A grave crise de endividamento público atravessada pelos Estados Unidos e os países da União Europeia expõe uma fragilidade no "sólido" modelo de crescimento brasileiro - o câmbio valorizada, que impulsiona o consumo via aumento do poder de compra, e sustenta a inflação, via importação. Essa é a avaliação do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, para quem a principal missão do governo brasileiro, no segundo semestre, será centrar esforços no câmbio.
"Uma desvalorização, brusca, não está descartada, o que encareceria os importados imediatamente, além de onerar pesadamente os empréstimos externos tomados pelas empresas", diz Belluzzo, que conversou com o Valor de Florença (Itália), na noite de quinta-feira, sobre os impactos que a economia brasileira pode sofrer com o recrudescimento da crise nos países ricos.
Como um espectador privilegiado da crise da dívida pública que avança pelos países europeus, e que fez da Itália a mais recente protagonista, Belluzzo avalia que o resgate da Grécia, cuja dívida bruta beira o patamar de 120% do PIB, está incutindo entre os países ricos a percepção de que, para escapar de um estresse do mercado financeiro e da possibilidade de um calote, é preciso apertar os gastos.
"Assim como a crise foi pegando os países, um a um, a ideia de que é preciso apertar a política fiscal de maneira muito firme tem se tornado consenso, passando de um país para o outro", afirma Belluzzo. "Os europeus estão perplexos com o que está acontecendo, eles não têm nenhuma experiência com esse tipo de situação, que é mais comum em países pobres."
O grande risco para o Brasil, diz o economista, é uma política coordenada de aperto nos gastos na União Europeia e nos EUA. "A Alemanha, único país ainda dinâmico na União Europeia, graças às exportações, não resistiria a um aperto coletivo na política fiscal, porque ficaria sem mercado", avalia Belluzzo. "E nós ficaríamos sem os fluxos de capitais externos, que chegaram em velocidade impressionante no primeiro semestre."
Para Belluzzo, que foi, ao lado do ex-ministro Antonio Delfim Netto, um dos principais conselheiros econômicos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo brasileiro está "um tanto prisioneiro" do atual modelo de crescimento. Ainda que a situação fiscal esteja "muito boa", quando comparada ao resto do mundo, e a inflação permaneça sob o controle do Banco Central, o economista avalia que o governo "não tem como evitar o enorme fluxo de capitais que chegou e chega ao Brasil".
A missão da equipe econômica, portanto, passa por "evitar que uma turbulência muito séria nos países ricos, algo que não está descartado, resulte em uma desvalorização absurda do real".
O elevado nível de reservas acumulado pelo BC - US$ 340 bilhões (dos quais cerca de US$ 220 bilhões aplicados em títulos públicos americanos - e a dívida bruta em torno de 55% do PIB deixam o Brasil em situação confortável para enfrentar uma deterioração adicional nos países ricos.
"O governo não deveria ter permitido uma valorização tão excessiva do real", diz Belluzzo. "No momento em que os fluxos do exterior se reverterem, independentemente da velocidade com que isso aconteça, o modelo de crescimento sustentado de maneira firme no mercado doméstico e no controle de inflação, via ingresso de bens importados, sofrerá um baque".
A situação de impasse vivida por europeus e americanos intriga o economista que, entre a segunda metade de 1985 e os primeiros meses de 1987, teve como principal tarefa encontrar uma solução que evitasse um calote do enorme passivo acumulado pelo Estado brasileiro. Belluzzo era secretário de Política Econômica. Naquele período, Belluzzo passou do céu, representado pelos passos iniciais do Plano Cruzado, que impulsionou o crescimento de 7,5% do PIB em 1986, ao inferno, quando o país declarou a moratória.
Como acontece hoje com os países europeus, quando a descrença quanto à solvência da Grécia, em 2010, atingiu Irlanda, Portugal e, mais recentemente, a Itália, os países latino-americanos foram alvos dos bancos americanos e europeus entre 1982, quando o México foi o primeiro a declarar moratória, e 1994, quando o Brasil finalizou a renegociação da dívida externa.
"A União Europeia passa, hoje, pelo que a América Latina passou entre o fim da década de 80 e o início dos anos 90", diz Belluzzo, "quando todos os agentes do mercado sabiam que as dívidas eram impagáveis e precisavam ser renegociadas, mas ninguém queria arcar com o prejuízo". Mesmo assim, pondera Belluzzo, a renegociação da dívida externa brasileira, entre 1993 e 1994, só foi possível devido à crise econômica que os americanos atravessaram durante o governo Bush (1989-1992), que permitiu ao Brasil acumular as reservas internacionais que serviram de garantia nas reuniões com os credores.
Para Belluzzo, uma política fiscal mais apertada só faz sentido em tempo de bonança - o que não é o caso. "Os países europeus e os EUA precisam resolver o alto desemprego, principal problema da economia real. Isso só acontece com crescimento", afirma.
A situação americana beira a "irracionalidade econômica", diz o economista. Em vez de utilizar a política fiscal como estímulo para a redução da elevada taxa de desemprego, que oscila entre 9% e 10% há um ano, o governo de Barack Obama lançou mão da política monetária. "Foi a agressiva política de emissão de moeda adotada pelo Fed [Federal Reserve, o banco central americano] que propiciou a enxurrada de capital que chegou ao Brasil desde o fim do ano passado, e pouco serviu para ampliar o crescimento interno ou gerar empregos", afirma Belluzzo.
A crise fiscal americana é o reflexo da crise financeira privada, desencadeada pela falência de grandes bancos de investimento, em 2008. "O governo gastou a política fiscal na salvação do sistema financeiro, algo que era necessário, e acabou sendo tímido no incentivo ao crescimento. Agora, a irresponsabilidade será maior, caso decidam por cortes de programas sociais, na hora errada".
"Uma desvalorização, brusca, não está descartada, o que encareceria os importados imediatamente, além de onerar pesadamente os empréstimos externos tomados pelas empresas", diz Belluzzo, que conversou com o Valor de Florença (Itália), na noite de quinta-feira, sobre os impactos que a economia brasileira pode sofrer com o recrudescimento da crise nos países ricos.
Como um espectador privilegiado da crise da dívida pública que avança pelos países europeus, e que fez da Itália a mais recente protagonista, Belluzzo avalia que o resgate da Grécia, cuja dívida bruta beira o patamar de 120% do PIB, está incutindo entre os países ricos a percepção de que, para escapar de um estresse do mercado financeiro e da possibilidade de um calote, é preciso apertar os gastos.
"Assim como a crise foi pegando os países, um a um, a ideia de que é preciso apertar a política fiscal de maneira muito firme tem se tornado consenso, passando de um país para o outro", afirma Belluzzo. "Os europeus estão perplexos com o que está acontecendo, eles não têm nenhuma experiência com esse tipo de situação, que é mais comum em países pobres."
O grande risco para o Brasil, diz o economista, é uma política coordenada de aperto nos gastos na União Europeia e nos EUA. "A Alemanha, único país ainda dinâmico na União Europeia, graças às exportações, não resistiria a um aperto coletivo na política fiscal, porque ficaria sem mercado", avalia Belluzzo. "E nós ficaríamos sem os fluxos de capitais externos, que chegaram em velocidade impressionante no primeiro semestre."
Para Belluzzo, que foi, ao lado do ex-ministro Antonio Delfim Netto, um dos principais conselheiros econômicos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo brasileiro está "um tanto prisioneiro" do atual modelo de crescimento. Ainda que a situação fiscal esteja "muito boa", quando comparada ao resto do mundo, e a inflação permaneça sob o controle do Banco Central, o economista avalia que o governo "não tem como evitar o enorme fluxo de capitais que chegou e chega ao Brasil".
A missão da equipe econômica, portanto, passa por "evitar que uma turbulência muito séria nos países ricos, algo que não está descartado, resulte em uma desvalorização absurda do real".
O elevado nível de reservas acumulado pelo BC - US$ 340 bilhões (dos quais cerca de US$ 220 bilhões aplicados em títulos públicos americanos - e a dívida bruta em torno de 55% do PIB deixam o Brasil em situação confortável para enfrentar uma deterioração adicional nos países ricos.
"O governo não deveria ter permitido uma valorização tão excessiva do real", diz Belluzzo. "No momento em que os fluxos do exterior se reverterem, independentemente da velocidade com que isso aconteça, o modelo de crescimento sustentado de maneira firme no mercado doméstico e no controle de inflação, via ingresso de bens importados, sofrerá um baque".
A situação de impasse vivida por europeus e americanos intriga o economista que, entre a segunda metade de 1985 e os primeiros meses de 1987, teve como principal tarefa encontrar uma solução que evitasse um calote do enorme passivo acumulado pelo Estado brasileiro. Belluzzo era secretário de Política Econômica. Naquele período, Belluzzo passou do céu, representado pelos passos iniciais do Plano Cruzado, que impulsionou o crescimento de 7,5% do PIB em 1986, ao inferno, quando o país declarou a moratória.
Como acontece hoje com os países europeus, quando a descrença quanto à solvência da Grécia, em 2010, atingiu Irlanda, Portugal e, mais recentemente, a Itália, os países latino-americanos foram alvos dos bancos americanos e europeus entre 1982, quando o México foi o primeiro a declarar moratória, e 1994, quando o Brasil finalizou a renegociação da dívida externa.
"A União Europeia passa, hoje, pelo que a América Latina passou entre o fim da década de 80 e o início dos anos 90", diz Belluzzo, "quando todos os agentes do mercado sabiam que as dívidas eram impagáveis e precisavam ser renegociadas, mas ninguém queria arcar com o prejuízo". Mesmo assim, pondera Belluzzo, a renegociação da dívida externa brasileira, entre 1993 e 1994, só foi possível devido à crise econômica que os americanos atravessaram durante o governo Bush (1989-1992), que permitiu ao Brasil acumular as reservas internacionais que serviram de garantia nas reuniões com os credores.
Para Belluzzo, uma política fiscal mais apertada só faz sentido em tempo de bonança - o que não é o caso. "Os países europeus e os EUA precisam resolver o alto desemprego, principal problema da economia real. Isso só acontece com crescimento", afirma.
A situação americana beira a "irracionalidade econômica", diz o economista. Em vez de utilizar a política fiscal como estímulo para a redução da elevada taxa de desemprego, que oscila entre 9% e 10% há um ano, o governo de Barack Obama lançou mão da política monetária. "Foi a agressiva política de emissão de moeda adotada pelo Fed [Federal Reserve, o banco central americano] que propiciou a enxurrada de capital que chegou ao Brasil desde o fim do ano passado, e pouco serviu para ampliar o crescimento interno ou gerar empregos", afirma Belluzzo.
A crise fiscal americana é o reflexo da crise financeira privada, desencadeada pela falência de grandes bancos de investimento, em 2008. "O governo gastou a política fiscal na salvação do sistema financeiro, algo que era necessário, e acabou sendo tímido no incentivo ao crescimento. Agora, a irresponsabilidade será maior, caso decidam por cortes de programas sociais, na hora errada".
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