quinta-feira, 19 de julho de 2012

Crise de legitimidade das finanças



Por Simon Johnson - Valor 19/07

A recente saída de Robert Diamond do Barclays é um divisor de águas. Sem dúvida, executivos-chefes de grandes bancos já foram forçados a deixar seus cargos no passado. Chuck Prince perdeu o emprego no Citigroup por ter assumido riscos excessivos no período prévio à crise ao deixar de coibir operações não autorizadas da ordem de US$ 2,3 bilhões.

Diamond, no entanto, supostamente era um executivo de banco no cume do setor. O Barclays, asseverava-se, havia passado pela crise de 2008/2008 sem precisar de auxílio financeiro do governo. E, embora tivesse sido descoberto que seu banco havia violado várias regras, sobre produtos vendidos a consumidores e a forma como informava taxas de juros, Diamond havia conseguido distanciar-se dos problemas.

Relatos na imprensa indicavam que os órgãos de regulamentação estavam dispostos a dar a Diamond um passe livre - até o momento em que houve uma profunda reação política. Diamond começou a reagir, apontando o dedo acusador ao Banco da Inglaterra, autoridade monetária do Reino Unido. Teve de desistir.

Há três grandes lições a tirar do fim de Diamond no Barclays.

Primeira, a reação política não veio do "baixo clero" ou de espectadores mal informados, à margem das correntes predominantes. Importantes políticos de todos os partidos no Reino Unido uniram-se na condenação às ações do Barclays, particularmente no que se refere à fraude sistemática na divulgação das taxas de juros, exposta no escândalo da Libor (a taxa interbancária do mercado de Londres, que é referencial essencial para as captações e concessões de créditos em todo o mundo e até para a precificação de derivativos).

Aliás, o ministro das Finanças do Reino Unido, George Osborne, chegou a dizer: "Fraude é crime nas atividades comuns; por que não deveria sê-lo na bancária?". A clara implicação é que fraudes haviam sido cometidas no Barclays - uma acusação séria para um ministro das finanças britânico.

Depois de cinco anos de escândalos em grande escala no setor financeiro mundial, a paciência começa a se esgotar. Nas palavras de Eduardo Porter, no "The New York Times": "Mercados maiores permitem fraudes maiores. Empresas maiores, com balanços patrimoniais mais complexos, têm mais lugares para escondê-las. E bancos, quando ficam grandes o suficiente para que nenhum governo os deixe quebrar, têm o maior incentivo de todos."

Segunda, Diamond aparentemente pensou que poderia enfrentar o "establishment" britânico. Sua equipe vazou o conteúdo de uma conversa que ele disse ter tido com Paul Tucker, alto funcionário do Banco da Inglaterra, sugerindo que a instituição havia orientado o Barclays a informar números imprecisos sobre as taxas de juros.

Aparentemente, Diamond esqueceu que a continuidade da existência de qualquer banco com um balanço patrimonial relativamente grande em relação a sua economia doméstica - e sua capacidade de gerar retorno aos acionistas - depende inteiramente de manter uma boa relação com os órgãos de regulamentação. O Barclays tinha ativos totais em torno a US$ 2,5 trilhões - quase o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) anual do Reino Unido - e é o quinto ou oitavo maior banco do mundo. Bancos desse tamanho beneficiam-se de gigantescas garantias implícitas do governo: é isso que significa ser "grande demais para falir".

Diamond, ao que parece, acreditava em sua própria retórica - que ele e seu banco eram cruciais para a prosperidade econômica do Reino Unido. As autoridades reguladoras aceitaram o desafio e o obrigaram a renunciar. O preço das ações do Barclays subiu ligeiramente com a notícia.

A lição final é que os grandes enfrentamentos entre a democracia e os grandes executivos de bancos ainda estão por vir - tanto nos Estados Unidos como na Europa continental. Na superfície, os bancos mantêm-se poderosos, embora sua legitimidade continue a desmoronar.

O executivo-chefe do JP Morgan Chase, Jamie Dimon, presidiu este ano uma assunção imprudente de riscos de quase US$ 6 bilhões (poderíamos chamá-la de uma debacle "triplo Grübel"), mas seu cargo parece continuar assegurado. Dimon continua até no conselho do Federal Reserve regional de Nova York, apesar do fato de a instituição estar profundamente envolvida na investigação não apenas das perdas com as operações arriscadas do JP Morgan Chase, mas também de sua ligação potencial com a escalada no escândalo da Libor.

Como Dennis Kelleher1, presidente do grupo de defesa do interesse público Better Markets, documentou em seu recente testemunho no Congresso2, dois anos depois da aprovação da lei Dodd-Frank, o sistema bancário dos Estados Unidos continua a lutar com veemência - e eficiência - para minar a força de reformas significativas. (O testemunho de Kelleher é uma avaliação essencial, assim como sua declaração de abertura3 na audiência).

Há, no entanto, progressos sendo obtidos. Dimon é a face pública da resistência dos megabanco a reformas; as repetidas humilhações públicas dessa face em particular fortalecem os que querem domar a assunção de risco excessiva e irresponsável.

Paralelamente, a situação europeia parece explosiva. A abordagem da União Europeia à regulamentação bancária encorajou instituições financeiras a se carregar de títulos de dívidas governamentais - supostamente um ativo "livre de riscos". Agora, tendo em vista a profundidade da crise das dívidas soberanas na periferia da região do euro, calotes governamentais ameaçam derrubar os grandes bancos. O Banco Central Europeu (BCE) ofereceu imensos volumes de "liquidez" de emergência aos bancos, que, por sua vez, os vêm usando para comprar ainda mais títulos soberanos. Isso mantém os juros mais baixos no curto prazo, mas cria perdas potenciais ainda maiores no caso de uma possível inadimplência.

Bancos e políticos estão profundamente entrelaçados em todas as economias avançadas. Diamond descobriu que, no fim das contas, os políticos triunfam sobre os executivos de banco - pelo menos no Reino Unido.

Você realmente acredita na noção, cada vez mais duvidosa, de que os megabancos, como constituídos atualmente, são bons para o resto do setor privado e, portanto, para o crescimento econômico e a criação de empregos? Ou você começa a considerar mais seriamente a proposição, cada vez mais predominante, de que os megabancos internacionais e seus líderes simplesmente tornaram-se poderosos e perigosos demais? (Tradução de Sabino Ahumada)

1www.nytimes.com/2012/05/31/business/kelleher-leads-a-nonprofit-better-markets-in-fight-for-stricter-banking-rules.html?_r=2&pagewanted=all

2 www.bettermarkets.com/sites/default/files/Full%20Testimony%207-10-12_0.pdf


3 www.bettermarkets.com/sites/default/files/Opening%20Statement%207-10-12_0.pdf


Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You" (Casa Branca em chamas: os pais fundadores, nossa dívida nacional e por que isso é importante para você, em inglês), com James Kwak. Copyright: Project Syndicate, 2012.



www.project-syndicate.org

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