quarta-feira, 30 de maio de 2012
A charada do interesse da Alemanha
Por Martin Wolf - Valor 30/05
Como vão acabar as crises internas da região do euro? Muitas pessoas me perguntaram isso nos Estados Unidos. Outra dúvida é como a região do euro poderá sair da crise e chegar à estabilidade? Para resolver a questão, precisamos distinguir três aspectos da confusão: para onde a região do euro está indo; para onde a Alemanha quer que a região do euro vá; e para onde a região do euro precisa ir.
A atual posição da região do euro parece deprimentemente clara. Alguns países-membros, sendo dois deles grandes (Itália e Espanha), já estão à beira de ter governos incapazes de administrar seu endividamento público sem auxílio externo. Grande parte dessas dívidas está em mãos de seus bancos. Muitos desses bancos estão abalados, principalmente os de países que tiveram bolhas imobiliárias gigantescas, grandes déficits fiscais ou ambos. Os governos com baixa solvência sentem-se pressionados a resgatar seus frágeis sistemas bancários, que, por sua vez, supostamente deveriam financiar esses mesmos governos que lhes querem ajudar: é o bêbado tentando ficar de pé encostando-se no outro bêbado.
Além disso, vem sendo requerido que os governos busquem políticas de austeridade fiscal, em um momento em que os setores privados se retraem: entre 2007 e 2012, o balanço financeiro do setor privado passou de déficit para um superávit de 16% do Produto Interno Bruto (PIB) na Espanha. A austeridade enfraquece ainda mais tanto as economias como os bancos. Isso, por sua vez, eleva o desemprego e reduz a arrecadação governamental, tornando a austeridade fiscal ineficaz. Enquanto isso, a baixa demanda no núcleo da região do euro agrava a fraqueza na periferia, em vez de enfrentá-la.
Com os bancos enfraquecidos, a demanda privada abalada, a demanda do governo em contração e a demanda externa baixa, é provável que daqui a dois ou três anos, as economias mais frágeis estejam com um desemprego maior e uma produção menor do que hoje. O prêmio por suportar dores hoje será enfrentar mais dores amanhã.
Independente de a Grécia ser "salva" ou não, é difícil acreditar neste momento que a região do euro sobrevirá a isso em sua forma atual, particularmente quando o principal argumento a seu favor - o da integração econômica e financeira - está sendo destruído. As empresas, especialmente as instituições financeiras, buscam crescentemente equiparar ativos e passivos em cada país. Da mesma forma, apenas as empresas mais corajosas vão fazer planos de produção com a convicção de que o risco cambial foi eliminado. Com uma parte crescente do risco transnacional agora sendo assumida pelo Banco Central Europeu (BCE), o caminho para o desmembramento vem ficando mais desimpedido.
Isso parece uma longa jornada noite adentro. Pode levar semanas, meses ou anos, mas o rumo sendo seguido, infelizmente, parece bastante claro.
Agora, vejamos o segundo aspecto. Como a Alemanha quer que a região do euro se organize? Entendo as ideias do governo e autoridades monetárias alemãs da seguinte forma: nada de bônus conjuntos da região do euro; nada de aumento nos fundos disponíveis para o Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM), atualmente de 500 bilhões; nada de auxílio conjunto ao sistema bancário; nada de desvio da austeridade fiscal, nem da própria Alemanha; nada de financiamento monetário de governos; nada de relaxamento da política monetária da região do euro; e nada de forte incentivo ao crédito na Alemanha. O país credor, em cujas mãos está o poder durante crises, disse "nein" pelo menos sete vezes.
Como eu suponho que as autoridades políticas alemãs pensam que interromperão a espiral destrutiva da região do euro? Tenho duas hipóteses. A primeira: eles acham que não conseguirão. Supõem que a vida de algumas das economias mais vulneráveis vai ficar tão miserável, que acabarão saindo voluntariamente. Encolheriam, portanto, a região do euro para um núcleo com ideias afins e reduziriam os riscos à própria estabilidade fiscal e monetária da Alemanha decorrentes de qualquer pressão para resgatar os países mais frágeis. A segunda hipótese é que os alemães realmente pensam que essas políticas podem vir a funcionar. Uma possibilidade, portanto, seria a de que os países mais fracos tivessem uma "desvalorização interna" tão grande que passariam a ter grandes superávits externos em relação ao resto do mundo, o que restauraria sua atividade econômica. A outra possibilidade seria que a combinação de reformas estruturais radicais e de vendas emergenciais de ativos atraísse uma onda de investimentos diretos. Isso financiaria o déficit em conta corrente no curto prazo e geraria nova atividade econômica no longo.
Talvez as autoridades políticas acreditem que haverá ou um ajuste rigoroso ou uma saída ágil. O "risco moral", no entanto, pelo menos estaria contido e a exposição da Alemanha, limitada, não importa o resultado.
A alternativa da "saída dos fracos", contudo, parece muito arriscada e a do "ajuste doloroso e vendas emergenciais", tão implausível quanto. O risco, além disso, não recai apenas sobre os países mais fracos. A Alemanha envia apenas 5% de suas exportações para a China, em comparação aos 42% que fluem para o resto da região do euro e que, em grande parte, seriam impactados em caso de um colapso. O acontecido até agora já enfraqueceu sua economia, dependente das exportações: o PIB do primeiro trimestre foi apenas 1% maior do que no mesmo no mesmo período há quatro anos. Mais além desses perigos econômicos com os danos à união "irrevogável", certamente há à espreita um duradouro desastre político para o poder hegemônico da região do euro.
Em resumo, a região do euro agora segue uma direção rumo ao desmembramento; e a Alemanha mostra pouca disposição em alterá-la. Não é por falta de alternativas concebíveis que isso ocorre. O que é necessário é tornar alguns desses "nãos" em "sins": mais financiamento, de preferência, por meio de algum bônus comum da região do euro; apoio conjunto aos bancos; menor contração fiscal; mais políticas monetárias expansionistas; e uma demanda mais forte na Alemanha. Essas mudanças não vão garantir o sucesso, mas pelo menos darão à região do euro a chance de evitar o custo de um desmembramento parcial ou total. Para funcionar no longo prazo, tais mudanças também exigem maior integração política.
Em outubro de 1939, Winston Churchill disse: "Não posso prever-lhes as ações da Rússia. É uma charada, encoberta por um mistério, dentro de um enigma; mas, talvez, haja uma chave. Essa chave é o interesse nacional russo". A chave para a Europa hoje é a percepção da Alemanha quanto a seu interesse nacional. Quando ficar evidente que as condições defendidas pelo país não vão funcionar, os líderes alemães terão de escolher entre naufragar ou mudar de rumo. Não sei o que a Alemanha vai escolher. Não sei se seus líderes sabem. Dessa escolha, no entanto, depende o destino da Europa. (Tradução de Sabino Ahumada)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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