terça-feira, 29 de maio de 2012
O sonho frustrado da França
Por Martin Feldstein - Valor 29/05
A crise na região do euro é resultado da busca persistente da França por um "projeto europeu", o objetivo de unificação política iniciado depois da Segunda Guerra Mundial, quando dois dos principais políticos franceses, Jean Monnet e Robert Schuman, propuseram a criação dos Estados Unidos da Europa.
Monnet e Schuman argumentavam que uma união política similar à do EUA evitaria os tipos de conflito que haviam provocado três grandes guerras europeias - uma ideia atraente, mas que fez vistas grossas à terrível Guerra Civil dos EUA. Uma união política europeia também poderia tornar a Europa uma potência política comparável aos Estados Unidos e, portanto, dar à França, com seu apurado serviço de relações exteriores, um papel de importância nos assuntos europeus e mundiais.
O sonho de Monnet e Schuman levou ao Tratado de Roma, de 1956, que estabeleceu uma pequena área de livre comércio, posteriormente ampliada na forma da Comunidade Econômica Europeia (CEE). O estabelecimento da CEE teve efeitos econômicos favoráveis, mas, da mesma forma que o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), não diminuiu o senso de identificação nacional nem criou a ideia de unidade política.
Esse foi o propósito do Tratado de Maastricht, de 1992, que criou a União Europeia. O influente relatório "One market, one money" * (um mercado, uma moeda, em inglês), publicado em 1990, sob a liderança de Jacques Delors, então ministro das Finanças da França, defendia a criação de uma moeda única, fiando-se no ilusório argumento de que o mercado único não poderia funcionar bem de outra forma. De forma mais realista, defensores de uma moeda única argumentavam que sua criação levaria as pessoas a se identificar como europeus e que a criação de um Banco Central Europeu (BCE) prenunciaria um afastamento do poder dos governos nacionais.
A Alemanha resistia à ideia do euro, sustentando que, primeiro, deveria haver uma união política integral. Como não havia chance de os outros países aceitarem uma união política, a posição alemã parecia uma manobra técnica para evitar o estabelecimento da moeda única. O país estava relutante em abrir mão do marco alemão, símbolo de seu poder econômico e de seu compromisso com a estabilidade de preços. A Alemanha acabou concordando com a criação do euro, apenas quando o presidente francês François Mitterrand a colocou como condição para apoiar a reunificação alemã.
Além disso, sob pressão da França, a exigência do Tratado de Maastricht de que os países pudessem adotar o euro apenas se o endividamento nacional fosse inferior a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) foi relaxada para também permitir a admissão de países que pareciam estar "evoluindo" para essa meta. A modificação permitiu a entrada da Grécia, Espanha e Itália.
Os políticos favoráveis ao euro ignoraram os alertas de economistas, de que impor uma moeda única a uma dúzia de países heterogêneos era algo destinado a criar sérios problemas econômicos. Consideraram os riscos econômicos como pouco importantes em relação à sua agenda de unificação política.
A adoção do euro, no entanto, resultou em uma queda acentuada nas taxas de juros nos países periféricos, o que levou à criação de bolhas imobiliárias alimentadas por dívidas e encorajou os governos a captar mais para financiar seus aumentos de gastos. Surpreendentemente, os mercados financeiros internacionais ignoraram os riscos de crédito desses títulos de dívidas soberanos, pedindo apenas pequenas diferenças de rendimento entre os bônus alemães e os da Grécia ou outros países periféricos.
Isso acabou em 2010, depois de a Grécia admitir ter mentido sobre seu endividamento e déficits orçamentários. Os mercados financeiros reagiram exigindo taxas muito maiores para os bônus de países com alto endividamento governamental e sistemas bancários enfraquecidos pelo excesso de dívidas hipotecárias.
Três países pequenos (Grécia, Irlanda e Portugal) se viram obrigados a pedir ajuda financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e adotar dolorosos cortes fiscais com efeitos restritivos. As condições na Grécia agora são desesperadoras e deverão levar a mais calotes e à saída da região do euro. A Espanha também está em sérios problemas como resultado dos déficits orçamentários de seus governos regionais tradicionalmente independentes, da fragilidade de seus bancos e da necessidade de rolar grandes volumes de dívidas soberanas a cada ano.
Já ficou claro que o recém-acertado "pacto fiscal" da UE não vai conter os déficits nacionais nem reduzir as dívidas nacionais. A Espanha foi a primeira a insistir em que não conseguiria cumprir as condições com as quais havia acabado de concordar; e outros países logo virão a seguir. O presidente da França, François Hollande, propôs equilibrar os limites de déficits com iniciativas voltadas ao crescimento, como a França havia pressionado anteriormente para que o Pacto de Estabilidade da UE virasse o Pacto da Estabilidade e Crescimento. O pacto fiscal é um gesto vazio, que pode ser a última tentativa para fingir que os países-membros da UE movem-se em direção a uma unificação política.
O projeto europeu claramente deixou de alcançar o que os líderes políticos franceses queriam desde o início. Em vez da amizade e do sentimento de motivação sonhados por Monnet e Schuman, há conflito e desordem. O papel internacional da Europa vem encolhendo, com o antigo G-5 tendo evoluído para o G-20. E, com a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, estabelecendo as condições para a região do euro, a ambição francesa de dominar a política europeia viu-se frustrada.
Mesmo se a maioria dos países da região do euro mantiver a moeda única, isso se dará porque abandonar a moeda seria financeiramente doloroso. Agora que suas fragilidades estão claras, o euro continuará como uma fonte de problemas, em vez de um caminho para o poder político.(Tradução de Sabino Ahumada)
* www.ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication7454_en.pdf
Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e foi presidente do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
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