quinta-feira, 24 de maio de 2012
Além da euforia (I)
Por Fabio Giambiagi
Acabo de lançar, com Armando Castelar Pinheiro, o livro "Além da euforia" (Editora Campus). O livro faz uma análise da economia brasileira nos últimos anos, destacando a natureza excepcional de um conjunto de circunstâncias positivas que beneficiaram o país, mas apontando para uma série de deficiências do nosso modelo de desenvolvimento. Começo hoje uma série de cinco artigos tratando das principais ideias do livro. Ele trata dos elementos que tendem a prejudicar a perspectiva de um maior dinamismo futuro da nossa economia, elementos esses que, na euforia consumista dos últimos tempos, os brasileiros tendemos a ignorar.
Aqueles que acompanham as colunas que escrevi no Valor nos últimos anos talvez se sintam confusos pelo que pode parecer, numa primeira impressão, como manifestações de expressões contraditórias por parte do mesmo autor. De fato, nos últimos 10 anos ajudei a organizar vários livros e, em mais de um deles havia uma imagem positiva do país. Como é possível - pode indagar o leitor - transmitir uma visão positiva e crítica ao mesmo tempo?
Na verdade, ambas atitudes se justificam e a coexistência entre essas visões se explica com base na velha imagem do copo "cheio pela metade e vazio pela metade". Os avanços do Brasil ao longo dos últimos 25 anos a 30 anos foram muito grandes - e, em alguns casos, acentuados depois de 2003.
De forma genérica, pode-se dizer que o país se assumiu como uma democracia complexa; modernizou o parque produtivo em relação ao seu estado nos anos 80; estabilizou a economia; mudou o regime fiscal em relação à desordem que imperou durante décadas; melhorou a distribuição de renda; diminuiu o número de pessoas miseráveis; reduziu a taxa de desemprego; acumulou reservas internacionais; etc. Os méritos disso foram compartilhados por vários governos: originalmente, Sarney comandou a transição política nos anos 80; a gestão Collor deu uma "virada de leme" na orientação da economia no começo dos anos 90; com Itamar Franco tivemos o Plano Real; FHC liderou reformas fundamentais que mudaram a economia do país depois de 1994; e no governo Lula todos os indicadores econômicos e sociais melhoraram de forma inequívoca na última década.
Não obstante isso, persiste entre um grupo de analistas - entre os quais, modestamente, me incluo - a percepção de que o Brasil não aproveitou plenamente uma "combinação zodiacal" inédita para dar passos mais avançados rumo ao desenvolvimento. Em particular, essa visão, que o livro escrito com Castelar tenta condensar, sustenta que parte dos êxitos na primeira década do atual século - e, em particular, nos últimos anos - se apoiou no comportamento atípico de algumas variáveis-chave da economia internacional - notadamente os preços das "commodities" e as taxas de juros - e que se estas sofrerem uma reversão no futuro, o país não terá se preparado devidamente para encarar um cenário hostil.
A abordagem crítica se baseia em quatro pontos:
1) a taxa de investimento da economia brasileira continua sendo baixa, como expressão de uma poupança doméstica inferior à que prevalecia em 1994 e que, depois de algumas oscilações e de aumentar entre 1999 e 2004, voltou a cair entre 2004 e 2011;
2) os níveis de educação da população brasileira, em média e mesmo entre os mais jovens, são constrangedoramente baixos para poder aspirar a taxas maiores de crescimento, em um mundo cada vez mais competitivo;
3) a situação do balanço de pagamentos - base da reviravolta favorável da situação do setor externo do país na primeira metade da primeira década do século - dá sinais de reversão, apenas mitigados até 2011 por termos de troca exuberantes; e
4) a demografia, que no Brasil até aqui tem sido uma aliada do crescimento, passará gradualmente a se tornar um entrave para uma maior expansão, devido à combinação de menor crescimento da População Economicamente Ativa e maior incremento da população idosa - na bonança, estamos sacando contra o futuro.
O resultado disso é uma economia que tem crescido se aproveitando dos bons ventos da economia internacional e da existência, no começo desse ciclo, em 2003, de um "exército de trabalhadores de reserva" então desempregados, estoque esse que gradualmente foi sendo esgotado pelo próprio processo de expansão.
A chave para entender as limitações desse processo está na frase de um analista estrangeiro (Gray Newman) acerca da América Latina, numa das epígrafes do livro: "O risco é esquecer o desafio colocado para os 'policy makers': o de aproveitar os atuais fluxos de capitais para construir melhores condições para o crescimento sustentável. Poucas coisas foram mais prejudiciais para a região que o excesso de confiança em fluxos transitórios".
A frase é de 2005 e 7 anos depois os fluxos ainda se mantêm, mas o alerta é mais válido do que nunca. Convidamos o leitor interessado a compartilhar nossa reflexão e nossas dúvidas. Aprofundarei esses temas nos meus próximos quatro artigos.
Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus). E-mail: fgiambia@terra.com.br.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário