro.mb.ca/regulatory_affairs/energy_rates/electricity/utility_rate_comp.shtml.
2 Electricity Information Prices and Taxes - IEA Statistics - 2012. Em geral, a taxa sobre a indústria é menor, mas a Alemanha surpreende com 29,4%, a Itália com 27,8% e a Noruega com 20%.
3 A demanda se contraiu em 15% após o racionamento.
Roberto Pereira D'Araujo é engenheiro eletricista (Master of Science, PUC-RJ), consultor, ex-membro do conselho de administração de Furnas (2003-2005).
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Crise de legitimidade das finanças
Por Simon Johnson - Valor 19/07
A recente saída de Robert Diamond do Barclays é um divisor de águas. Sem dúvida, executivos-chefes de grandes bancos já foram forçados a deixar seus cargos no passado. Chuck Prince perdeu o emprego no Citigroup por ter assumido riscos excessivos no período prévio à crise ao deixar de coibir operações não autorizadas da ordem de US$ 2,3 bilhões.
Diamond, no entanto, supostamente era um executivo de banco no cume do setor. O Barclays, asseverava-se, havia passado pela crise de 2008/2008 sem precisar de auxílio financeiro do governo. E, embora tivesse sido descoberto que seu banco havia violado várias regras, sobre produtos vendidos a consumidores e a forma como informava taxas de juros, Diamond havia conseguido distanciar-se dos problemas.
Relatos na imprensa indicavam que os órgãos de regulamentação estavam dispostos a dar a Diamond um passe livre - até o momento em que houve uma profunda reação política. Diamond começou a reagir, apontando o dedo acusador ao Banco da Inglaterra, autoridade monetária do Reino Unido. Teve de desistir.
Há três grandes lições a tirar do fim de Diamond no Barclays.
Primeira, a reação política não veio do "baixo clero" ou de espectadores mal informados, à margem das correntes predominantes. Importantes políticos de todos os partidos no Reino Unido uniram-se na condenação às ações do Barclays, particularmente no que se refere à fraude sistemática na divulgação das taxas de juros, exposta no escândalo da Libor (a taxa interbancária do mercado de Londres, que é referencial essencial para as captações e concessões de créditos em todo o mundo e até para a precificação de derivativos).
Aliás, o ministro das Finanças do Reino Unido, George Osborne, chegou a dizer: "Fraude é crime nas atividades comuns; por que não deveria sê-lo na bancária?". A clara implicação é que fraudes haviam sido cometidas no Barclays - uma acusação séria para um ministro das finanças britânico.
Depois de cinco anos de escândalos em grande escala no setor financeiro mundial, a paciência começa a se esgotar. Nas palavras de Eduardo Porter, no "The New York Times": "Mercados maiores permitem fraudes maiores. Empresas maiores, com balanços patrimoniais mais complexos, têm mais lugares para escondê-las. E bancos, quando ficam grandes o suficiente para que nenhum governo os deixe quebrar, têm o maior incentivo de todos."
Segunda, Diamond aparentemente pensou que poderia enfrentar o "establishment" britânico. Sua equipe vazou o conteúdo de uma conversa que ele disse ter tido com Paul Tucker, alto funcionário do Banco da Inglaterra, sugerindo que a instituição havia orientado o Barclays a informar números imprecisos sobre as taxas de juros.
Aparentemente, Diamond esqueceu que a continuidade da existência de qualquer banco com um balanço patrimonial relativamente grande em relação a sua economia doméstica - e sua capacidade de gerar retorno aos acionistas - depende inteiramente de manter uma boa relação com os órgãos de regulamentação. O Barclays tinha ativos totais em torno a US$ 2,5 trilhões - quase o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) anual do Reino Unido - e é o quinto ou oitavo maior banco do mundo. Bancos desse tamanho beneficiam-se de gigantescas garantias implícitas do governo: é isso que significa ser "grande demais para falir".
Diamond, ao que parece, acreditava em sua própria retórica - que ele e seu banco eram cruciais para a prosperidade econômica do Reino Unido. As autoridades reguladoras aceitaram o desafio e o obrigaram a renunciar. O preço das ações do Barclays subiu ligeiramente com a notícia.
A lição final é que os grandes enfrentamentos entre a democracia e os grandes executivos de bancos ainda estão por vir - tanto nos Estados Unidos como na Europa continental. Na superfície, os bancos mantêm-se poderosos, embora sua legitimidade continue a desmoronar.
O executivo-chefe do JP Morgan Chase, Jamie Dimon, presidiu este ano uma assunção imprudente de riscos de quase US$ 6 bilhões (poderíamos chamá-la de uma debacle "triplo Grübel"), mas seu cargo parece continuar assegurado. Dimon continua até no conselho do Federal Reserve regional de Nova York, apesar do fato de a instituição estar profundamente envolvida na investigação não apenas das perdas com as operações arriscadas do JP Morgan Chase, mas também de sua ligação potencial com a escalada no escândalo da Libor.
Como Dennis Kelleher1, presidente do grupo de defesa do interesse público Better Markets, documentou em seu recente testemunho no Congresso2, dois anos depois da aprovação da lei Dodd-Frank, o sistema bancário dos Estados Unidos continua a lutar com veemência - e eficiência - para minar a força de reformas significativas. (O testemunho de Kelleher é uma avaliação essencial, assim como sua declaração de abertura3 na audiência).
Há, no entanto, progressos sendo obtidos. Dimon é a face pública da resistência dos megabanco a reformas; as repetidas humilhações públicas dessa face em particular fortalecem os que querem domar a assunção de risco excessiva e irresponsável.
Paralelamente, a situação europeia parece explosiva. A abordagem da União Europeia à regulamentação bancária encorajou instituições financeiras a se carregar de títulos de dívidas governamentais - supostamente um ativo "livre de riscos". Agora, tendo em vista a profundidade da crise das dívidas soberanas na periferia da região do euro, calotes governamentais ameaçam derrubar os grandes bancos. O Banco Central Europeu (BCE) ofereceu imensos volumes de "liquidez" de emergência aos bancos, que, por sua vez, os vêm usando para comprar ainda mais títulos soberanos. Isso mantém os juros mais baixos no curto prazo, mas cria perdas potenciais ainda maiores no caso de uma possível inadimplência.
Bancos e políticos estão profundamente entrelaçados em todas as economias avançadas. Diamond descobriu que, no fim das contas, os políticos triunfam sobre os executivos de banco - pelo menos no Reino Unido.
Você realmente acredita na noção, cada vez mais duvidosa, de que os megabancos, como constituídos atualmente, são bons para o resto do setor privado e, portanto, para o crescimento econômico e a criação de empregos? Ou você começa a considerar mais seriamente a proposição, cada vez mais predominante, de que os megabancos internacionais e seus líderes simplesmente tornaram-se poderosos e perigosos demais? (Tradução de Sabino Ahumada)
1www.nytimes.com/2012/05/31/business/kelleher-leads-a-nonprofit-better-markets-in-fight-for-stricter-banking-rules.html?_r=2&pagewanted=all
2 www.bettermarkets.com/sites/default/files/Full%20Testimony%207-10-12_0.pdf
3 www.bettermarkets.com/sites/default/files/Opening%20Statement%207-10-12_0.pdf
Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You" (Casa Branca em chamas: os pais fundadores, nossa dívida nacional e por que isso é importante para você, em inglês), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Formas de limpar essa sujeira
Por Martin Wolf - Valor 18/07
O escândalo da taxa interbancária do mercado de Londres (Libor) foi o último prego no caixão da reputação dos bancos. Depois da imensa crise financeira e da longa lista de escândalos, os bancos agora são vistos como firmas aproveitadoras e incompetentes comandadas por parasitas. Essa indignação com o que Paul Tucker, vice-presidente do Banco da Inglaterra, autoridade monetária do Reino Unido, chamou de "esgoto" é bastante natural. Mas, só a indignação não é capaz de modelar reformas. Aqui estão minhas sete sugestões sobre a melhor forma de resposta.
Primeira, aceitem que haverá mau comportamento, particularmente quando há tanto dinheiro em jogo. É positivo que o público reaja com tanta veemência, uma vez que isso desencorajará a despreocupação administrativa. Mas sejamos realistas: os banqueiros estão nisso por dinheiro e, goste-se ou não, sempre será assim.
Segunda, há formas de reduzir o risco de repetição de escândalos do tipo: penas pesadas são uma delas, mais transparência, outra. Deveriam ser usados dados de transações reais. A transparência não é a panaceia para os males da atividade bancária. Mas ajudaria.
Terceira, os bancos precisam de muito mais patrimônio. Isso, também, é relevante no escândalo da Libor. As autoridades de regulamentação teriam ficado bem menos preocupadas com as taxas Libor relativamente altas em outubro de 2008 se as pessoas não acreditassem que os bancos estavam perigosamente perto do colapso. A resposta a esse medo é mais capital, como Robert Jenkins, membro da nova Comissão de Política Financeira do Banco da Inglaterra, argumentou..
Quarta, mais capital não pode significar 100% em patrimônio. Laurence Kotlikoff não está sugerindo o que chama de "propósito bancário limitado", mas o fim da atividade bancária. Reconheço que a alavancagem de 33 para 1, como agora proposto oficialmente, é assustadoramente alta. Mas não posso entender por que a resposta correta deveria ser acabar com a alavancagem.
Quinta, ao determinar essas exigências de capital, é essencial reconhecer que os chamados ativos "ponderados pelo risco" podem e vão ser extrapolados tanto por bancos como por autoridades de regulamentação. Como Per Kurowski, ex-diretor-executivo do Banco Mundial, sempre me recorda, as crises acontecem quando o que se pensava ser de baixo risco acaba se revelando ser de risco muito grande. Por esse motivo, a alavancagem não ponderada é importante. Precisa ser muito menor do que atual.
Sexta, as justificativas para adotar todas as recomendações da Comissão Independente sobre a Atividade Bancária (ICB, na sigla em inglês), da qual fui membro, são agora mais fortes. Continua vital que os bancos possam passar por um processo fácil de reestruturação, no caso de contratempos: a blindagem, com a separação parcial das operações de investimento em relação às atividades dos bancos de varejo, cuja continuidade dos serviços é essencial, deve facilitar isso. Também é vital assegurar que as subsidiárias e o grupo como um todo tenham volumes suficientes de capital para serem solventes sob quase todas as circunstâncias e tenham títulos conversíveis em capital suficientes para absorver prejuízos, de forma a poderem ser reestruturados com facilidade. Em resumo, os bancos precisam de uma grande margem de segurança, em todos os momentos.
A blindagem com a separação parcial da atividade bancária de varejo também reduziria sua contaminação pela cultura de corretagem de curto prazo da área de banco de investimento. Esse é um dos motivos pelos quais o governo deveria reconsiderar sua decisão de deixar os bancos de varejo oferecerem derivativos "simples". Mas não sejamos ingênuos a respeito disso: os bancos de varejo continuarão podendo ter comportamento inadequado e quebrar.
Na verdade, a questão que o Reino Unido agora precisa enfrentar é se existe um modelo bancário de varejo sólido, tendo em vista as atuais baixas taxas de juros. Eu argumentaria que a dolorosa história de escândalos nos bancos de varejo, incluindo o tratamento brutal aos saques a descoberto não autorizados e a venda enganosa de "seguros de crédito", reflete a ausência de formas saudáveis cobranças para arcar com os custos de se proporcionar serviços bancários.
Por fim, não vejo agora uma justificativa mais persuasiva para a separação total entre as atividades de banco de varejo e de banco de investimento do que antes do escândalo, desde que o financiamento do banco de investimento seja separado da base de depósitos do varejo. Os bancos de varejo também precisam manter um capital adequado. Não se esqueçam de que a atividade bancária de varejo também é arriscada. A blindagem proposta, com separação financeira parcial, traria o mesmo que uma separação completa, mas teria o benefício da diversificação dentro de um grupo de maior escala.
Com maiores exigências de capital e a perda de depósitos cativos e subsídios implícitos dos governos, o custo dos fundos para a área de banco de investimento aumentaria. Mas isso seria positivo. Se a remuneração dos executivos de banco de investimento também ficasse mais alinhada com os interesses dos credores sem garantia, muitas das formas mais irresponsáveis de assunção de risco desapareceriam com o tempo.
É compreensível que os recentes escândalos tenham enfurecido o público. Mas a fúria é sempre uma base perigosa para a definição de políticas. Os dias em que o gerente de banco local era quase tão respeitado como o médico local ficaram bem para trás. Nunca iremos transformar os executivos de bancos em santos. Mas podemos mudar os incentivos que os influenciam, a estrutura dos bancos e o foco da regulamentação. Os aspectos em que eu iria mais longe seriam a busca de uma alavancagem substancialmente menor e de uma transparência significativamente maior. Além disso, faria todo o possível para eliminar a ideia de que o Estado garante a atividade de banco de investimento. Essa ideia é insana. Esse é um dos motivos pelos quais a blindagem com separação financeira parcial é vital. Não podemos ter esperança de milagres. Mas podemos tornar os executivos de banco mais úteis e menos perigosos. Concentrem a atenção nisso. (Tradução de Sabino Ahumada)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
terça-feira, 17 de julho de 2012
Eurocéticos têm melhores argumentos
Por Wolfgang Münchau - Valor 17/07
Existem paralelos assustadores entre os debates sobre o euro feitos no Reino Unido no fim dos anos 90 e os feitos hoje no norte da região do euro. Naquela época, o grupo dos antieuro no Reino Unido ressaltava as deficiências na construção da região da nova moeda - uma análise que acabou se revelando acertada - e também previa corretamente que a união monetária exigiria também uma união política para ser bem-sucedida no longo prazo. Também havia questões emocionais, como a figura da rainha estampada nas notas de dinheiro. Foi, no entanto, uma posição com coerência interna.
Não compartilho dessa ideia, mas lembro-me de admitir na época que se não se aceitasse uma união política, logicamente não se deveria aceitar o euro. Nunca houve uma justificativa puramente econômica para a moeda.
A campanha favorável ao euro no Reino Unido, em contraste, foi patética. Era baseada na noção de que a campanha contrária ao euro era exagerada e que uma moeda única não era algo tão complicado assim. De qualquer forma, argumentavam os partidários do euro, era de interesse da Grã-Bretanha continuar no centro da Europa, seja lá o que for que isso significasse. Contestei um jovem parlamentar pró-euro na época. Sua resposta foi que defender uma união política na Grã-Bretanha era algo impossível; portanto, uma campanha para minimizar a importância das implicações seria a melhor opção.
Avance 13 anos. Na semana passada, mais de 200 economistas assinaram petição organizada por Hans-Werner Sinn, diretor do instituto alemão de pesquisas econômicas Ifo e maior voz eurocética entre os economistas do país. Ele ainda não defendeu a saída do euro, mas suas recomendações não são consistentes com a continuidade da região do euro em sua forma atual. A petição concentrou-se na união bancária e em por que isso abriria a porta para a união fiscal e o compartilhamento dos encargos fiscais em larga escala.
Outros economistas, então, lançaram uma contrapetição argumentando que uma união bancária é um prolongamento lógico de uma união monetária. Isso, por si só, está correto. Assim como os partidários pró-euro no Reino Unido na década de 90, no entanto, eles minimizaram a importância das implicações. Dizem que uma união bancária não é nada a se temer; não haverá transferências; não se trata de uma questão de a Alemanha vir a assumir as dívidas bancárias dos outros.
Discordo das opiniões do professor Sinn e de seu grupo. Tenho de admitir, contudo, que sua posição tem coerência interna. Opõe-se a transferências e, em última análise, aceita o desmembramento da região do erro.
A posição do assim chamado movimento pró-euro, entretanto, é bem menos coerente. Uma união bancária estruturada adequadamente implicaria, é claro, transferências permanentes, da mesma forma que uma união fiscal bem definida. A ideia de que se pode resolver a crise da região do euro sem transferências de qualquer tipo é ilusória. Como o sistema bancário alemão é relativamente mais forte que o espanhol, uma união bancária, naturalmente, implicaria perdas para a Alemanha. Se houver garantia conjunta para os depósitos e uma recapitalização bancária conjunta, certamente haverá transferências - da mesma forma como ocorre hoje dentro dos próprios países.
Assim como no Reino Unido há 13 anos, os que agora fazem campanha pró-Europa na Alemanha, fingem ser pragmáticos. É por isso que concordam com a rejeição, pela primeira-ministra alemã, Angela Merkel, a bônus conjuntos da região do euro. A ideia não é uma proposição possível de ser vendida na Alemanha, dizem. Da mesma forma, concordam que o ajuste econômico da região do euro não pode ser simétrico, também sob o argumento que não é uma proposição vendível. Pelo mesmo motivo, apoiam todas as regras para os déficits, apesar do fato de nunca terem funcionado. Também rejeitam mudanças nos poderes do Banco Central Europeu (BCE). Com pró-europeus como esses, quem precisa de eurocéticos? De forma hilária, muitos professores assinaram ambos os documentos.
A proposta do conselho alemão de assessores econômicos para o chamado fundo para resgatar dívidas cai na mesma categoria. É outro tributo ao santuário do pragmatismo. Parece ser pró-europeu, mas olhando de perto, não vai resolver a crise das dívidas. Um fundo de resgate de dívidas é um instrumento para agrupar uma porção dos títulos de cada país em troca da emissão de um bônus conjunto da região do euro. A ideia, no entanto, é que as dívidas sejam pagas, portanto, a emissão de bônus teria de ser honrada no vencimento. Isso pode funcionar para valores relativamente baixos, mas a dívida em "excesso" da Itália gira em torno a €1 trilhão. A ideia de que Roma possa pagar suas dívidas em excesso em 25 anos é insana, a menos que se presuma uma milagrosa recuperação sustentável no crescimento econômico.
Como no Reino Unido dos anos 90, os pró-europeus de hoje são incapazes de defender a ideia de que uma união monetária exige uma união bancária, uma união fiscal minimamente suficiente com poderes para elevar impostos e uma união política com mandato legislativo independente dos países-membros. Os eurocéticos estão dizendo que não querem nada disso. Os pró-europeus querem obscurecer a situação.
Embora odeie admitir, o grupo do professor Sinn é intelectualmente mais consistente do que o grupo cujos objetivos principais compartilho. (Tradução do Sabino Ahumada).
Wolfgang Münchau é editor do FT, especialista em União Europeia.
O juro contra o derrotismo
Por Antonio Delfim Netto - Valor 17/07
As políticas macroprudenciais foram adotadas pelo mundo afora quando, desiludidos pelos erros que cometeram, supondo os "mercados perfeitos e honestos", os bancos centrais redescobriram que sua tarefa principal é garantir a estabilidade do sistema financeiro e, complementarmente, controlar a taxa de inflação.
E mais. Redescobriram:
1) que uma taxa de inflação baixa e estável está longe de ser condição suficiente para garantir a estabilidade do sistema financeiro; e 2) que este, quando desregulado, tem propensão a autodestruir-se. Basta ver os dois mais recentes escândalos: o previsível do J.P. Morgan e o quase inacreditável do Barclays, poderosos dissolventes da confiança do público sem a qual nada funciona. O "affair" Libor logo atravessará o Atlântico...
Se, por um lado, não há desenvolvimento sem inovação e sem banqueiro que corra o risco de financiá-la, de outro, a desabrida tomada de risco os leva a destruir o que ajudaram a criar. Para seu próprio benefício (e da sociedade), é evidente a necessidade de uma regulação que não lhes impeça de fazer o seu papel com eficiência, mas, ao mesmo tempo, controle cuidadosamente a sua infinita imaginação para inventar instrumentos de destruição em massa (como foram alguns derivativos).
Quatro anos depois da crise iniciada com a falência da Lehman Brothers, em setembro de 2008, que paralisou a economia americana e colocou luz nas patifarias feitas por alguns países da eurolândia com a conivência do sistema financeiro, a experiência e a teorização que a seguiram sugerem que a intuição original estava certa: taxa de juros e medidas macro e microprudenciais podem ser, numa certa medida e em determinadas situações, complementos para atingir o duplo objetivo de estabilizar o sistema financeiro e produzir uma baixa taxa de inflação (talvez igual à dos parceiros internacionais), sem o que o crescimento pode ser comprometido.
A experiência mostrou que a ideia de uma substituição do papel da taxa de juros por medidas macro e microprudenciais é equivocada. No longo prazo, as manobras na taxa de juros têm um espectro de influência sobre o sistema econômico que transcende ao seu papel de estabilizar a taxa de inflação.
Procurar baixar a taxa de juros real no Brasil ao nível internacional é fundamental sob múltiplos aspectos, todos favoráveis à aceleração do desenvolvimento econômico: 1) o valor dos ativos (os imóveis) das famílias tende a crescer, aumentando a sua capacidade de endividamento e estimulando o seu consumo; 2) tende a aumentar o valor dos ativos financeiros, nas bolsas de valores (o que aumenta também o patrimônio das famílias e o consumo) e o valor das empresas. Quando esse ultrapassa o seu custo de reposição, tende a aumentar os investimentos (efeito Tobin), acelerando duplamente a demanda global. E vice-versa: se o valor cai abaixo dele não há investimento. A queda do valor dos bancos, por sua vez, reduz diretamente a capacidade de financiamento da economia, prejudicando o crescimento. O sistema de economia de mercado é insitamente instável, porque a resposta da oferta é defasada da demanda, e porque os agentes são também ciclotímicos. Estão sempre ou num estado de euforia, ou em pessimismo, sobre o qual o valor dos ativos nas bolsas parece, também, exercer papel importante; 3) melhora a qualidade e a quantidade dos empréstimos bancários e os estimula, porque aumenta os lucros das empresas e diminui o risco de inadimplência; 4) reduz o custo do financiamento da dívida pública e libera recursos para o aumento do investimento público; e 5) dá à taxa de câmbio o seu papel de preço relativo, que equilibra o fluxo de valor das exportações ao das importações, mantendo uma taxa de câmbio real saudável, que estimula o crescimento. O contrário ocorre quando há absoluta liberdade de movimento de capitais e a taxa de juro real interna é permanentemente superior à externa, situação na qual a taxa de câmbio transforma-se num ativo financeiro sujeito a toda sorte de especulação.
Tem razão, portanto, o Banco Central quando coloca alta prioridade na redução da taxa de juro real, aproveitando a "janela" que se abriu diante das fantásticas dificuldades que atacam o sistema financeiro internacional e, por consequência, o produtivo. Vamos crescer pouco em 2012 Talvez nada muito diferente do que 2%, mas os efeitos das medidas já tomadas sugerem que deveremos estar rodando a 4%-4,5% no fim de 2012 com relação ao fim de 2011.
É hora de perseverar no bom controle fiscal e encontrar um mecanismo suave que, sem comprometer o equilíbrio nos próximos 12 meses, seja capaz de ampliar, com a cooperação dos Estados, o prazo de pagamento dos impostos que hoje são recolhidos, em média, sete semanas antes do produtor receber a fatura! Esse aumento líquido de caixa (principalmente nas pequenas e médias empresas) - sem a interferência de BNDES e de bancos- acelerá os efeitos das medidas já tomadas e reduzirá o pessimismo do nosso setor industrial. Uma condição necessária para a recuperação é resistir ao conluio sindicalista que se arma na Câmara para destruir o equilíbrio fiscal com a ampliação dos gastos de custeio dos três níveis do governo.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
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