sexta-feira, 29 de julho de 2011
Mentalidade inflacionária e indexação
Luiz Carlos Bresser-Pereira
29/07/2011
Até 1980 o tema principal de minhas aulas e de meus artigos era o do desenvolvimento econômico. Quando, naquele ano, teve início a alta inflação inercial e desencadeou-se a crise da dívida externa, eu me voltei para a macroeconomia e para as crises de balanço de pagamentos. Assim, não me surpreendi quando, em 1987, ao assumir o Ministério da Fazenda em um momento de crise aguda, verifiquei que os problemas que tinha que enfrentar eram justamente aqueles - o da dívida externa que em 1993 foi em parte resolvido graças ao Plano Brady e o da alta inflação, que em 1994 foi resolvido pelo Plano Real.
Mas a estabilização foi parcial e, desde então, os dois grandes problemas que limitam o crescimento econômico são o alto nível da taxa de juros e uma taxa de câmbio cronicamente sobreapreciada.
Se aprendemos uma coisa nos 15 anos de alta inflação (1980-1994) foi que nada dificulta mais seu controle do que a indexação. É a indexação formal dos preços que habitua as pessoas e as empresas a também indexar informalmente seus próprios preços. Daí decorrem uma rigidez para baixo da inflação, e consequências localizadas absurdas como são as ações na justiça em relação aos planos de estabilização. Neles a mudança na forma de calcular o índice era necessária para sinalizar o fim da inflação, mas não causou prejuízo para os poupadores. Como os preços eram congelados em um determinado dia, e como no cálculo dos índices de preço compara-se a média do mês com a média do mês anterior, era necessário que fosse eliminado o "carregamento" da inflação do mês anterior. Se isso não fosse feito, a inflação, embora zerada, carregaria a metade da alta inflação do mês anterior, sinalizaria que o plano fracassara, e essa seria uma profecia autorrealizada porque, dada essa percepção, os agentes econômicos indexariam informalmente seus preços mais uma vez.
Equívocos como esse são apenas um tipo de distorção que traz a indexação formal. Mais amplamente ela é origem de mentalidade inflacionária e da prática da indexação informal. As empresas aumentam seus preços não de acordo com o aumento da demanda, mas de acordo com o índice de preço mais aceito no momento. Estabelece-se, assim, uma ciranda de aumentos defasados de preços na qual ninguém sabe quem aumentou primeiro, mas que não pode ser interrompida por nenhum dos agentes econômicos porque isso implicará perdas para ele. Por isso a inflação inercial é compatível com a recessão; por isso austeridade fiscal apenas não é eficaz em controlá-la. Para terminar com essa ciranda inercial decorrente da indexação é preciso neutralizá-la em um determinado dia, sem, no entanto, causar prejuízo para os agentes econômicos que naquele mês ainda não haviam aumentado seus preços. A solução para isso é o congelamento de preços com uma tabela que desconte a inflação futura das contas a pagar das empresas, ou então o uso de uma moeda indexada ao dólar durante alguns meses.
A alta inflação inercial terminou em 30 de junho de 1994, mas continuamos a ter uma inflação inercial, porque a instituição da indexação formal continua a existir e, em consequência, se perpetua a indexação informal. Até hoje cerca de 30% dos preços são formalmente indexados (em relação a seu peso no índice). São principalmente os preços dos contratos de concessão do Estado para as empresas, e recentemente decidiu-se, de forma absurda, indexar o salário mínimo. Alimenta-se, assim, a mentalidade inflacionária. E essa é uma das razões pelas quais o Banco Central adota um nível de taxas de juros altíssimo - o maior do mundo em termos reais desde 1994.
Como resolver esse problema? Não proponho a quebra de contratos, mas que o governo envie para a aprovação do Congresso projeto de lei proibindo que o Estado brasileiro assine ou renove contratos com cláusula de indexação em qualquer um dos seus níveis (federal, estadual, e municipal). Isso não significa que os preços contratados não possam ser revisados tomando-se em conta a inflação. Isso continuará a ser feito, mas não de acordo com um índice previamente determinado. No contrato estará previsto que um dos critérios de reajuste será a inflação, de maneira que, no momento da renegociação de preços, o governo possa fazer o que os demais países fazem: discutir com a concessionária do serviço público o reajuste levando-se em conta o aumento dos preços que incidem mais diretamente em sua atividade e o aumento de produtividade.
Essa proibição deverá, naturalmente, se estender aos títulos emitidos pelo Estado. Assim as Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), títulos indexados à Selic, deixarão imediatamente de ser emitidas, eliminando-se gradualmente outra causa fundamental das altas taxas de juros.
A solução que apresento não é mágica, não resolverá a pressão inflacionária atual nem desestimulará as ações na Justiça cobrando créditos injustificados, mas os bons governos legislam para o futuro. Aprovada a lei, a indexação formal e a mentalidade inflacionária aos poucos desaparecerão da economia brasileira, e o Brasil poderá ter uma taxa de inflação de padrão internacional. Por outro lado, na medida em que o Banco Central deixe de precisar de altas taxas de juros para controlar a inflação, o nível da taxa de juros baixará, o que contribuirá para que a taxa de câmbio caminhe na direção de um nível de equilíbrio.
Luiz Carlos Bresser-Pereira professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas "Globalização e Competição" (also in French, English and Spanish)
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