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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS FSP 29/07
COM O real chegando a seu momento de maior força em relação ao dólar, o governo Dilma Rousseff cruzou uma nova fronteira em sua confusa e pouco eficiente estratégia de proteger a indústria brasileira.
Pela primeira vez desde que o ministro Guido Mantega cunhou a expressão "guerra cambial", o governo tomou medidas para atingir o mercado futuro de câmbio na BM&F.
Ao taxar essas operações com o IOF e estabelecer um marco legal para fixar --por medidas administrativas do CMN-- o nível de garantias exigidas, o governo --como Cesar-- cruzou o Rubicão.
Não há mais volta, pois, ao interferir em um mercado tão grande e tão interligado com o lado real da economia sem a devida reflexão sobre seus efeitos --e esse é certamente o caso--, o governo criou algo muito perto do caos.
Estou fora do país, mas os relatos que tive sobre a coletiva do ministro Mantega são suficientes para compor esse quadro de desconhecimento profundo das consequências das medidas adotadas.
Posso afirmar isso porque participei em 1986, quando era diretor do Banco Central, de algo muito semelhante. Pressionado para enfrentar a questão das expectativas de inflação embutidas nas taxas de juros dos títulos públicos, o Banco Central mudou a tributação desses papéis sem a necessária avaliação de suas consequências na economia como um todo.
Tudo virou um inferno, e uma sequência de novas medidas foi necessária para tentar enfrentar as maiores distorções que apareceram. E, a cada tentativa de correção, novos problemas se colocavam. No final, tivemos de voltar atrás...
A questão do real forte é ainda mais complexa do que a que o Banco Central enfrentou décadas atrás. E isso ocorre por várias razões.
A mais importante delas está relacionada às complexas relações entre mercados internos e externos que existem hoje na economia brasileira.
E não estou falando apenas de relações financeiras, mas sim da complexa interação entre as cadeias produtivas em setores importantes do tecido produtivo. As importações fazem parte do cotidiano das empresas brasileiras, o que as obrigam a realizar operações de proteção contra a flutuação da taxa cambial.
Também os exportadores, principalmente no setor de produtos primários, precisam de mecanismos de proteção contra as flutuações de grandes proporções que ocorrem hoje nos mercados futuros desses produtos no exterior. E essas operações de proteção trazem, juntas, as flutuações nos mercados de câmbio.
Poderia escrever muito mais sobre as relações econômicas, e, como já disse, não apenas as financeiras, que estão por trás das operações de taxas de câmbio futuro na BM&F.
Mas tenho certeza de que isso não é necessário para mostrar ao leitor da Folha a fragilidade que está por trás das decisões tomadas pelo governo Dilma nos últimos dias.
Quando escrevo esta coluna, os mercados estão paralisados à espera de esclarecimentos do governo sobre as medidas tomadas. Já tenho muito tempo de estrada para acreditar que elas virão. Volto a afirmar que ninguém no Ministério da Fazenda --inclusive o ministro Mantega-- tem a menor ideia sobre a caixa de surpresas que eles abriram agora.
Uma coisa é certa: ao longo dos próximos dias um mercado futuro de taxas de câmbio, tendo o real como uma das pontas das operações, vai aparecer em Chicago ou em outras praças financeiras.
As demandas por operações desse tipo fazem parte hoje do que chamo de metabolismo da economia brasileira. Por isso, elas vão reaparecer em outros lugares. Mas, como sempre ocorre nessas situações, os custos de transação vão aumentar para quem faz negócios no Brasil e com o Brasil.
Um dos pensamentos estratégicos que os chineses, em seus 5.000 anos de história, nos deixaram foi o de nunca usar um canhão para matar uma formiga.
Os efeitos colaterais que ocorrem quando isso acontece são sempre muito maiores do que os eventuais benefícios gerados.
Vamos testar no Brasil de hoje a sabedoria estratégica dos chineses.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso)
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS FSP 29/07
COM O real chegando a seu momento de maior força em relação ao dólar, o governo Dilma Rousseff cruzou uma nova fronteira em sua confusa e pouco eficiente estratégia de proteger a indústria brasileira.
Pela primeira vez desde que o ministro Guido Mantega cunhou a expressão "guerra cambial", o governo tomou medidas para atingir o mercado futuro de câmbio na BM&F.
Ao taxar essas operações com o IOF e estabelecer um marco legal para fixar --por medidas administrativas do CMN-- o nível de garantias exigidas, o governo --como Cesar-- cruzou o Rubicão.
Não há mais volta, pois, ao interferir em um mercado tão grande e tão interligado com o lado real da economia sem a devida reflexão sobre seus efeitos --e esse é certamente o caso--, o governo criou algo muito perto do caos.
Estou fora do país, mas os relatos que tive sobre a coletiva do ministro Mantega são suficientes para compor esse quadro de desconhecimento profundo das consequências das medidas adotadas.
Posso afirmar isso porque participei em 1986, quando era diretor do Banco Central, de algo muito semelhante. Pressionado para enfrentar a questão das expectativas de inflação embutidas nas taxas de juros dos títulos públicos, o Banco Central mudou a tributação desses papéis sem a necessária avaliação de suas consequências na economia como um todo.
Tudo virou um inferno, e uma sequência de novas medidas foi necessária para tentar enfrentar as maiores distorções que apareceram. E, a cada tentativa de correção, novos problemas se colocavam. No final, tivemos de voltar atrás...
A questão do real forte é ainda mais complexa do que a que o Banco Central enfrentou décadas atrás. E isso ocorre por várias razões.
A mais importante delas está relacionada às complexas relações entre mercados internos e externos que existem hoje na economia brasileira.
E não estou falando apenas de relações financeiras, mas sim da complexa interação entre as cadeias produtivas em setores importantes do tecido produtivo. As importações fazem parte do cotidiano das empresas brasileiras, o que as obrigam a realizar operações de proteção contra a flutuação da taxa cambial.
Também os exportadores, principalmente no setor de produtos primários, precisam de mecanismos de proteção contra as flutuações de grandes proporções que ocorrem hoje nos mercados futuros desses produtos no exterior. E essas operações de proteção trazem, juntas, as flutuações nos mercados de câmbio.
Poderia escrever muito mais sobre as relações econômicas, e, como já disse, não apenas as financeiras, que estão por trás das operações de taxas de câmbio futuro na BM&F.
Mas tenho certeza de que isso não é necessário para mostrar ao leitor da Folha a fragilidade que está por trás das decisões tomadas pelo governo Dilma nos últimos dias.
Quando escrevo esta coluna, os mercados estão paralisados à espera de esclarecimentos do governo sobre as medidas tomadas. Já tenho muito tempo de estrada para acreditar que elas virão. Volto a afirmar que ninguém no Ministério da Fazenda --inclusive o ministro Mantega-- tem a menor ideia sobre a caixa de surpresas que eles abriram agora.
Uma coisa é certa: ao longo dos próximos dias um mercado futuro de taxas de câmbio, tendo o real como uma das pontas das operações, vai aparecer em Chicago ou em outras praças financeiras.
As demandas por operações desse tipo fazem parte hoje do que chamo de metabolismo da economia brasileira. Por isso, elas vão reaparecer em outros lugares. Mas, como sempre ocorre nessas situações, os custos de transação vão aumentar para quem faz negócios no Brasil e com o Brasil.
Um dos pensamentos estratégicos que os chineses, em seus 5.000 anos de história, nos deixaram foi o de nunca usar um canhão para matar uma formiga.
Os efeitos colaterais que ocorrem quando isso acontece são sempre muito maiores do que os eventuais benefícios gerados.
Vamos testar no Brasil de hoje a sabedoria estratégica dos chineses.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso)
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