quinta-feira, 31 de maio de 2012
América Latina deve cooperar mais
Por Helen Clark - Valor 31/05
Cerca de 40 ministros de desenvolvimento social da América Latina e Caribe e da África estiveram reunidos desde o dia 29 até hoje em Brasília para discutir como as duas regiões podem compartilhar experiências e impulsionar a cooperação para acabar com a pobreza. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) tem o orgulho de ter sido o facilitador desse encontro histórico, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Esse fórum acontece a menos de um mês da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Lá, líderes mundiais, ao lado de milhares de participantes de governos, do setor privado e de organizações da sociedade civil irão discutir como construir um futuro mais sustentável - um desafio crucial tanto para países desenvolvidos como para aqueles em desenvolvimento.
Está claro que os países não podem mais se dar ao luxo de crescer primeiro e tentar limpar o meio ambiente depois. Ou de crescer antes para depois tentar acabar com a desigualdade. O crescimento econômico, separado dos avanços em desenvolvimento humano e sem consideração pelo meio ambiente, não só é incapaz de sustentar avanços como também destrói ecossistemas dos quais dependemos para a vida neste planeta.
Duas semanas atrás, apresentei em Nairóbi, com o presidente queniano Mwai Kibaki, o primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud para a África. Apesar das significativas taxas de crescimento econômico da África Subsaariana, a fome segue afetando quase um quarto de sua população, o que significa mais que toda a população brasileira.
No ano passado, os países do Chifre da África vivenciaram a pior crise de segurança alimentar da região dos últimos 20 anos. No Sahel, apenas dois anos depois da última grave crise de segurança alimentar e nutrição, uma combinação de seca, pobreza, altos preços de grãos, degradação ambiental e, em alguns países, instabilidade e conflitos, estão exigindo da comunidade internacional uma nova resposta em grande escala. As últimas estimativas sugerem que mais de 15 milhões de pessoas são diretamente afetadas, sem que a crise tenha ainda atingido seu pico.
Há mais de 30 anos, o arquiteto do paradigma de desenvolvimento humano e prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, desafiou a noção de que a fome é causada simplesmente pelo declínio da oferta de alimentos. Ele argumentou que a fome é consequência de instituições que não funcionam bem, da inexistência do Estado de Direito e do acesso limitado a mercados ou a alimentos com preços acessíveis. Ele também ressaltou que onde os governos são inclusivos e têm capacidade de resposta rápida, as crises de fome não existem.
O Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento convida todos a refletir sobre uma abordagem compreensiva para a construção da segurança alimentar, priorizando a nutrição nas políticas públicas, empoderando as mulheres e ajudando as nações a aumentar a resiliência às adversidades. Em todo o mundo, trabalhamos para promover uma governança mais eficaz e com maior capacidade de resposta e para promover igualmente o Estado de Direito.
Há muita experiência a ser compartilhada entre América Latina e África na erradicação da pobreza e da fome, em especial por meio de sistemas de proteção social. O programa brasileiro Bolsa Família tem sido muito elogiado, e sua atual expansão, com o Brasil Sem Miséria, também tem atraído grande interesse. O Brasil se propôs como objetivo a erradicar a pobreza extrema até 2014, e tem feito progressos consideráveis nesse sentido.
As discussões que ocorreram esta semana, no V Fórum Ministerial para o Desenvolvimento, vão incentivar ainda mais a cooperação entre as nações da América Latina e da África. O intercâmbio e a cooperação Sul-Sul destacam soluções de desenvolvimento que, adaptadas aos contextos nacionais, podem ajudar as nações a atingirem seus objetivos. Eles podem também fazer muito para ajudar o progresso global nos elos econômico, social e ambiental que compõem o desenvolvimento sustentável.
Helen Clark é a administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e ex-primeira ministra da Nova Zelândia.
quarta-feira, 30 de maio de 2012
Ranking das maiores economias mundiais até 2017
U.S. remains biggest in size but doesn't rank on growth. See rankings throughout the years
http://money.cnn.com/news/economy/world_economies_gdp/?iid=HP_River
A charada do interesse da Alemanha
Por Martin Wolf - Valor 30/05
Como vão acabar as crises internas da região do euro? Muitas pessoas me perguntaram isso nos Estados Unidos. Outra dúvida é como a região do euro poderá sair da crise e chegar à estabilidade? Para resolver a questão, precisamos distinguir três aspectos da confusão: para onde a região do euro está indo; para onde a Alemanha quer que a região do euro vá; e para onde a região do euro precisa ir.
A atual posição da região do euro parece deprimentemente clara. Alguns países-membros, sendo dois deles grandes (Itália e Espanha), já estão à beira de ter governos incapazes de administrar seu endividamento público sem auxílio externo. Grande parte dessas dívidas está em mãos de seus bancos. Muitos desses bancos estão abalados, principalmente os de países que tiveram bolhas imobiliárias gigantescas, grandes déficits fiscais ou ambos. Os governos com baixa solvência sentem-se pressionados a resgatar seus frágeis sistemas bancários, que, por sua vez, supostamente deveriam financiar esses mesmos governos que lhes querem ajudar: é o bêbado tentando ficar de pé encostando-se no outro bêbado.
Além disso, vem sendo requerido que os governos busquem políticas de austeridade fiscal, em um momento em que os setores privados se retraem: entre 2007 e 2012, o balanço financeiro do setor privado passou de déficit para um superávit de 16% do Produto Interno Bruto (PIB) na Espanha. A austeridade enfraquece ainda mais tanto as economias como os bancos. Isso, por sua vez, eleva o desemprego e reduz a arrecadação governamental, tornando a austeridade fiscal ineficaz. Enquanto isso, a baixa demanda no núcleo da região do euro agrava a fraqueza na periferia, em vez de enfrentá-la.
Com os bancos enfraquecidos, a demanda privada abalada, a demanda do governo em contração e a demanda externa baixa, é provável que daqui a dois ou três anos, as economias mais frágeis estejam com um desemprego maior e uma produção menor do que hoje. O prêmio por suportar dores hoje será enfrentar mais dores amanhã.
Independente de a Grécia ser "salva" ou não, é difícil acreditar neste momento que a região do euro sobrevirá a isso em sua forma atual, particularmente quando o principal argumento a seu favor - o da integração econômica e financeira - está sendo destruído. As empresas, especialmente as instituições financeiras, buscam crescentemente equiparar ativos e passivos em cada país. Da mesma forma, apenas as empresas mais corajosas vão fazer planos de produção com a convicção de que o risco cambial foi eliminado. Com uma parte crescente do risco transnacional agora sendo assumida pelo Banco Central Europeu (BCE), o caminho para o desmembramento vem ficando mais desimpedido.
Isso parece uma longa jornada noite adentro. Pode levar semanas, meses ou anos, mas o rumo sendo seguido, infelizmente, parece bastante claro.
Agora, vejamos o segundo aspecto. Como a Alemanha quer que a região do euro se organize? Entendo as ideias do governo e autoridades monetárias alemãs da seguinte forma: nada de bônus conjuntos da região do euro; nada de aumento nos fundos disponíveis para o Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM), atualmente de 500 bilhões; nada de auxílio conjunto ao sistema bancário; nada de desvio da austeridade fiscal, nem da própria Alemanha; nada de financiamento monetário de governos; nada de relaxamento da política monetária da região do euro; e nada de forte incentivo ao crédito na Alemanha. O país credor, em cujas mãos está o poder durante crises, disse "nein" pelo menos sete vezes.
Como eu suponho que as autoridades políticas alemãs pensam que interromperão a espiral destrutiva da região do euro? Tenho duas hipóteses. A primeira: eles acham que não conseguirão. Supõem que a vida de algumas das economias mais vulneráveis vai ficar tão miserável, que acabarão saindo voluntariamente. Encolheriam, portanto, a região do euro para um núcleo com ideias afins e reduziriam os riscos à própria estabilidade fiscal e monetária da Alemanha decorrentes de qualquer pressão para resgatar os países mais frágeis. A segunda hipótese é que os alemães realmente pensam que essas políticas podem vir a funcionar. Uma possibilidade, portanto, seria a de que os países mais fracos tivessem uma "desvalorização interna" tão grande que passariam a ter grandes superávits externos em relação ao resto do mundo, o que restauraria sua atividade econômica. A outra possibilidade seria que a combinação de reformas estruturais radicais e de vendas emergenciais de ativos atraísse uma onda de investimentos diretos. Isso financiaria o déficit em conta corrente no curto prazo e geraria nova atividade econômica no longo.
Talvez as autoridades políticas acreditem que haverá ou um ajuste rigoroso ou uma saída ágil. O "risco moral", no entanto, pelo menos estaria contido e a exposição da Alemanha, limitada, não importa o resultado.
A alternativa da "saída dos fracos", contudo, parece muito arriscada e a do "ajuste doloroso e vendas emergenciais", tão implausível quanto. O risco, além disso, não recai apenas sobre os países mais fracos. A Alemanha envia apenas 5% de suas exportações para a China, em comparação aos 42% que fluem para o resto da região do euro e que, em grande parte, seriam impactados em caso de um colapso. O acontecido até agora já enfraqueceu sua economia, dependente das exportações: o PIB do primeiro trimestre foi apenas 1% maior do que no mesmo no mesmo período há quatro anos. Mais além desses perigos econômicos com os danos à união "irrevogável", certamente há à espreita um duradouro desastre político para o poder hegemônico da região do euro.
Em resumo, a região do euro agora segue uma direção rumo ao desmembramento; e a Alemanha mostra pouca disposição em alterá-la. Não é por falta de alternativas concebíveis que isso ocorre. O que é necessário é tornar alguns desses "nãos" em "sins": mais financiamento, de preferência, por meio de algum bônus comum da região do euro; apoio conjunto aos bancos; menor contração fiscal; mais políticas monetárias expansionistas; e uma demanda mais forte na Alemanha. Essas mudanças não vão garantir o sucesso, mas pelo menos darão à região do euro a chance de evitar o custo de um desmembramento parcial ou total. Para funcionar no longo prazo, tais mudanças também exigem maior integração política.
Em outubro de 1939, Winston Churchill disse: "Não posso prever-lhes as ações da Rússia. É uma charada, encoberta por um mistério, dentro de um enigma; mas, talvez, haja uma chave. Essa chave é o interesse nacional russo". A chave para a Europa hoje é a percepção da Alemanha quanto a seu interesse nacional. Quando ficar evidente que as condições defendidas pelo país não vão funcionar, os líderes alemães terão de escolher entre naufragar ou mudar de rumo. Não sei o que a Alemanha vai escolher. Não sei se seus líderes sabem. Dessa escolha, no entanto, depende o destino da Europa. (Tradução de Sabino Ahumada)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
terça-feira, 29 de maio de 2012
O sonho frustrado da França
Por Martin Feldstein - Valor 29/05
A crise na região do euro é resultado da busca persistente da França por um "projeto europeu", o objetivo de unificação política iniciado depois da Segunda Guerra Mundial, quando dois dos principais políticos franceses, Jean Monnet e Robert Schuman, propuseram a criação dos Estados Unidos da Europa.
Monnet e Schuman argumentavam que uma união política similar à do EUA evitaria os tipos de conflito que haviam provocado três grandes guerras europeias - uma ideia atraente, mas que fez vistas grossas à terrível Guerra Civil dos EUA. Uma união política europeia também poderia tornar a Europa uma potência política comparável aos Estados Unidos e, portanto, dar à França, com seu apurado serviço de relações exteriores, um papel de importância nos assuntos europeus e mundiais.
O sonho de Monnet e Schuman levou ao Tratado de Roma, de 1956, que estabeleceu uma pequena área de livre comércio, posteriormente ampliada na forma da Comunidade Econômica Europeia (CEE). O estabelecimento da CEE teve efeitos econômicos favoráveis, mas, da mesma forma que o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), não diminuiu o senso de identificação nacional nem criou a ideia de unidade política.
Esse foi o propósito do Tratado de Maastricht, de 1992, que criou a União Europeia. O influente relatório "One market, one money" * (um mercado, uma moeda, em inglês), publicado em 1990, sob a liderança de Jacques Delors, então ministro das Finanças da França, defendia a criação de uma moeda única, fiando-se no ilusório argumento de que o mercado único não poderia funcionar bem de outra forma. De forma mais realista, defensores de uma moeda única argumentavam que sua criação levaria as pessoas a se identificar como europeus e que a criação de um Banco Central Europeu (BCE) prenunciaria um afastamento do poder dos governos nacionais.
A Alemanha resistia à ideia do euro, sustentando que, primeiro, deveria haver uma união política integral. Como não havia chance de os outros países aceitarem uma união política, a posição alemã parecia uma manobra técnica para evitar o estabelecimento da moeda única. O país estava relutante em abrir mão do marco alemão, símbolo de seu poder econômico e de seu compromisso com a estabilidade de preços. A Alemanha acabou concordando com a criação do euro, apenas quando o presidente francês François Mitterrand a colocou como condição para apoiar a reunificação alemã.
Além disso, sob pressão da França, a exigência do Tratado de Maastricht de que os países pudessem adotar o euro apenas se o endividamento nacional fosse inferior a 60% do Produto Interno Bruto (PIB) foi relaxada para também permitir a admissão de países que pareciam estar "evoluindo" para essa meta. A modificação permitiu a entrada da Grécia, Espanha e Itália.
Os políticos favoráveis ao euro ignoraram os alertas de economistas, de que impor uma moeda única a uma dúzia de países heterogêneos era algo destinado a criar sérios problemas econômicos. Consideraram os riscos econômicos como pouco importantes em relação à sua agenda de unificação política.
A adoção do euro, no entanto, resultou em uma queda acentuada nas taxas de juros nos países periféricos, o que levou à criação de bolhas imobiliárias alimentadas por dívidas e encorajou os governos a captar mais para financiar seus aumentos de gastos. Surpreendentemente, os mercados financeiros internacionais ignoraram os riscos de crédito desses títulos de dívidas soberanos, pedindo apenas pequenas diferenças de rendimento entre os bônus alemães e os da Grécia ou outros países periféricos.
Isso acabou em 2010, depois de a Grécia admitir ter mentido sobre seu endividamento e déficits orçamentários. Os mercados financeiros reagiram exigindo taxas muito maiores para os bônus de países com alto endividamento governamental e sistemas bancários enfraquecidos pelo excesso de dívidas hipotecárias.
Três países pequenos (Grécia, Irlanda e Portugal) se viram obrigados a pedir ajuda financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e adotar dolorosos cortes fiscais com efeitos restritivos. As condições na Grécia agora são desesperadoras e deverão levar a mais calotes e à saída da região do euro. A Espanha também está em sérios problemas como resultado dos déficits orçamentários de seus governos regionais tradicionalmente independentes, da fragilidade de seus bancos e da necessidade de rolar grandes volumes de dívidas soberanas a cada ano.
Já ficou claro que o recém-acertado "pacto fiscal" da UE não vai conter os déficits nacionais nem reduzir as dívidas nacionais. A Espanha foi a primeira a insistir em que não conseguiria cumprir as condições com as quais havia acabado de concordar; e outros países logo virão a seguir. O presidente da França, François Hollande, propôs equilibrar os limites de déficits com iniciativas voltadas ao crescimento, como a França havia pressionado anteriormente para que o Pacto de Estabilidade da UE virasse o Pacto da Estabilidade e Crescimento. O pacto fiscal é um gesto vazio, que pode ser a última tentativa para fingir que os países-membros da UE movem-se em direção a uma unificação política.
O projeto europeu claramente deixou de alcançar o que os líderes políticos franceses queriam desde o início. Em vez da amizade e do sentimento de motivação sonhados por Monnet e Schuman, há conflito e desordem. O papel internacional da Europa vem encolhendo, com o antigo G-5 tendo evoluído para o G-20. E, com a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, estabelecendo as condições para a região do euro, a ambição francesa de dominar a política europeia viu-se frustrada.
Mesmo se a maioria dos países da região do euro mantiver a moeda única, isso se dará porque abandonar a moeda seria financeiramente doloroso. Agora que suas fragilidades estão claras, o euro continuará como uma fonte de problemas, em vez de um caminho para o poder político.(Tradução de Sabino Ahumada)
* www.ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication7454_en.pdf
Martin Feldstein é professor de economia em Harvard, foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e foi presidente do Gabinete Nacional de Análises Econômicas dos EUA. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Mercado interno para quem?
Por Luiz Carlos Bresser-Pereira e Nelson Marconi - Valor 29/05
O mercado interno é o maior ativo que a economia de um país pode possuir; sua magnitude é definida por seu Produto Interno Bruto (PIB), pela soma dos salários, dos lucros e das rendas do capital. Foi buscando aproveitar esse mercado que os desenvolvimentistas brasileiros defenderam nos anos 1950 o modelo de industrialização por substituição de importações. Foi procurando ampliar esse mercado interno que, a partir do fim dos anos 1960, esses mesmos economistas, vendo que o processo de substituição de importações se esgotara, apoiaram o exitoso processo de ampliação das exportações de manufaturados que, concomitantemente, aumentou o mercado interno. Hoje, depois de muitos anos de baixas taxas de crescimento e de queda da participação dos manufaturados nas exportações totais, coloca-se novamente o problema do aproveitamento e da ampliação do mercado interno.
No mundo atual, as economias são muito mais abertas que no passado; competir em pé de igualdade pelos mercados de manufaturados (leia-se bens com maior valor adicionado e que incorporam e disseminam maior progresso técnico para o restante da economia) é necessário para o aumento da produtividade e o alcançamento de taxas mais elevadas de desenvolvimento econômico. Dado que não faz sentido voltar a reduzir o coeficiente de importações, o desenvolvimento econômico brasileiro será limitado pela taxa de crescimento das exportações.
Entretanto, uma parcela dos economistas brasileiros defende uma estratégia de crescimento wage-led, baseada no aumento dos salários. Preferem conviver com a sobreapreciação cambial existente, porque o custo de se colocar a taxa de câmbio no nível de equilíbrio (a do equilíbrio industrial, que torna competitivas as empresas industriais eficientes) implicará alguma redução dos salários reais e em aumento da inflação (ambos temporários). No fundo, querem voltar ao modelo de substituição de importações, mas não propõem as altas taxas aduaneiras que seriam necessárias para voltar a uma estratégia desse tipo, incompatível com o estágio de desenvolvimento do Brasil.
A estratégia de desenvolvimento não deve ser export-led ou wage-led, mas growth-led; deve propiciar oportunidades de investimento lucrativas para os empresários que garantam uma taxa de crescimento satisfatório. Se o patamar de crescimento é insatisfatória, como acontece agora, este fato é causado principalmente por uma taxa de câmbio apreciada e uma taxa de juros alta em termos reais, que resultam em baixas oportunidades de investimento lucrativos para as empresas industriais - justamente aquelas que proporcionam maior valor adicionado per capita.
Como, a partir de 2004, a economia brasileira pareceu haver retomado o crescimento baseado em uma estratégia do tipo wage-led - baseada no aumento real do salário mínimo, na Bolsa Família e no crédito consignado, enquanto a taxa de câmbio se apreciava fortemente - surgiu a tese de que seria possível para a economia brasileira crescer a partir da expansão do consumo no mercado interno, não havendo necessidade de se depreciar a taxa de câmbio.
Aquele crescimento, porém, só foi possível porque uma economia mundial aquecida antes da crise elevou os preços de nossos produtos exportados, principalmente das commodities (160% entre 2002 e 2008, enquanto os preços das exportações de manufaturados cresceram 53% no mesmo período), fato que possibilitou à economia brasileira financiar o aumento das importações decorrente desta estratégia sem gerar um desequilíbrio significativo no saldo em transações correntes.
Mas a continuidade desse modelo é inviável, primeiro, porque o cenário externo não permite continuar a contar com o aumento do preço das commodities, e, segundo, porque o câmbio sobreapreciado faz com que o mercado interno seja suprido por importações: com uma pequena defasagem esse mercado interno foi entregue de graça aos exportadores de outros países, principalmente aos chineses, e a indústria brasileira entrou em crise. As exportações de manufaturados, calculadas em quantum, estão em declínio desde 2007, sendo que em 2011 foram 15% inferiores às daquele ano, enquanto o quantum das importações de manufaturados aumentou 59% no mesmo período.
Os dados das Contas Trimestrais a preços constantes mostram que, em média, 34% do incremento da demanda agregada no país foi atendido por importações nos anos de 2010 e 2011, enquanto esse percentual foi de cerca 10% entre 2000 e 2005. Não é a magnitude deste percentual que impressiona, mas a velocidade da elevação das importações nos últimos anos. Enquanto a produção industrial encontra-se praticamente no mesmo patamar que vigorava antes dos reflexos mais significativos da crise no Brasil (a média de 2011 foi 2,7% superior à média de 2008), o volume de vendas do comércio varejista foi 25,3% superior na mesma base de comparação. Graças ao último aumento do salário mínimo, o mercado interno brasileiro continua grande, mas não está dando emprego para brasileiros, e sim aos exportadores de manufaturados para o Brasil.
Não se trata, portanto, de adotar uma estratégia "export-led" ao invés de "wage-led". Trata-se de defender uma estratégia "growth-led", uma estratégia que garanta o crescimento do mercado interno e dos salários de 5% a 6% ao ano ao invés de a 3% como voltou a acontecer depois do boom das commodities. O limite desse crescimento é o do crescimento das exportações. Alcançar esse crescimento graças aos preços das commodities não é mais realista; tentar transformar o Brasil em uma grande fazenda é uma loucura. Felizmente, a presidente Dilma Rousseff parece ter entendido isto e está gradualmente tirando a economia brasileira da armadilha dos juros altos e do câmbio sobreapreciado.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. Autor de "Globalização e Competição".
Nelson Marconi é professor de Economia da EESP-FGV e bolsista do Ipea.
Virtuosos e bandalhos
Por Antonio Delfim Netto - Valor 29/05
Analistas culpam os países devedores ("gastadores") pela crise que estamos vivendo, ressaltando a moderação virtuosa dos países credores. Tratam de afastar o "foco" das patifarias feitas pelos intermediários financeiros, com o apoio das "teorias" que continuam a defender. Não pode haver a menor dúvida. A crise foi construída pela desmontagem da regulação financeira aprovada nos anos 30 e pela péssima política monetária dos Bancos Centrais apoiados pela parte mais vocal e instrumentalizada da Academia.
Para entender a crise da Eurolândia a contabilidade nacional pode ajudar. Como a Terra é finita, a soma das exportações totais de todos os países é, necessariamente, igual à soma das importações totais de todos os países, de onde se deduz que o balanço em contas correntes de um país só pode crescer se o de outros diminuírem na mesma magnitude. O Fundo Monetário Internacional nasceu para controlar os déficits em conta corrente autorizando mudanças eventuais das taxas de câmbio fixas. Quando se generalizou a teoria que os movimentos de capitais eram absolutamente virtuosos, o sistema de câmbio flutuante passou a desempenhar esse papel.
Não há instrumento eficaz para impedir o país de manter um saldo em conta corrente permanentemente positivo para aumentar o seu PIB. De uma forma ou de outra, ele encontra a contrapartida no déficit em conta corrente de outros que veem reduzir o seu PIB. O que fazer quando a "importação" transforma-se numa importante componente do PIB do país devedor? Sem ela o PIB desaba, com ela a demanda interna cai e o PIB retrai-se. Pela Contabilidade Nacional, a demanda total é igual às despesas de consumo somadas à de investimento, dos gastos do governo e do saldo em conta corrente. Quando esse último é negativo, reduz o crescimento do PIB e o consumo e o investimento privado têm pouca probabilidade de aumentarem. Se o governo deseja manter (como todo governo que se preza) um alto nível de utilização do seu capital e de sua mão de obra, a sua propensão é aumentar os gastos públicos e incorrer em déficits fiscais.
Uma das mais interessantes identidades da Contabilidade Nacional é que, por construção, a soma da diferença entre os tributos e os gastos públicos e a diferença entre a poupança e o investimento privados é, necessariamente, igual ao déficit em conta corrente. Mas uma identidade não revela qualquer relação de causalidade. Ela foi, entretanto, a origem da lenda urbana dos déficits gêmeos: os déficits do governo causam o déficit em conta corrente, coisa que até hoje alguns analistas das melhores famílias continuam repetindo.
Economistas são exímios contadores de histórias que, em geral, não contêm um substrato empírico realmente seguro. A história que estamos contando aqui é que existe um outro lado: é o déficit em conta corrente que enfraquece o PIB que leva à ação defensiva dos governos que geram os déficits públicos! É tão boa quanto a anterior e, também, sem substrato empírico seguro. A solução do problema pelos mais sofisticados instrumentos econométricos que estudam a direção da causalidade foi incapaz, até agora, de resolvê-lo acima de qualquer dúvida.
Mas não importa o que dizem as "histórias" e o que não diz a econometria: os dois déficits têm consequências. O déficit fiscal acumulado vai produzindo uma dívida interna (e externa quando o governo usa tais recursos para cobrir seu custeio ou investimento) que com o tempo levanta dúvida sobre sua solvência e pressiona a taxa de juro real interna, o que tende a valorizar a taxa de câmbio e ampliar o déficit em conta corrente. O déficit em conta corrente acumulado vai, por sua vez, aumentando a dívida externa e produzindo o mesmo efeito, gerando dúvida sobre sua solvência dificultando paulatinamente o seu financiamento, o que eleva o "risco país" e, com ele, o custo de todo o estoque da dívida.
O Brasil já viveu a dramaticidade dos momentos em que os "credores" perdem a paciência com os "devedores" e gera-se uma crise de "morte súbita". Felizmente soubemos aproveitar os últimos anos: 1º) aprovando uma Lei de Responsabilidade Fiscal que paradoxalmente fortaleceu nosso federalismo desregrado e criou, de fato, uma área monetária ótima; e 2º) um vento de cauda do comércio exterior que sem nenhum esforço exportador (continuamos a ter a mesma percentagem, 1,3%, que há 50 anos temos nas exportações totais) resolveu nosso problema externo.
E isso é tudo que falta à zona do euro, a única moeda que não tem um país! Os argumentos anteriores mostram que a ideia que os "credores" são virtuosos e os "devedores", bandalhos gozadores da vida, pode ser incorreta. Os credores com suas políticas exportadoras agressivas só tiveram sucesso porque os outros não quiseram, ou não puderam, tomar medidas defensivas como a desvalorização cambial e o aumento de tarifas. Alguns países de fato cometeram excesso fiscal maior do que os mais virtuosos, mas nada que se compare, em importância, aos déficits externos que a mecânica de funcionamento do euro lhes impôs.
É por isso que virtuosos como a Alemanha precisam agora contribuir: 1º) aumentando a sua demanda global para ajudar as exportações dos outros; 2º) aceitando que o Banco Central Europeu cumpra o seu papel de emprestador de última instância; e 3º) aprovando a emissão de títulos solidários para atrair o setor privado no financiamento dos investimentos.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
O futuro dos bancos centrais
Por Jairo Saddi - Valor 28/05
Sir Mervyn King, governador do Banco da Inglaterra há mais de uma década, numa conferência em Plymouth, questionado sobre o que seria a boa atividade de um banqueiro central respondeu: "boring is best" ("ser chato é o melhor"). Inflação e metas monetárias sob controle, crescimento econômico sem precedentes, enfim, realmente, os banqueiros centrais só poderiam realmente achar que a melhor opção de ação seria aquela que fosse previsível, consistente, contínua e, portanto, a mais chata.
É desnecessário lembrar a diferença que uma crise mundial faz a esse tipo de mentalidade. Nos últimos quatro anos, a atividade dos bancos centrais pode ter sido tudo, menos chata... Aliás, as grandes injeções de liquidez e de estímulo monetário são provas vivas disso. Segundo Philipp Hilderand, ex-presidente do Banco Nacional da Suíça, em artigo no "Financial Times" (12 de maio 2012, p. 11), eles agiram com coragem e determinação e impediram o sistema econômico mundial de naufragar, o que os aproximou do status de heróis públicos. Muitos, contudo, não concordam - por exemplo, Martin Wolf alega, no mesmo Financial Times (2 de maio, p. 9), que não se pode dar crédito a alguém por um evento hipotético, em que há muitas premissas falsas no processo de resgate. Em resumo, há muito ainda a indagar sobre o futuro dos banqueiros centrais.
Caberia aqui um primeiro comentário fundamental: o futuro será incerto, com a única certeza de que ele não será monótono, ao contrário, será bem agitado. Bancos centrais terão que administrar o paradoxo da estabilidade financeira e monetária com riscos e volatilidades crescentes. E terão cada vez mais aspectos controversos a gerenciar, que praticamente não existiam até antes da crise, já que perseguir baixa inflação e uma meta monetária definida era consenso universal sobre suas funções, assim, o impacto de suas decisões será sentido cada vez mais na economia. Além disso, nunca se discutiu a solidez dos bancos centrais, mas, com seus balanços inchados de ativos mais problemáticos, isso parece cada vez mais próximo.
Nesse panorama, verifica-se que será preciso administrar melhor as intervenções microscópicas. Prover liquidez - função de prestamista de última instância e que desde o século XIX é reconhecida como uma das funções clássicas de qualquer banco central -, irá requerer muito mais atenção. O risco de uma intervenção prematura, aumentando o risco de moral hazard, só não é pior do que a intervenção tardia, na qual o remendo sempre será mais difícil. No entanto, impactos fiscais só são sentidos muito tempo depois e, inevitavelmente, com elevados custos. Resta saber se tais desafios institucionais terão o necessário apoio político, nem sempre disponível quando mais se precisa dele.
Ademais, há evidente pressão para que os bancos centrais deixem de se ocupar apenas com a inflação e passem a se concentrar também no crescimento econômico e no desenvolvimento nacional. Ou, em outras palavras, como assegurar a estabilidade monetária e o padrão de compra do valor da moeda com políticas que muitas vezes são expansionistas além da estabilidade do sistema financeiro e dos meios de crédito? Aliás, conciliar estabilidade e risco é o grande desafio da sociedade financeira pós-crise 2008. E, com tudo o que houve, não há como não aceitar o fato de que o sistema financeiro tem uma propensão natural ao risco: deixado ao léu, a chance de bobagem é realmente elevada.
Finalmente, há a credibilidade. Bancos centrais têm na credibilidade seu maior ativo. Credibilidade pode ser definida como qualidade daquilo em que se pode crer ou se toma como verdade, implicando julgamentos de confiança e segurança. Um banco central que não goze de credibilidade faz com que os agentes econômicos superestimem as taxas corretivas de preços, de moeda, de inflação e de câmbio, e, principalmente, a taxa de juros. Quanto menos confiável a ação do banco central, maior a taxa de juros oferecida ao mercado, para que seus títulos ou aqueles que oferece sejam detidos, sob o risco de a moeda fluir para outros ativos ou mesmo para o consumo.
Ao contrário, bancos centrais com credibilidade acabam gerando moedas fortes. Não impõem um prêmio ou um risco por suas operações, por não estarem enfrentando vieses inflacionários. Paradoxalmente, maior credibilidade dá-lhes o instrumental necessário à condução das políticas monetárias mais restritivas no curto prazo, em épocas de crise e de tormenta, se assim for necessário.
Jairo Saddi, pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de direito do Insper
Um novo "New Deal" mundial
Por Jomo Kwame Sundaram - Valro 28/05
Recentes acontecimentos políticos, como a derrota dos governistas na França e Grécia, indicam que a tolerância do público com políticas econômicas que não reduzem o desemprego implodiu. De fato, tendo em vista a atual situação alarmante na economia e no emprego em muitos países e a falta de perspectivas de recuperação no horizonte, há probabilidades de mais turbulências políticas à frente, a menos que as autoridades mudem de rumo de forma condizente.
A crise econômica eliminou mais de 50 milhões de empregos, na sequência de anos de aumento na desigualdade e de crescimento econômico baixo e pobre em geração de empregos nos países mais ricos. Desde 2007, os índices de emprego subiram em apenas seis entre 36 economias avançadas, enquanto o desemprego aumentou na grande maioria tanto dos países emergentes como dos já consolidados.
No curto prazo, a crise mundial deverá tornar-se pior, já que muitos governos, especialmente nas economias avançadas, priorizam a austeridade fiscal e reformas rigorosas no mercado de trabalho, mesmo que essas medidas corroam a renda, meios de vida e o tecido social.
Paralelamente, apesar da flexibilização monetária quantitativa, muitas empresas veem-se com acesso limitado ao crédito, o que contém investimentos e reduz a criação de empregos. O crédito fácil antes da crise encorajou o excesso de investimentos em setores que se imaginavam lucrativos, como o imobiliário. Não é de surpreender que o excesso de capacidade resultante agora desencoraje os investimentos privados na economia real.
Com o aumento da desigualdade e o desemprego e o encolhimento da renda e dos mercados domésticos, todos esperam recuperar-se exportando - uma solução obviamente impossível. Os países em desenvolvimento, por muito tempo encorajados e até pressionados a exportar e aderir à globalização, foram aconselhados repentinamente a mudar de direção: a produzir para o mercado doméstico e importar mais. A ironia é que esse conselho chega quando boa parte de sua antiga capacidade produtiva desapareceu.
Muitas economias de mercados emergentes, no entanto, depois de várias crises no câmbio e nas contas de capitais em tempos de maior abertura, ainda se sentem inclinadas a acumular reservas internacionais gigantescas como forma de proteção diante da maior volatilidade financeira mundial. Enquanto isso, o "espaço de políticas" nacionais para recuperar as economias encolheu desde a crise.
Investimentos públicos e proteções sociais básicas podem ajudar a mudar isso, criando milhões de empregos. Apesar das fortes evidências em contrário, no entanto, a suposição de que o investimento público tira de cena o capital privado continua a desencorajar esforços de recuperação econômica encabeçados por governos.
Na verdade, historicamente, as economias mais avançadas já viveram com déficits fiscais bem maiores do que os atuais, e não apenas em tempos de guerra. Esses déficits financiaram expansões sólidas, sustentáveis e inclusivas, não apenas para suas próprias economias, mas também para o exterior - como o Plano Marshall nos Estados Unidos, tão importante para a reconstrução e recuperação europeia do pós-guerra.
Agora, contudo, como a transferência avassaladora de recursos financeiros dos governos para salvar determinadas instituições privadas consideradas grandes demais para falir levou a um aumento drástico no endividamento soberano, as autoridades impuseram a austeridade fiscal em deferência às exigências dos mercados de bônus. Enquanto isso, os países da região do euro veem-se restringidos, não apenas por seu fetiche fiscal, mas também por sua falta de flexibilidade no câmbio.
Além disso, a cooperação multilateral em favor da recuperação mundial vem sendo decepcionante desde 2009 - o ano dos encontros do G-20 em Londres e Pittsburgh e do Pacto Mundial pelo Emprego *, que trouxe poucos progressos significativos desde então. Como resultado, os últimos três anos testemunharam poucas ações orientadas ao desenvolvimento e adoção de estratégias que tragam uma recuperação sólida, sustentável e inclusiva. Em vez disso, vimos emergir um protecionismo gradual, e não apenas no front do comércio exterior.
Como, então, o mundo pode escapar desse beco sem saída construído pelas perspectivas de curto prazo dos mercados financeiros e da política eleitoral?
Embora o multilateralismo inclusivo tenha sido abalado por vários desafios, incluindo sua aparente desordem e progresso lento, continua como a melhor opção, por vários motivos. O sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) precisa ser mais proeminente, mas interesses poderosos também precisam permitir que desempenhe um papel maior.
Em 2009, admitindo que apenas as forças de mercado não iriam gerar os investimentos necessários para atenuar as mudanças climáticas assim como alimentos acessíveis para todos, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon propôs um "New Deal Verde Mundial", com parcerias público-privadas e entre países, especialmente para gerar energia renovável e aumentar a produção sustentável de alimentos.
Sob a recente liderança francesa, o Fundo Monetário Internacional (FMI), depois de décadas promovendo a globalização e a liberalização econômica - especialmente financeira -, tornou-se mais cuidadoso, se não cético, quanto às suas análises, prescrições e atividades prévias. Da mesma forma, iniciativas recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - como a Globalização Justa**, o Pacto Mundial pelo Emprego e o Piso de Proteção Social*** - são diretamente relevantes, todas, para lidar com a estagnação atual.
A estrutura única da OIT entre as organizações internacionais, de inclusão de trabalhadores e empregadores como parceiros sociais em sua governança tripartite lhe permite ajudar a liderar os processos, certamente complicados, necessários para assegurar um crescimento e uma recuperação sólidos, sustentáveis e inclusivos. Portanto, talvez mais do que nunca nas últimas décadas, as instituições multilaterais inclusivas agora estão na mesma página. Seus esforços precisam, agora, do apoio que merecem. (Tradução de Sabino Ahumada)
* www.ilo.org/jobspact/lang--en/index.htm
** www.ilo.org/public/english/wcsdg/docs/report.pdf
*** www.un.org/en/ga/second/64/socialprotection.pdf
Jomo Kwame Sundaram é secretário-geral assistente para Desenvolvimento Econômico na Organização das Nações Unidas (ONU) e coordenador de análises do G-24. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Dólar cai após nova intervenção do BC
Por Eduardo Campos e João José Oliveira - Valor 25/05
De São Paulo
O dólar teve novo pregão de baixa, o segundo consecutivo. Não parece grande coisa, mas a moeda americana não cai por dois dias desde o começo de abril.
A instabilidade foi grande, com o dólar comercial subindo a R$ 2,054 (+0,74%), antes de fechar com baixa de 0,49%, a R$ 2,029.
O Banco Central (BC) voltou a ofertar dólares no mercado futuro via swap cambial. Desde que retomou as operações na sexta-feira passada, já foram cinco leilões de swap que somam US$ 4,7 bilhões.
Da mínima do ano, registrada em 28 de fevereiro a R$ 1,699, o dólar acumula valorização de 19,4%. No mês, a alta está em 6,4%. Boa parcela do ganho pode ser atribuída à piora externa. Em maio, o DXY, que mede o dólar ante uma cesta de moedas, tem alta de 4,45%, enquanto o euro cai 5,3%, negociado na linha de US$ 1,25, preço não visto desde julho de 2010.
No entanto, essa degradação de ambiente externo só conta parte da história. Muito da valorização do dólar por aqui é reflexo de fatores domésticos e da especulação, vetor congênito de qualquer mercado.
Para o economista e professor da PUC-Rio, André Cabus Klotzle, a especulação está entre os primeiros fatores a explicar a alta.
Mas mais interessante do que isso, é que os especuladores contam com ajuda do governo.
Ao manter uma defesa consistente e ininterrupta de que a cotação do dólar não traz preocupações inflacionárias e que os benefícios à indústria compensam os efeitos colaterais, o governo facilitou a vida dos especuladores.
"A postura do governo levou diversos agentes a apostar que existe um piso para o dólar, mas não um teto", diz o professor.
Com tal sinalização e um ambiente global avesso ao risco, diz Klotzle, torna-se bastante oportuno testar até onde vai a "parcimônia" do BC com a alta do dólar.
Outro ponto que favorece a compra é o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1% sobre a ampliação da posição vendida em dólar futuro. Desde 27 de julho do ano passado, o mercado está em permanente desequilíbrio, conforme o vendedor de dólar futuro paga pedágio e o comprador não.
"As operações de hedge se tornam assimétricas. A venda embute custo fiscal e a compra não. Assim, a demanda por divisa se eleva mais rapidamente do que a oferta, pressionando as cotações", diz.
Outro IOF, esse sobre o empréstimo externo inferior a cinco anos, representa uma barreira à renovação das captações (rolagens), diz Klotzle. Dados apresentados pelo BC mostram que a taxa de rolagem dos empréstimos do setor privado em abril foi de 67%, menor percentual desde o começo da crise de 2008.
Sendo o Brasil um país carente de poupança e com barreiras à captação de poupança externa, o professor acredita que o mercado tenta pressionar o governo a rever, mesmo que parcialmente, essas medidas restritivas.
Para Klotzle, mesmo com o BC realizando operações de swap, a tendência do dólar não muda. Todos os fatores seriam favoráveis à alta de preço: cenário externo, discursos do governo, restrições normativas e juros internos em queda livre. "E esse contexto facilita e torna ainda mais eficaz a especulação", diz o professor.
No mercado de juros, as taxas futuras voltaram a subir seguindo os títulos americanos de dez anos que retomaram a linha de 1,77%, depois de recuar para baixo de 1,72% na quarta-feira.
Um operador disse que o leilão de 5,5 milhões de Letras do Tesouro Nacional (LTNs) também influenciou os preços. O mercado pediu mais prêmio para os papéis de longo prazo - reflexo de incertezas sobre a atuação do BC, disse.
Alexandre Schwartsman, sócio da Schwartsman & Associados e ex-diretor do BC, apontou em estudo que até o terceiro trimestre do ano passado, o BC conseguiu reduzir a taxa real de juros no país até a casa dos 7% ao ano e manter, simultaneamente, as expectativas de inflação rondando o centro da meta de inflação.
Mas essa linha mudou. A taxa real cai agora independentemente das expectativas de inflação. "O mercado entendeu totalmente que o BC não está mais comprometido em estabilizar a inflação", diz Schwartsman.
Para a Nomura, a rédea larga do BC abriu espaço para uma especulação mais franca no mercado de juros. E os bancos que conseguiram arbitrar primeiro no ciclo recente de afrouxamento monetário optaram agora por embolsar os ganhos obtidos. Para o banco, esse motivo técnico é mais plausível do que uma alta dos DIs motivada pela reavaliação de uma queda da Selic que pararia em 8,5%.
Economia global sob risco de desaceleração sincronizada
Por Jon Hilsenrath, Joshua Mitchell e Aaron Back
The Wall Street Journal
Novos sinais de uma desaceleração mundial estão turvando o cenário econômico.
Ontem, indicadores da confiança do empresariado na Europa caíram e sondagens com gerentes de compras de indústrias no mundo todo resultaram negativas. Entre estas, a China, segunda maior economia do planeta, registrou a sétima queda consecutiva em um importante indicador da atividade manufatureira. Os Estados Unidos divulgaram que empresas vêm cortando encomendas de computadores, aviões, produtos metalúrgicos e outros bens duráveis.
Com essa última leva de dados, surge um novo temor entre economistas e governantes: o de que a atividade econômica esteja arrefecendo em sincronia no mundo todo, e não só num punhado de mercados devido a problemas isolados. A Europa - que luta com o risco da saída da Grécia da zona do euro e problemas fiscais maiores - é, no momento, o epicentro da crise mundial. Mas relatos de problemas econômicos já surgem na Índia, na África do Sul, no Brasil e em outros lugares.
Quando a economia mundial vai bem, o crescimento sincronizado se reforça sozinho e espalha prosperidade por todo canto. Mas o desaquecimento também pode ser interligado e ser seu próprio combustível. De fato, nos quatro anos desde a crise financeira de 2008, a economia mundial tem sido vítima desse fenômeno.
As notícias econômicas ruins significam, por sua vez, que o investidor está sentindo diretamente o baque. O índice mundial das bolsas MSCI, que reflete mercados ao redor do mundo, teve queda de mais de 9% de meados de março para cá.
"Praticamente todos os setores industriais nos quais atuamos (...) estão fracos", disse Gary Hendrickson, diretor-presidente da fabricante americana de tintas Valspar, sediada em Minneapolis, durante conversa com analistas de mercado na quarta-feira sobre a recente experiência da empresa na China. A Valspar registrou um salto de 36% no lucro no começo do mês, mas decepcionou analistas com as projeções para o resto do ano, o que derrubou a cotação da ação.
Na África do Sul, a atividade mineradora também sofre com a diminuição da demanda por certas commodities. A Lonmin, terceira maior produtora de platina do mundo, avisou este mês que pode reduzir investimentos nas minas na África do Sul porque a demanda pelo metal está fraca. Em março, inesperadamente, a produção industrial do país caiu 2,7%, informou este mês a agência de estatísticas do governo.
A indiana Infosys, que presta serviços terceirizados, divulgou queda de 1,9% na sua receita em dólar no trimestre encerrado em março, a primeira queda trimestral desde 2009. No ano fiscal corrente, a empresa projeta um crescimento de um dígito apenas, baixo para o seu padrão. S.D. Shibulal, diretor-presidente da Infosys, afirmou no mês passado que muitos clientes americanos do setor financeiro estão tomando decisões de gastos mês a mês - e não para o ano todo. A queda nos investimentos em tecnologia é uma preocupação.
Nos EUA, novos pedidos de computadores e artigos correlatos caíram 3,1% em abril, em relação ao mês anterior; em março, já tinham recuado 3,7%, segundo dados do Departamento de Comércio americano divulgados ontem. De modo geral, os novos pedidos subiram 0,2% em abril, depois da queda de 3,7% em março. Mas pedidos de bens de capital (tirando o setor de defesa e aeronaves), uma estatística muito monitorada que indicaria a intenção de gasto das empresas, caíram 1,9% em abril, após recuo de 2,2% em março.
A californiana Informatica, que produz software de integração de dados para empresas, já registra queda nas vendas na Europa - especialmente no setor público, disse seu diretor-presidente, Sohaib Abbasi, num congresso do setor esta semana. No primeiro trimestre do ano passado, a empresa fechou dois acordos de US$ 1 milhão com governos europeus. No primeiro trimestre deste ano, nenhum, disse ele.
No primeiro trimestre, a receita obtida com vendas para governos europeus representou 1% do total - abaixo da média de 3% a 5%, disse Abbasi. "As medidas de austeridade tiveram impacto". Ainda assim, a empresa vem registrando crescimento na casa dos dois dígitos em outras regiões, incluindo América Latina e Oceania.
Ontem foi divulgado o mais recente indicador do fraco desempenho da economia chinesa: o índice de gerentes de compra do HSBC, que caiu de 49,3 em abril para uma prévia de 48,7 em maio. É sinal de que o ritmo da atividade industrial recuou pelo sétimo mês consecutivo. Uma leitura inferior a 50 indica contração do setor; acima de 50, expansão. O índice de gerentes de compra de maio se segue a uma leva de resultados fracos em abril - do comércio exterior à concessão de crédito nos bancos.
Em resposta, Pequim optou por uma série de iniciativas em várias áreas que, espera, promovam o crescimento e complementem sua campanha de longo prazo para torná-la uma economia fortalecida por mais consumo, inovação e atividade da iniciativa privada.
A China parece decidida a ampliar a reforma fiscal iniciada no início do ano em Xangai, onde certas atividades de serviços migraram para um imposto sobre valor agregado, o que representou uma expressiva desoneração sobre o setor. É provável que o sistema seja adotado em Pequim já no começo de julho - e no país todo no prazo de dois anos, disse ao "The Wall Street Journal" Lachlan Wolfers, sócio da área tributária da KPMG China. A KPMG vem trabalhando com o governo na reforma.
Separadamente, o ministério da Indústria e da Tecnologia da Informação do país soltou ontem um comunicado pedindo o fim de encargos administrativos aplicados a pequenas empresas, bem como de uma série de multas e taxas impostas por órgãos de governos locais, uma das principais queixas de empresas menores.
Antes, na quarta-feira, o Conselho de Estado da China, a suprema instância do executivo, prometeu reformas fiscais estruturais para aliviar a carga sobre empresas nacionais - mas sem dar detalhes. Autoridades vão encorajar investimentos privados em setores como o ferroviário, de energia e de telecomunicações, disse. O Conselho também prometeu apoiar o uso de energia solar e outras novas tecnologias energéticas, e acelerar o desenvolvimento de cabos de fibra óptica para residências.
Alguns analistas acreditam em uma ação governamental conjunta maior por parte das autoridades chinesas, se a retomada crescimento não ocorrer.
"Se não houver logo uma retomada do crédito e dos investimentos, a pressão para que o Estado comece a gastar vai ser forte", disse Mark Williams, economista da firma de pesquisa de mercado Capital Economics, em um nota. "A perspectiva de que a economia assuma em breve uma base mais sustentável, mais fundada no consumo, ainda parece remota."
quinta-feira, 24 de maio de 2012
Com forte saída de dólar, BC muda postura
Por Eduardo Campos e João José Oliveira - Valor 24/05
De São Paulo
A percepção de saída de recursos do país ganha números. A avaliação é de que os estrangeiros que estão saindo da Bovespa estão remetendo dinheiro para fora do país. O saldo estrangeiro na bolsa estava negativo em US$ 3,085 bilhões em maio até o dia 21. No mesmo período, o Ibovespa acumulava queda de 8,5%.
Os dados sobre o fluxo cambial divulgados ontem também mostram remessas. Agora em maio até o dia 18, a conta financeira mostra saída de US$ 5,196 bilhões. Tal resultado é o pior desde dezembro de 2008 (ver texto abaixo).
Ontem, pela primeira vez, o Banco Central explicitou preocupação com a disparada do dólar. O recado chegou pelo diretor de política econômica do Banco Central, Carlos Hamilton, o que, juntamente com a atuação do BC no mercado, contribuiu para que o dólar invertesse a tendência e fechasse em forte queda, depois de ter testado o limite de R$ 2,10 mais cedo.
Segundo o diretor executivo da NGO Corretora, Sidnei Nehme, a saída financeira de dólares é um sinal de alerta. Como a conta comercial está firme e positiva, com entrada de US$ 3,686 bilhões, o resultado líquido do fluxo cambial no mês até o dia 18 é negativo de "apenas" US$ 1,511 bilhão.
Segundo Nehme, esse aumento das exportações pode ser visto como uma "antecipação no tempo". Em função da taxa favorável há um maior número de fechamento de contratos de câmbio e mesmo ingressos relacionados ao comércio externo. No entanto, esse ingresso pode não se mostrar muito sustentável. Com isso, essa conta negativa do fluxo ficaria ainda mais negativa.
"Esses fluxos comerciais mascaram a saída financeira. Não se pode falar em fuga de dólares do país, mas esse número precisa ser acompanhado", diz Nehme.
Segundo o especialista, essa saída financeira pode ser composta por retirada de investimentos e pela não rolagem de captações externas, conforme as condições deixaram de ser favoráveis.
"Meu receio é que, se o fluxo continuar negativo, vai acabar consumido a posição comprada dos bancos. E esse problema que está localizado no mercado futuro de dólar chega ao mercado à vista. Essa saída de US$ 5 bilhões é um aviso", diz Nehme.
Com o fluxo negativo de US$ 1,511 bilhão em maio até o dia 18 é possível estimar que a posição comprada dos bancos no mercado à vista tenha caído de US$ 5,99 bilhões no fim de abril, para cerca de US$ 4,5 bilhões. Ou seja, ainda há dólares disponíveis no mercado à vista.
Ampliando a análise, Nehme aponta que a avaliação sobre o Brasil mudou, o julgamento é mais crítico com relação ao país.
Na visão do especialista, mesmo que a crise abra boas oportunidades de investimento, esses recursos esbarram na avaliação de que o país é "caro" em diversos sentidos, como tributação e falta de infraestrutura.
As posições em derivativos de bancos e fundos locais têm estoques entre os maiores já registrados. A posição vendida (pró-real) dos bancos em dólar futuro está em US$ 8,48 bilhões, a maior desde setembro do ano passado. Colocando na conta a posição em cupom cambial (DDI - juro em dólar no mercado local), o estoque vendido é de US$ 18,570 bilhões.
Na ponta oposta estão os fundos, com uma posição comprada (pró-dólar) de US$ 15,417 bilhões, são US$ 7,15 bilhões em dólar futuro e US$ 8,267 bilhões comprados em cupom cambial.
Os estrangeiros estão "pequenos", com posição líquida comprada de US$ 2,367 bilhões.
No mercado de câmbio, ontem, o leilão de swap cambial (que equivale à venda de dólares no mercado futuro) e o aceno de que o excesso de volatilidade é preocupante, dado por Carlos Hamilton, abriram espaço para a venda de dólares depois de uma arrancada de alta que levou as cotações a testar a linha de R$ 2,10.
O dólar comercial terminou o dia com baixa de 1,97%, segunda maior queda percentual do ano, a R$ 2,039 na venda. Antes disso, a moeda subiu a R$ 2,106 (+1,25%).
E uma baixa já está contrata para a abertura do pregão desta quinta-feira, já que o preço à vista descolou do futuro. Na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), onde os negócios encerram às 18 horas, o dólar para junho caiu 2,91%, para R$ 2,0345. Na máxima testou R$ 2,111 (+0,74%).
Pelas análises gráficas, o dólar cumpriu objetivo de alta de R$ 2,10. Agora, entra em regime de correção com primeira parada a R$ 2,0, seguida por R$ 1,97.
Os swaps e o discurso de Hamilton, primeira sinalização de atenção do BC sobre a recente disparada do dólar, tiraram os compradores da zona de conforto.
A compra de dólar ficou mais arriscada em função desse aceno de maior disposição em atuar.
No entanto, diz um operador, além de falar, o BC tem de seguir atuando. Caso contrário, o mercado vai para cima dele novamente. "O discurso é bom, mas o mercado, agora, vai esperar a atuação. De fato, a melhor comunicação do BC é pela mesa de operação dele. O mercado não entende outra coisa que não seja prejuízo", diz. Para esse especialista, boa parcela da alta recente pode ser credita ao mercado "testando" a paciência do BC e do governo com a alta do dólar.
No mercado de juros, as taxas caíram depois de três dias de firme ajuste de alta. O que determinou o movimento de venda foi a percepção de que a crise da zona do euro ganha a cada dia contornos mais preocupantes - o risco da saída da Grécia do bloco cresce, detonando uma nova onda de "flight to quality". Isso se reflete na queda dos juros americanos e estimula a venda por aqui também.
Além da euforia (I)
Por Fabio Giambiagi
Acabo de lançar, com Armando Castelar Pinheiro, o livro "Além da euforia" (Editora Campus). O livro faz uma análise da economia brasileira nos últimos anos, destacando a natureza excepcional de um conjunto de circunstâncias positivas que beneficiaram o país, mas apontando para uma série de deficiências do nosso modelo de desenvolvimento. Começo hoje uma série de cinco artigos tratando das principais ideias do livro. Ele trata dos elementos que tendem a prejudicar a perspectiva de um maior dinamismo futuro da nossa economia, elementos esses que, na euforia consumista dos últimos tempos, os brasileiros tendemos a ignorar.
Aqueles que acompanham as colunas que escrevi no Valor nos últimos anos talvez se sintam confusos pelo que pode parecer, numa primeira impressão, como manifestações de expressões contraditórias por parte do mesmo autor. De fato, nos últimos 10 anos ajudei a organizar vários livros e, em mais de um deles havia uma imagem positiva do país. Como é possível - pode indagar o leitor - transmitir uma visão positiva e crítica ao mesmo tempo?
Na verdade, ambas atitudes se justificam e a coexistência entre essas visões se explica com base na velha imagem do copo "cheio pela metade e vazio pela metade". Os avanços do Brasil ao longo dos últimos 25 anos a 30 anos foram muito grandes - e, em alguns casos, acentuados depois de 2003.
De forma genérica, pode-se dizer que o país se assumiu como uma democracia complexa; modernizou o parque produtivo em relação ao seu estado nos anos 80; estabilizou a economia; mudou o regime fiscal em relação à desordem que imperou durante décadas; melhorou a distribuição de renda; diminuiu o número de pessoas miseráveis; reduziu a taxa de desemprego; acumulou reservas internacionais; etc. Os méritos disso foram compartilhados por vários governos: originalmente, Sarney comandou a transição política nos anos 80; a gestão Collor deu uma "virada de leme" na orientação da economia no começo dos anos 90; com Itamar Franco tivemos o Plano Real; FHC liderou reformas fundamentais que mudaram a economia do país depois de 1994; e no governo Lula todos os indicadores econômicos e sociais melhoraram de forma inequívoca na última década.
Não obstante isso, persiste entre um grupo de analistas - entre os quais, modestamente, me incluo - a percepção de que o Brasil não aproveitou plenamente uma "combinação zodiacal" inédita para dar passos mais avançados rumo ao desenvolvimento. Em particular, essa visão, que o livro escrito com Castelar tenta condensar, sustenta que parte dos êxitos na primeira década do atual século - e, em particular, nos últimos anos - se apoiou no comportamento atípico de algumas variáveis-chave da economia internacional - notadamente os preços das "commodities" e as taxas de juros - e que se estas sofrerem uma reversão no futuro, o país não terá se preparado devidamente para encarar um cenário hostil.
A abordagem crítica se baseia em quatro pontos:
1) a taxa de investimento da economia brasileira continua sendo baixa, como expressão de uma poupança doméstica inferior à que prevalecia em 1994 e que, depois de algumas oscilações e de aumentar entre 1999 e 2004, voltou a cair entre 2004 e 2011;
2) os níveis de educação da população brasileira, em média e mesmo entre os mais jovens, são constrangedoramente baixos para poder aspirar a taxas maiores de crescimento, em um mundo cada vez mais competitivo;
3) a situação do balanço de pagamentos - base da reviravolta favorável da situação do setor externo do país na primeira metade da primeira década do século - dá sinais de reversão, apenas mitigados até 2011 por termos de troca exuberantes; e
4) a demografia, que no Brasil até aqui tem sido uma aliada do crescimento, passará gradualmente a se tornar um entrave para uma maior expansão, devido à combinação de menor crescimento da População Economicamente Ativa e maior incremento da população idosa - na bonança, estamos sacando contra o futuro.
O resultado disso é uma economia que tem crescido se aproveitando dos bons ventos da economia internacional e da existência, no começo desse ciclo, em 2003, de um "exército de trabalhadores de reserva" então desempregados, estoque esse que gradualmente foi sendo esgotado pelo próprio processo de expansão.
A chave para entender as limitações desse processo está na frase de um analista estrangeiro (Gray Newman) acerca da América Latina, numa das epígrafes do livro: "O risco é esquecer o desafio colocado para os 'policy makers': o de aproveitar os atuais fluxos de capitais para construir melhores condições para o crescimento sustentável. Poucas coisas foram mais prejudiciais para a região que o excesso de confiança em fluxos transitórios".
A frase é de 2005 e 7 anos depois os fluxos ainda se mantêm, mas o alerta é mais válido do que nunca. Convidamos o leitor interessado a compartilhar nossa reflexão e nossas dúvidas. Aprofundarei esses temas nos meus próximos quatro artigos.
Fabio Giambiagi, economista, co-organizador do livro "Economia Brasileira Contemporânea: 1945/2010" (Editora Campus). E-mail: fgiambia@terra.com.br.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Dólar chega a R$ 2,10, mas recua após atuação do Banco Central
FSP 23/05
A sessão no mercado de câmbio é marcada pela volatilidade nesta quarta-feira. Depois de engatar valorização de 1%, operando na faixa de R$ 2,10, o dólar mudou de rumo diante do anúncio da oferta de swap cambial tradicional, operação que equivale à venda de dólar no mercado futuro, realizada pelo Banco Central.
Por volta de 13h41, a moeda recuava 1,05% e era cotada a R$ 2,058, após máxima a R$ 2,106 (+1,25%). O giro estimado para o mercado interbancário estava ao redor de US$ 500 milhões, metade do considerado normal.
A operação movimentou US$ 1,309 bilhão, o que representa 33% da oferta total de 80.000 contratos, ou US$ 4 bilhões distribuídos entre os vencimentos de 2 de julho e 1 de agosto.
O swap com vencimento em 2 de julho movimentou 18.600 contratos, ou US$ 922,6 milhões. E o contrato para 1 de agosto girou 7.800 contratos, ou US$ 386,4 milhões.
No mesmo horário, a Bovespa recuava 3,34%, aos 53.198 pontos.
VOLATILIDADE
O diretor de política econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, afirmou nesta quarta-feira que o excesso de volatilidade no câmbio é preocupante, mas que a instituição não tem uma meta para a taxa de câmbio.
"O câmbio repercute [neste momento] essencialmente a aversão ao risco no mercado internacional, mas isso faz parte. Tem certos momentos em que o câmbio responde mais a fundamentos domésticos que aversão ao risco, em outros momentos essa relação diminui", disse após apresentação do Boletim Regional do BC, em Curitiba.
"O importante é que o mercado de câmbio esteja funcionando adequadamente de modo a refletir as situações. O que nos preocupa é o excesso de volatilidade. Não temos, nunca tivemos, [foco] no nível de taxa de câmbio."
GRÉCIA
Os mercados caíram hoje com rumores de que haveria planos preparatórios para a saída da Grécia da zona do euro.
Depois da tentativa de recuperação motivada pela expectativa de que alguma medida para conter a crise da zona do euro seria discutida em reunião da União Europeia, os mercados se voltaram para o fato de que não há nada de concreto para ser divulgado agora.
Esse ambiente tenso fez investidores fugirem mais uma vez do risco em direção ao dólar e aos títulos do tesouro dos Estados Unidos e da Alemanha. O euro chegou a cair ao nível mais baixo desde agosto de 2010, a US$ 1,2615.
As bolsas em Wall Street intensificam as perdas, assim como a Bovespa.
Às 13h22 (horário de Brasília), o indicador Dow Jones caía 1,43%, a 12.323 pontos, enquanto o S&P 500 tinha desvalorização de 1,45%, a 1.297 pontos. O índice de tecnologia Nasdaq perdia, por sua vez, 1,42%, a 2.798 pontos.
Nem mesmo a divulgação de números mais positivos do setor imobiliário dos Estados Unidos impedia a desvalorização das Bolsas nesta sessão. As vendas de imóveis residenciais novos nos EUA subiram 3,3% em abril em relação a março, para uma taxa anualizada de 343 mil unidades, de acordo com dados ajustados sazonalmente. Analistas previam alta de 2,1%. Na comparação com abril do ano passado, houve aumento de 9,9%.
A sessão no mercado de câmbio é marcada pela volatilidade nesta quarta-feira. Depois de engatar valorização de 1%, operando na faixa de R$ 2,10, o dólar mudou de rumo diante do anúncio da oferta de swap cambial tradicional, operação que equivale à venda de dólar no mercado futuro, realizada pelo Banco Central.
Por volta de 13h41, a moeda recuava 1,05% e era cotada a R$ 2,058, após máxima a R$ 2,106 (+1,25%). O giro estimado para o mercado interbancário estava ao redor de US$ 500 milhões, metade do considerado normal.
A operação movimentou US$ 1,309 bilhão, o que representa 33% da oferta total de 80.000 contratos, ou US$ 4 bilhões distribuídos entre os vencimentos de 2 de julho e 1 de agosto.
O swap com vencimento em 2 de julho movimentou 18.600 contratos, ou US$ 922,6 milhões. E o contrato para 1 de agosto girou 7.800 contratos, ou US$ 386,4 milhões.
No mesmo horário, a Bovespa recuava 3,34%, aos 53.198 pontos.
VOLATILIDADE
O diretor de política econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, afirmou nesta quarta-feira que o excesso de volatilidade no câmbio é preocupante, mas que a instituição não tem uma meta para a taxa de câmbio.
"O câmbio repercute [neste momento] essencialmente a aversão ao risco no mercado internacional, mas isso faz parte. Tem certos momentos em que o câmbio responde mais a fundamentos domésticos que aversão ao risco, em outros momentos essa relação diminui", disse após apresentação do Boletim Regional do BC, em Curitiba.
"O importante é que o mercado de câmbio esteja funcionando adequadamente de modo a refletir as situações. O que nos preocupa é o excesso de volatilidade. Não temos, nunca tivemos, [foco] no nível de taxa de câmbio."
GRÉCIA
Os mercados caíram hoje com rumores de que haveria planos preparatórios para a saída da Grécia da zona do euro.
Depois da tentativa de recuperação motivada pela expectativa de que alguma medida para conter a crise da zona do euro seria discutida em reunião da União Europeia, os mercados se voltaram para o fato de que não há nada de concreto para ser divulgado agora.
Esse ambiente tenso fez investidores fugirem mais uma vez do risco em direção ao dólar e aos títulos do tesouro dos Estados Unidos e da Alemanha. O euro chegou a cair ao nível mais baixo desde agosto de 2010, a US$ 1,2615.
As bolsas em Wall Street intensificam as perdas, assim como a Bovespa.
Às 13h22 (horário de Brasília), o indicador Dow Jones caía 1,43%, a 12.323 pontos, enquanto o S&P 500 tinha desvalorização de 1,45%, a 1.297 pontos. O índice de tecnologia Nasdaq perdia, por sua vez, 1,42%, a 2.798 pontos.
Nem mesmo a divulgação de números mais positivos do setor imobiliário dos Estados Unidos impedia a desvalorização das Bolsas nesta sessão. As vendas de imóveis residenciais novos nos EUA subiram 3,3% em abril em relação a março, para uma taxa anualizada de 343 mil unidades, de acordo com dados ajustados sazonalmente. Analistas previam alta de 2,1%. Na comparação com abril do ano passado, houve aumento de 9,9%.
A frágil Europa precisa mudar já
Por Martin Wolf - Valor 23/05
Simpatizo com os alemães. Não por concordar com sua visão predominante de como a crise aconteceu e o que se deve fazer a respeito. Simpatizo porque os que fazem parte da elite alemã foram os que compreenderam o que implicava criar o euro. Perceberam que uma união monetária não poderia funcionar sem união política. A elite francesa, no entanto, queria em vez disso acabar com a humilhante dependência que sentia em relação à política monetária do Bundesbank, o banco central alemão. Agora, 20 anos depois, os parceiros da Alemanha, incluindo a França, aprenderam uma dolorosa lição. Longe de estarem liberados do controle alemão, ficaram sujeitos a ele muito mais firmemente. Em grandes crises, os credores mandam.
Vejamos como a Europa estaria muito melhor se o mecanismo cambial, em vez disso, tivesse continuado com faixas amplas. As taxas de juros nos países atingidos provavelmente estariam mais altas, enquanto os déficits em conta corrente e as bolhas no preço dos ativos, menores. Quando houve a reviravolta nos fluxos financeiros, as crises cambiais de fato teriam acontecido. O dracma grego, a libra irlandesa, o escudo português, a peseta espanhola, a lira italiana e, talvez, o franco francês teriam se desvalorizado em relação ao marco alemão. O nível dos preços nesses países teria apresentado um salto temporário. A culpa por qualquer consequência, no entanto, teria recaído de forma predominante em casa. Eu receava que, em uma crise, o euro enfraqueceria a sensação de confiança mútua, em vez de reforçá-la. Isso já ficou demonstrado, mesmo com a região do euro mal tendo começado o ajuste.
Por que, então, os que mandam em tempos de crise são os credores? A resposta é simples: eles podem captar a um custo barato. Como aqueles que concedem crédito se afastaram dos países com capacidade creditícia enfraquecida, a taxa de juros dos "bunds", títulos do governo alemão, caiu para 1,3%, abaixo dos 5,8% observados na Itália e 6,2% na Espanha. Com o Produto Interno Bruto (PIB) nominal estagnado, os países com altas taxas de juros correm o risco de cair na armadilha do endividamento. Precisam de ajuda para controlar os custos de captação dos empréstimos que apenas os credores podem lhes fornecer.
Como Harold James, da Princeton University, Ronald McKinnon, de Stanford, e muitos outros ressaltaram, Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos, deparou-se com um desafio não muito diferente diante as dívidas tomadas pelos Estados durante a guerra de independência do país. Hamilton usou os poderes da (segunda e mais centralizadora) constituição para assumir essas dívidas, lançando novas dívidas federais em seu lugar. No longo prazo, surgiram o sistema federal dos EUA, com limites ao endividamento estadual; um banco central (pela terceira vez); e um orçamento federal para estabilizar a economia.
Uma vez que o desmantelamento da região do euro seria muito custoso, como argumentei na semana passada, será que uma união como essa poderia lidar com as atuais dificuldades? A resposta é sim, na teoria. A região do euro já tem um banco central. O querido pacto fiscal da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, poderia ser o equivalente à regra de equilíbrio nos orçamentos dos Estados dos EUA. Então, o que falta para um final do tipo "felizes para sempre"? A resposta parece ser um acordo fiscal sólido, para amortecer o impacto das crises, ajudar os países-membros a administrar suas dívidas e cortar a interdependência entre os bancos e títulos de governos fragilizados.
Está fora de questão, contudo, a assunção das dívidas por um Tesouro central ou a substituição dos mecanismos fiscais nacionais por federais. O orçamento da União Europeia (UE) é de 1% do PIB. Não há disposição para torná-lo maior.
Em vez dessa ação central, seria preciso haver uma maior solidariedade entre os países-membros. Acho difícil acreditar, entretanto, que tais medidas sobreviveriam. O Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM, na sigla em inglês), elaborado nesta crise para ajudar os países em dificuldades, é pequeno demais, de apenas 5% do PIB da região do euro. A resposta teria de ser algum tipo de bônus da região do euro, com respaldo individual e conjunto. Encontraria apoio bastante limitado. Os membros com boa capacidade creditícia tendem a antipatizar com o apoio a "irresponsáveis". Os eleitores não gostam de compartilhar com os não eleitores. Um ponto crucial é que a solução de Hamilton foi precedida pela constituição federal dos EUA, embora o grande endividamento tenha sido um motivo para sua ratificação.
Se acabar com o euro está fora de questão, não há financiamento genuinamente federal disponível e a solidariedade mútua vai continuar limitada, então, o que resta? A resposta é um ajuste mais rápido, para devolver a saúde às economias. A região do euro não pode tornar as economias enfraquecidas de hoje em regiões com depressões, permanentemente sustentadas por transferências, uma política que assolou o sul da Itália.
Como, então, se obtém um ajuste mais rápido? A resposta é por meio de uma economia mais aquecida na região do euro e de salários e inflação maiores nas economias centrais do que nas da periferia debilitada. Além disso, a estratégia de crescimento necessária não é, definitivamente, apenas uma questão de políticas voltadas à oferta. De acordo com previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB nominal da região do euro terá se expandido meros 20% entre 2008 e 2017, ano em que será 16% menor do que se tivesse continuado a crescer no ritmo de 4% observado entre 1999 e 2008 (consistente com crescimento real de 2% e inflação de 2%). Para as economias em dificuldades, um crescimento tão magro é um desastre: significa que a região do euro como um todo tende a reforçar, e não anular, suas contrações de crédito e rigor fiscal. Elas podem atribuir a culpa à adoção generalizada de rigor fiscal e às políticas do Banco Central Europeu (BCE), que deixou a base monetária estagnar.
O que isso tem a ver com o risco de saída da Grécia e, caso isso aconteça, com a necessidade de administrar as consequências? Tudo e nada. Nada, porque ainda será necessário administrar o pânico, quase certamente por meio de apoio ilimitado do BCE, como o ministro das Finanças da Polônia, Jacek Rostowski, argumentou no "Financial Times". Tudo, porque em um cenário de grandes diferenças de competitividade, baixa solidariedade fiscal e bancos enfraquecidos, é vital haver uma perspectiva plausível de ajuste voltado ao crescimento.
Se os países enfrentarem um ano apático de deflação e depressão após o outro, o euro corre o risco de tornar-se um símbolo odiado de empobrecimento. Os EUA, enquanto união federal forte, conseguiriam enfrentar tal situação de decepções prolongadas. A região do euro, muito mais enfraquecida, não. (Tradução de Sabino Ahumada)
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
terça-feira, 22 de maio de 2012
O necessário equilíbrio
Por Antonio Delfim Netto - Valor 22/05
Neste momento de incerteza em que parece que o país não tem rumo, que parece viver de pequenos expedientes e no qual se exige um "coerente programa nacional em que o Brasil explicite com clareza o que quer de si mesmo", é bom lembrar que ele existe. A Constituição tem, ínsita, uma linha de desenvolvimento político, social e econômico que, com as dificuldades naturais, vem sendo seguida. Afinal, que tipo de sociedade os brasileiros escolheram para viver através dos seus constituintes? Não é coisa fácil de definir porque a Constituição é extremamente analítica, mas podemos definir o seu "espírito original" em três grandes vetores:
1) uma sociedade republicana em que todo cidadão, independente de sua origem, cor, credo, gênero, educação ou patrimônio, obedecerá à mesma lei, à qual se submeterá, inclusive, o Estado; 2) uma sociedade democrática, controlada pelo sufrágio universal com voto secreto, amplo e irrestrito no qual, em princípio, quem vota pode também ser votado; 3) um Estado forte, mas constitucionalmente controlado, que garanta o funcionamento de uma sociedade aberta, onde os indivíduos têm plena liberdade para iniciativa lícita e podem apropriar-se dos seus benefícios; com poder para regular a organização econômica que sustenta o uso dos mercados na alocação de bens e serviços; e com poder para ir ampliando a construção de uma sociedade onde cada vez mais adquire significado concreto a igualdade de oportunidades. É preciso dizer que diante desse programa civilizatório não há a menor dicotomia entre Estado e mercado.
Para entender porque os economistas podem ser úteis, não no estabelecimento desse objetivo, mas na facilitação da sua realização é preciso reconhecer que a condição preliminar para atingi-los é o aumento da produtividade do trabalho, que encolhe o tempo necessário do homem para construir sua sobrevivência física e expande o tempo disponível para que ele conquiste a sua humanidade. O desenvolvimento é apenas o instrumento que, eventualmente, tornará possível ao homem realizar-se plenamente.
O problema é que, por maior que sejam nossos desejos e por melhor que sejam as "instruções" da Constituição para a construção do nosso processo civilizatório, há realidades físicas que obstruem a sua marcha e decisões políticas que podem acelerá-la ou retardá-la. Para entender isso observe-se o gráfico abaixo, já publicado nesta coluna uma meia dúzia de vezes, ao longo dos últimos 12 anos. Numa simplificação radical ele revela a essência do processo de desenvolvimento numa economia fechada. Da população total (N) extraímos a população economicamente ativa (com seu nível de educação e saúde) e, dela, a Força de Trabalho (L), os que podem e querem trabalhar. Esses, usando o Estoque de Capital (K), que é trabalho do passado congelado na forma de infraestrutura, máquinas etc. produzem o PIB. É fato empírico bem comprovado que a "produtividade" da combinação do capital (K) com o trabalho (L) depende, dentro de certos limites da intensidade da relação entre eles (K/L), ou seja, da quantidade de capital (K) de que dispõe cada unidade da mão de obra (L).
Trata-se, obviamente, de uma metáfora não mensurável que permite entender que o tamanho do PIB depende do estoque de capital (K), da disponibilidade do trabalho (L) e da sua "produtividade" (K/L). A velocidade do processo é determinada pelo ritmo de crescimento do capital com relação ao do trabalho. Há, portanto, uma clara relação entre o ritmo possível do consumo e a velocidade desejada de crescimento.
Até aqui o processo é puramente físico e a economia tem muita coisa útil para dizer e ensinar sobre ele. Uma vez produzido, entretanto, a distribuição do PIB entre o consumo que volta para a população (N) e o investimento que retorna ao estoque de capital (K) para repor o capital consumido na produção (depreciação) e aumentá-lo, é um processo político. Nas democracias ele é resolvido nas urnas. Nos regimes autoritários pelo arbítrio, fora do alcance da economia e dos economistas. O que esses podem fazer é apontar os inevitáveis resultados práticos das escolhas políticas e o nível de sua coerência no longo prazo com os objetivos estabelecidos pela sociedade.
Não é preciso ser um físico quântico para compreender que sem um equilíbrio entre o consumo e o investimento, o sistema não tem energia para se manter funcionando adequadamente. Quando há ênfase exagerada no consumo (como no Brasil) ou no investimento (como na China) o sistema perde funcionalidade no longo prazo. Chega a hora de mudar. O Brasil precisa dar ênfase ao investimento e às exportações sem recuar na inserção social. A China precisa reduzir os investimentos e a exportação para dar ênfase ao consumo.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
A classe média brasileira é mundial
Por Marcelo Côrtes Neri - Valor 22/05
A mediana da renda mundial pode ser pensada como uma variante econômica da linha do Equador. Ela é a linha que por definição divide a população mundial em duas partes iguais com rendas diferentes, enquanto a do Equador divide o mundo em duas áreas geográficas de tamanhos iguais. O gráfico compara a renda mundial com a distribuição de renda dentro de um grupo de países selecionados. Ele foi gerado a partir dos dados do trabalho seminal de Branko Milovic do Banco Mundial.
Os mais pobres dos pobres americanos têm 60% da população mundial mais pobre que eles. Ou seja, nenhum percentil da distribuição americana sequer toca a mediana mundial. No extremo oposto, 95% dos indianos se situam abaixo da mediana mundial.
As linhas permitem comparar pessoas na mesma posição relativa em seus respectivos países. Enxergamos com clareza que os EUA são mais ricos que a Rússia que é mais rica que a China que por sua vez supera a Índia.
Mas onde está o Brasil? Os brasileiros estão em todas as partes. Nossos mais pobres dos pobres são tão pobres quanto os intocáveis indianos, e os nossos mais ricos não ficam muito atrás dos americanos abastados.
A distribuição de renda brasileira é próxima de uma linha diagonal imaginária com inclinação (tangente) unitária, ou seja caminha quase de mãos dadas com a distribuição mundial de renda. O Brasil é maquete do mundo. Já havíamos mostrado aqui que a desigualdade brasileira medida pelo índice de Gini, embora seja a 12ª mais alta do mundo, está muito próxima do Gini entre países ponderados pela população.
A renda per capita média brasileira também é similar à mundial, ambas ajustadas por diferenças de custo de vida. Isso apesar de quase 80% da população mundial viver em países mais pobres do que o Brasil. O Brasil não é um país pobre mas tem muitos pobres em função da alta desigualdade. A linha oficial de pobreza extrema é de US$ 1,25 dia, com 8,5% da população abaixo dela. Já a renda média americana, mesmo após a crise de 2008, era de US$ 100 por dia por americano. Qualquer povo fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) será considerado pobre usando a métrica do imaginário da classe média "Made in USA": dois carros, dois cachorros e dois filhos.
Por que importar para o Brasil definições prontas de classe média de países ricos do hemisfério norte? Devemos usar a nossa própria realidade para medi-la. Há várias alternativas com a vantagem de, ao mergulharmos no Brasil, encontrarmos o mundo. Nosso mais recente estudo revela que o acesso médio à internet em casa do brasileiro é idêntico ao observado na aldeia global (www.fgv.br/cps/telefonica).
Uma possibilidade seria dividir em três partes arbitrárias. Na nossa metáfora geográfica, a classe média poderia estar circunscrita entre dois trópicos. O método usado pela FGV divide a sociedade em três grupos, escolhendo linhas de corte de forma que os três grupos fossem os mais homogêneos dentro de si e os mais diferentes dos demais grupos, como na medida de polarização EGR. Depois mantemos constante o valor das linhas para obter as variações absolutas das classes (vide www.fgv.br/cps/ ncm2014). Por exemplo, os 40 milhões que entraram na classe média entre 2003 e 2011.
Nossa estratégia consegue explicar 33% mais da desigualdade brasileira do que a que usa três partes com populações iniciais iguais. O resultado foi que a nossa classe média brasileira vivia aproximadamente entre mediana e a linha que divide os 10% com mais renda, tudo dentro do hemisfério rico global.
Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas e professor da EPGE/FGV. Autor de a Nova Classe Média (Editora Saraiva), Microcrédito: o Mistério Nordestino e o Grameen Brasileiro (FGV) e Cobertura Previdenciária: Diagnósticos e Propostas (MPS).
segunda-feira, 21 de maio de 2012
Estranheza no BC
BC muda postura e oferta dólares via swap cambial
O pregão de sexta-feira marcou uma mudança na postura do Banco Central (BC) no mercado de câmbio. A autoridade monetária ofertou dólares, apenas 15 dias depois de fazer compra de moeda americana.
Por mais técnica que tenha sido a postura do BC, pois o dólar subia mais de 2,5% - estava descolado do sinal externo, e o cupom cambial (juro em dólar no mercado local) disparava -, a sinalização transmitida é de que R$ 2,0 seria um "teto" para o dólar.
Mesmo com o BC, o dólar subiu 0,65% na sexta, para R$ 2,019. Na semana, teve alta de 3,22%.
A ação também causa certa estranheza, pois em abril o BC tirou de circulação US$ 7,223 bilhões via compras no mercado à vista, contra um fluxo positivo de US$ 6,588 bilhões. Sendo que boa parte das compras em abril aconteceu quando o dólar já tinha adquirido viés de alta em função da piora de humor externo.
Fica aberto o espaço, também, para críticas à postura do governo brasileiro. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, é o criador do termo "guerra cambial" e a presidente Dilma Rousseff do "tsunami monetário".
Como dizer que o Brasil luta contra essas mazelas impostas pelos bancos centrais desenvolvidos ofertando dólares? Até então, a "guerra cambial" e o "tsunami monetário" eram as justificativas para as medidas de restrição ao capital externo impostas pelo governo.
De fato, em entrevistas recentes, Mantega disse que dólar a R$ 2,0 não preocupava o governo, muito menos a presidente Dilma. O dólar alto é bom, pois dá competitividade à indústria, dizia o ministro. Parece que faltou combinar com os russos.
Na sexta-feira, o BC veio a mercado e vendeu dólares no mercado futuro via swap cambial, algo que não acontecia desde outubro do ano passado. Foram 13 mil contratos de swap ou US$ 654,3 milhões.
Uma fonte da área econômica reforça que a atuação do BC visa garantir o bom funcionamento do mercado. O BC não tem meta para taxa de câmbio e a essa venda de swap foi uma mera antecipação da rolagem de contratos que venceriam em 1º de junho.
Na avaliação do diretor da Pioneer Corretora, João Medeiros, foi exatamente isso que o BC fez. Ele deu saída aos investidores que estavam de posse de swaps reversos que venceriam na virada do mês.
Fica a expectativa, agora, se o BC fará ofertas líquidas de swap ou se vai antecipar mais vencimentos. Em 1º de julho, vencem outros US$ 2,5 bilhões em swaps reversos (instrumento de compra de dólar no mercado futuro).
Ainda de acordo com Medeiros, o BC não estaria preocupado com o preço, mas sim com a velocidade de valorização do dólar.
Para o economista-chefe da CM Capital Markets, Darwin Dib, a atuação do BC mostra que não quer dólar a R$ 2,0. As razões para isso são bem claras. Primeiro, é o impacto do dólar na inflação. Segundo, é que o câmbio depreciado afeta negativamente a absorção doméstica, ou seja, afeta o crescimento da economia.
Ainda de acordo com Dib, com essa atuação do BC, o mercado ganha um nova "banda" de oscilação, com piso em R$ 1,90 e teto em R$ 2,0. Claro que os pisos e tetos oscilam conforme o mercado.
O economista aponta, ainda, que o BC nunca teve tantos instrumentos à disposição para dar fim a qualquer disparada no preço do dólar ("overshooting").
Tem reservas internacionais, o swap e o leilão de linha. Fora isso, existem as medidas administrativas que podem ser retiradas com uma canetada.
São elas: o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 6% para renda fixa; o IOF de 6% para captações externas inferiores a 720 dias; a limitação à posição vendida dos bancos no mercado à vista de dólar; e o IOF de 1% sobre ampliação de posição vendida no mercado de derivativos - uma das mais potentes restrições, segundo Dib.
Nos juros, a cena externa ruim se aliou ao baixo crescimento doméstico. Alta de 3% do PIB vai exigir muita transpiração e, como o governo está comprometido com o crescimento, a resposta na BM&F é vender ainda mais contratos de juro futuro. A ideia de "parcimônia" perde força e crescem as apostas de corte de 0,75 ponto percentual na Selic no encontro do dia 30 do Copom.
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