segunda-feira, 7 de novembro de 2011

É tempo de agir como o Brasil?



Por Jeremy Grant | Financial Times - Valor 07/11

A revelação do CME Group de que a MF Global tinha infringido as regras da bolsa e dos reguladores americanos de assegurar que os recursos de garantia da casa e do cliente fossem mantidos separados é, naturalmente, chocante.

Mas é também um lembrete de que, no universo dos contratos futuros negociados em bolsa, os sistemas e as práticas que se desenvolveram no último período de quase 40 anos desde a invenção dos contratos futuros financeiros em Chicago não foram suficientemente submetidos a testes de estresse para evitar que coisas como essas ocorressem.

É ilegal nos EUA não assegurar que a garantia que avaliza as transações de uma empresa seja mantida numa conta numa câmara de compensação separada da garantia que avaliza as transações do cliente da empresa. Mas onde estavam as salvaguardas, de ordem regulatória ou não, que assegurassem que isso não ocorreria?

Craig Donohue, principal executivo da CME, disse que a MF Global não cumpriu nem as regras do CME nem as da Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities (CFTC, pelas iniciais em inglês) que determinam essa segregação da garantia.

O que é permitido é manter as transações dos clientes e as transações da empresa em uma conta "vários". Há um bom motivo para isso: permite a proteção das posições e uma administração mais eficiente das garantias.

Mas a garantia em si - o dinheiro que é imobilizado para o caso de inadimplência de um membro de compensação de seu cliente (ou de ambos) - é o fator fundamental. Precisa haver segregação entre as garantias da casa e as do cliente. Ainda não conhecemos os fatos.

Ouvi especulações de que o que pode ter acontecido é a MF Global ter empregado garantias do cliente para cobrir chamadas de margem (pedidos de pagamento de garantia adicional) num passado muito recente. Em última instância, isso tem a ver com a maneira pela qual a estrutura do mercado foi montada, bem como com a supervisão -ou falta de - da parte dos órgãos reguladores.

No Brasil - um mercado muito menor -, teve-se muita experiência nesse front. Se há alguma coisa que a crise cambial e outras crises ensinaram às autoridades reguladoras brasileiras, é "ter segurança em primeiro lugar" com base nas estruturas do mercado.

No Brasil, não apenas as contas "vários" não são autorizadas como também as garantias precisam ser declaradas no nome da entidade que as está oferecendo, com um "identificador" que permite que as autoridades reguladoras vejam imediatamente quem tem o quê.

As contas autorizadas são mantidas na câmara de compensação, que então deposita o dinheiro de um dia para o outro junto ao Banco Central. Diferentemente, nos EUA, a CME depositaria esse dinheiro junto aos bancos.

Além disso, as providências pós-transação vigentes no Brasil oferecem mais certeza e mais transparência que as vigentes nos mercados americano e europeu, como escreve aqui Tony Freeman, da Omgeo.

No Reino Unido não há exigência legal de segregar as garantias do cliente e as da casa. O sistema conta, em vez disso, com a adesão das empresas à "melhor prática". A Autoridade de Serviços Financeiros diz estar no comando disso, e em junho do ano passado aplicou sua maior multa de todos os tempos por infração das regras, sobre o J.P. Morgan. Mas será que isso é o suficiente?

O recente escândalo do operador rebelde do UBS, em que um operador aparentemente conseguiu se beneficiar de processos de confirmação de transação e de compensação disfuncionais e obsoletos, mostra que coisas ruins podem e vão acontecer em decorrência direta do fato de as estruturas do mercado não estarem adequadas à finalidade e/ou de as práticas determinadas por elas não terem sido adequadamente testadas e monitoradas pelos órgãos reguladores.

O caso do Brasil tem uma desvantagem, no entanto: a falta de contas "vários" implica a impossibilidade, pelas empresas, de se beneficiarem de quaisquer eficiências das garantias, o que significa que as transações com o Brasil são um pouco mais caras do que com outros mercados. Mas, em nome da segurança, não seria esse o melhor sistema, mesmo diante dessa contrapartida desfavorável?

Examinemos o comentário de John Lothian, em seu mais recente boletim, em que ele lamenta o caos que se seguiu em decorrência do colapso da MF Global:

"Está claro que há lições a serem tiradas pelo setor, pelos reguladores e pelos clientes. Quando a poeira baixar, avaliaremos essas lições. Está claro para mim, no entanto, que um plano de recuperação de desastres de uma empresa deveria incluir um plano para esse tipo de desastre.

As empresas e os clientes foram obrigados a improvisar sobre como operar num ambiente engessado em que a maior corretora de contratos futuros de varejo tem seu acesso eletrônico às bolsas suspenso. Isso fez com que as operações da empresa despencassem e com que seus clientes mergulhassem no módulo vigente no início da década de 1980, mas sem todos os atendentes de telefonia capazes de administrar o fluxo de ordens." Pelo menos as câmaras de compensação parecem estar desempenhando suas tarefas adequadamente, pelo que soubemos até agora.

Mas é hora de as autoridades da Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities (CFTC, pelas iniciais em inglês) e outros reguladores americanos darem um pulo em São Paulo para dar uma olhada, diria eu.

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