segunda-feira, 18 de julho de 2011

Como reduzir os juros


Demian Fiocca
Valor - 14/07/2011
Dos interessantes artigos publicados pelo Valor sobre câmbio, juros e inflação, emergiram mais perplexidades do que consensos. Modelos abstratos não dão conta desse misterioso equilíbrio brasileiro com juros reais tão altos. A explicação está no exame mais concreto dos mecanismos de transmissão da política monetária.

Face a juros reais médios de 6% a 7%, normalmente se pergunta quais condições excepcionais do Brasil exigem tamanho contrapeso na política monetária.

Uns especulam se o brasileiro tem uma inusual propensão a consumir e somente juros muito altos podem fazê-lo poupar. Outros dizem que é a forte expansão de gastos públicos que exige a contenção do setor privado. Ou seria para compensar o crédito direcionado, segurando o crédito livre. Talvez um alto risco da dívida pública, ou a incerteza jurídica etc.

Nessas hipóteses, a ideia é quase sempre que os juros altos estão compensando alguma outra coisa anômala. Só que não estão. E é essa a grande peculiaridade do Brasil.

Em qualquer parte do mundo, juros reais de mais de 5% deveriam conter o mercado de crédito. Mas, no Brasil, entre 2004 e 2008, por exemplo, os juros reais foram de 9,1% em média e o crédito livre cresceu 25,6% ao ano!

Ou seja, a peculiaridade do Brasil é a baixa eficiência dos próprios juros de curto prazo: muitos, para pouca contenção do mercado privado de crédito.

E note-se que, contrariamente ao que alguns disseram, o crédito direcionado (BNDES, agrícola e habitacional) cresceu menos. Aumentou 17,1% ao ano no mesmo período. Ou seja, foi o crédito livre que os juros reais muito altos não conseguiram conter. A demanda agregada teria crescido ainda mais, exigindo juros ainda mais altos, se o crédito direcionado reagisse como o crédito livre.

A ideia é quase sempre que a taxa elevada está compensando alguma outra coisa anômala. Só que não estão

Mas deixemos de lado o crédito direcionado e examinemos o crédito livre, que é a ponta final do mecanismo de transmissão pelo qual a Selic deveria conter a demanda e segurar a inflação.

Na maior parte do mundo, a dívida pública é prefixada e de longo prazo. Os bancos são grandes detentores de dívida pública e sofrem perdas quando os juros sobem. Essa perda de capital deixa os bancos mais cautelosos. Eles então alteram suas políticas, no sentido de conter a oferta de crédito.

Deveria funcionar assim: o Banco Central (BC) muda os juros de curto prazo; o mercado corrige as taxas de longo prazo na mesma direção; estes provocam ganhos ou perdas de capital; que influenciam a política bancária; que altera a oferta de crédito; que afeta a demanda agregada; que influencia a inflação.

No Brasil, grande parte da dívida pública é indexada aos juros de curto prazo. Assim, os ganhos ou perdas de capital dos bancos são menos relevantes e não alteram a oferta de crédito na mesma intensidade.

Além disso, como essa dívida corresponde a 24% do Produto Interno Bruto (PIB), cada alta dos juros de 1% expande a demanda agregada em 0,24% do PIB, pela maior injeção de dinheiro na economia, pago aos investidores de curto prazo. Esse efeito indesejado é insignificante nas economias com dívida pública prefixada.

Desse modo, é como se no Brasil a Selic fosse um freio que, além de ser fraco, ainda estivesse enganchado no acelerador. Pelo lado do crédito livre, contém menos a demanda que em outras economias. Pelo aumento imediato do pagamento de juros, estimula a demanda. O efeito líquido felizmente ainda está na direção esperada. Ou seja, o carro perde velocidade. Mas gasta muito mais pastilha de freio e combustível ao mesmo tempo.

Essa baixa eficiência da Selic significa que os juros no Brasil são altos, não porque precisam ser altos, mas porque podem ser altos. A boa notícia é que eles também podem ser mais baixos.

Imagine-se que o efeito "freio fraco com acelerador enganchado" fosse neutro, ou seja, que as forças opostas do freio e do motor se compensassem. Nesse caso, o carro pode manter a mesma velocidade tanto freando e acelerando muito (com juros altos), como freando e acelerando pouco (com juros baixos).

A baixa eficiência da Selic implica que uma taxa mais baixa provavelmente não trará um impulso expansionista tão forte e, portanto, demandará ajustes apenas moderados em outros condicionantes da demanda agregada. A consequência teórica disso é que é promissora a intuição de Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), de que o Brasil pode apresentar dois equilíbrios, um com juros altos e outro com normais.

A consequência prática é que temos um caminho viável para conduzir a economia a taxas de juros de curto prazo mais próximas dos padrões mundiais.

Não se trata de questões mitológicas, como mudar a psicologia de um brasileiro supostamente ultra-consumista, ou tentar convencer-se da hipótese de que um déficit público de apenas 2,5% do PIB e uma dívida/PIB em queda afugentam credores.

Trata-se de desenhar uma transição da política monetária mesmo, utilizando instrumentos complementares, como os controles macroprudenciais. Fazer uso menos intenso da Selic e uso mais intenso de instrumentos que tenham o mesmo efeito sobre a oferta de crédito, sem o efeito contrário e indesejado da injeção de dinheiro na economia.

Uma transição gradual combinaria a manutenção do elevado superávit primário e, possivelmente, juros de longo prazo nos níveis atuais, para evitar uma inflação de ativos. É desejável que o efeito compensatório das medidas macroprudenciais seja cada vez mais mensurado e explicitado, visando à coordenação de expectativas.

Em todo o mundo, a discussão sobre mecanismos de transmissão da política monetária é mais familiar a profissionais de Bancos Centrais do que a macroeconomistas. Talvez por isso ela não receba espontaneamente grande atenção.

No Brasil, porém, a visível baixa eficiência da Selic demanda esse tratamento menos abstrato e mais detalhado da política monetária.

A competência que a diretoria do BC mostrou neste início de ano, debelando com serenidade o suposto risco de descontrole da inflação propagandeado por alguns economistas, mostra que o Brasil está à altura de superar mais esse desafio.

Demian Fiocca é autor de "A Oferta de Moeda na Macroeconomia Keynesiana". Foi presidente do BNDES e da Nossa Caixa. É sócio-diretor da Mare Investimentos.

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