segunda-feira, 28 de maio de 2012
O futuro dos bancos centrais
Por Jairo Saddi - Valor 28/05
Sir Mervyn King, governador do Banco da Inglaterra há mais de uma década, numa conferência em Plymouth, questionado sobre o que seria a boa atividade de um banqueiro central respondeu: "boring is best" ("ser chato é o melhor"). Inflação e metas monetárias sob controle, crescimento econômico sem precedentes, enfim, realmente, os banqueiros centrais só poderiam realmente achar que a melhor opção de ação seria aquela que fosse previsível, consistente, contínua e, portanto, a mais chata.
É desnecessário lembrar a diferença que uma crise mundial faz a esse tipo de mentalidade. Nos últimos quatro anos, a atividade dos bancos centrais pode ter sido tudo, menos chata... Aliás, as grandes injeções de liquidez e de estímulo monetário são provas vivas disso. Segundo Philipp Hilderand, ex-presidente do Banco Nacional da Suíça, em artigo no "Financial Times" (12 de maio 2012, p. 11), eles agiram com coragem e determinação e impediram o sistema econômico mundial de naufragar, o que os aproximou do status de heróis públicos. Muitos, contudo, não concordam - por exemplo, Martin Wolf alega, no mesmo Financial Times (2 de maio, p. 9), que não se pode dar crédito a alguém por um evento hipotético, em que há muitas premissas falsas no processo de resgate. Em resumo, há muito ainda a indagar sobre o futuro dos banqueiros centrais.
Caberia aqui um primeiro comentário fundamental: o futuro será incerto, com a única certeza de que ele não será monótono, ao contrário, será bem agitado. Bancos centrais terão que administrar o paradoxo da estabilidade financeira e monetária com riscos e volatilidades crescentes. E terão cada vez mais aspectos controversos a gerenciar, que praticamente não existiam até antes da crise, já que perseguir baixa inflação e uma meta monetária definida era consenso universal sobre suas funções, assim, o impacto de suas decisões será sentido cada vez mais na economia. Além disso, nunca se discutiu a solidez dos bancos centrais, mas, com seus balanços inchados de ativos mais problemáticos, isso parece cada vez mais próximo.
Nesse panorama, verifica-se que será preciso administrar melhor as intervenções microscópicas. Prover liquidez - função de prestamista de última instância e que desde o século XIX é reconhecida como uma das funções clássicas de qualquer banco central -, irá requerer muito mais atenção. O risco de uma intervenção prematura, aumentando o risco de moral hazard, só não é pior do que a intervenção tardia, na qual o remendo sempre será mais difícil. No entanto, impactos fiscais só são sentidos muito tempo depois e, inevitavelmente, com elevados custos. Resta saber se tais desafios institucionais terão o necessário apoio político, nem sempre disponível quando mais se precisa dele.
Ademais, há evidente pressão para que os bancos centrais deixem de se ocupar apenas com a inflação e passem a se concentrar também no crescimento econômico e no desenvolvimento nacional. Ou, em outras palavras, como assegurar a estabilidade monetária e o padrão de compra do valor da moeda com políticas que muitas vezes são expansionistas além da estabilidade do sistema financeiro e dos meios de crédito? Aliás, conciliar estabilidade e risco é o grande desafio da sociedade financeira pós-crise 2008. E, com tudo o que houve, não há como não aceitar o fato de que o sistema financeiro tem uma propensão natural ao risco: deixado ao léu, a chance de bobagem é realmente elevada.
Finalmente, há a credibilidade. Bancos centrais têm na credibilidade seu maior ativo. Credibilidade pode ser definida como qualidade daquilo em que se pode crer ou se toma como verdade, implicando julgamentos de confiança e segurança. Um banco central que não goze de credibilidade faz com que os agentes econômicos superestimem as taxas corretivas de preços, de moeda, de inflação e de câmbio, e, principalmente, a taxa de juros. Quanto menos confiável a ação do banco central, maior a taxa de juros oferecida ao mercado, para que seus títulos ou aqueles que oferece sejam detidos, sob o risco de a moeda fluir para outros ativos ou mesmo para o consumo.
Ao contrário, bancos centrais com credibilidade acabam gerando moedas fortes. Não impõem um prêmio ou um risco por suas operações, por não estarem enfrentando vieses inflacionários. Paradoxalmente, maior credibilidade dá-lhes o instrumental necessário à condução das políticas monetárias mais restritivas no curto prazo, em épocas de crise e de tormenta, se assim for necessário.
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de direito do Insper
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