quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Ligeiramente grávido




Por Alexandre Schwartsman - Valor 04/10

No último Relatório de Inflação o Banco Central mudou sua avaliação da postura fiscal: o balanço público teria se deslocado de "uma posição de neutralidade para ligeiramente expansionista", afirmação que se torna séria candidata ao "Eufemismo do Ano", prêmio dedicado a todos aqueles que denodadamente se dedicam à nobre tarefa de evitar olhar a realidade de frente.

O mesmo BC divulgou os números consolidados do setor público até agosto, revelando que o superávit primário do governo reduziu-se de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no período janeiro a agosto de 2011 para 2,6% do PIB no mesmo período de 2012. Nos 12 meses até agosto o superávit caiu para 2,5% do PIB, bastante abaixo da meta (3,1% do PIB).

Parece que um departamento do BC não conversa com outro, pois as projeções de inflação que amparam as decisões de política monetária pressupõem que o superávit atingirá os 3,1% do PIB não apenas em 2012, mas também em 2013 e 2014. Talvez seja por isto que o BC tem sistematicamente subestimado o comportamento da inflação

Mas acabei me desviando do que pretendia dizer. A verdade é que a postura da política fiscal é muito mais expansionista do que o BC admite. Em que pese certa frustração da previsão das receitas para o ano, pelo menos até agosto estas superaram o observado em igual período de 2011. A arrecadação de tributos, já corrigidos os efeitos da inflação, cresceu quase R$ 10 bilhões em 2012, aumento real de 1,5%. Já o conjunto das receitas federais (incluindo, entre outros, dividendos) aumentou cerca de R$ 12,5 bilhões no ano, expansão real de quase 2%. À luz disso torna-se difícil atribuir a piora fiscal, pelo menos no que diz respeito ao governo federal, ao mau desempenho das receitas.

Já os gastos federais, excluídas as transferências a Estados e municípios, aumentaram nada menos do que R$ 67,5 bilhões no período, 6,5% acima da inflação. Dentre estes as despesas correntes tiveram o maior impacto: R$ 61,5 bilhões, valor que poderia ser ainda maior se fossem computados, como eram até o ano passado, os subsídios associados ao programa "Minha Casa, Minha Vida". Tais despesas, agora contabilizados entre os gastos de capital, aumentaram R$ 6,5 bilhões de janeiro a agosto. Vale dizer: o investimento público propriamente dito não desempenhou qualquer papel na expansão do gasto federal, o que ajuda a explicar o estado lastimável da infraestrutura.

A evolução positiva (ainda que modesta) das receitas e o crescimento expressivo do gasto deixam clara a natureza da deterioração fiscal observada no ano. Trata-se da adoção explícita de uma política fiscal expansionista, que se soma à política de estímulo à demanda por parte do Banco Central e às políticas de aumento do crédito impostas aos bancos federais.

Estas considerações, contudo, não esgotam o tema. Muitos têm notado, com razão, que parcela considerável do superávit primário tem sido obtida à custa de artifícios questionáveis.

Este ano observamos mais uma vez a criatividade contábil sendo posta à prova e o papel crescente dos dividendos na formação do superávit (apenas em agosto foram R$ 6 bilhões). Isto é problemático porque muitas vezes os dividendos proveem de operações nada ortodoxas.


Um exemplo claro vem dos empréstimos subsidiados do Tesouro ao BNDES. O Tesouro toma recursos a taxas de mercado e os repassa ao BNDES tipicamente à TJLP, subsídio que não aparece nas contas primárias. O BNDES cobra um spread sobre a TJLP e obtém lucros sobre estes empréstimos, repassando dividendos para o Tesouro, que melhoram o superávit primário.

Todavia, se o spread cobrado pelo BNDES sobre a TJLP for menor que o hiato entre a taxa de juros de mercado e a TJLP (como sói acontecer) o resultado total será negativo: o ganho com os dividendos não cobre o gasto com juros, mas, como a meta é definida em termos do superávit primário, ninguém dá a menor atenção ao tema.

Isto dito, ao removermos dividendos e concessões das receitas obtemos uma medida menos distorcida da postura de política fiscal. Esta revela (ver gráfico) que o superávit primário ajustado é hoje similar ao observado em meados de 2009. Com uma diferença crucial, porém: àquela época a economia operava com uma folga colossal, em particular no mercado de trabalho, onde o desemprego atingia 8,5%; hoje, com o desemprego a 5,5%, a folga desapareceu.

Posto de outra forma, a política fiscal é tão expansionista quanto a observada em 2009. A gravidez fiscal de então nos levou à aceleração inflacionária de 2010-11, apesar do desemprego elevado; por que a "ligeira gravidez", acanhadamente reconhecida pelo BC, teria resultados distintos nos próximos anos?



Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é sócio-diretor da Schwartsman & Associados.



Baixa arrecadação faz governo desistir de meta fiscal


03 de outubro de 2012
9h 13

 ADRIANA FERNANDES E JOÃO VILLAVERDE - Agencia Estado

BRASÍLIA - O governo deve desistir de cumprir a meta fiscal de 2012. Projeções de fontes do governo indicam que, por causa da baixa arrecadação e do crescimento das despesas, são poucas as possibilidades de se chegar ao fim do ano com saldo positivo de pelo menos R$ 139,8 bilhões, ou 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) nas contas do setor público, como é o objetivo do governo.

Dados mais recentes obtidos pelo jornal o Estado de S. Paulo apontam que faltaria quase 0,4 ponto porcentual do PIB, aproximadamente R$ 18 bilhões, para o cumprimento da meta. A depender do quanto o Tesouro Nacional recorra a manobras até o fim do ano para aumentar receitas artificialmente ou adiar despesas, o "buraco" nas contas pode ser menor.
A presidente Dilma Rousseff já foi informada da situação e deu sinal verde para mudar o discurso em relação ao cumprimento da meta. Provavelmente em dezembro, a equipe econômica deverá anunciar que o objetivo não será atingido. Por isso, lançará mão do instrumento legal que lhe permite descontar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do conjunto das despesas realizadas este ano.

Na prática, isso permite que a meta seja dada como cumprida mesmo com resultado abaixo do estipulado. Essa prerrogativa foi usada em 2010.

Até há pouco tempo, Dilma não queria nem ouvir falar em usar esse mecanismo, apesar de muitos de seus auxiliares argumentarem que o governo poderia perseguir metas fiscais menores, para abrir mais espaço para os investimentos. Além disso, ponderavam, a principal razão para fechar as contas com saldo positivo é manter a dívida sob controle, e o endividamento do setor público está em queda.

Dilma resistia por entender que um resultado fiscal pequeno poderia ser mal recebido pelo mercado e atrapalhar sua estratégia de cortar os juros. Mas, diante das evidências mais recentes, o abatimento dos investimentos do PAC passou a ser admitido.

A presidente acha que esse pode ser um bom teste para o passo seguinte: adotar uma política fiscal que admita esforços menores, desde que eles sejam suficientes para manter a dívida líquida do setor público controlada, na casa dos 30% do PIB.

Discute-se adotar essa estratégia a partir de 2013, baseada na expectativa de melhora do PIB, que automaticamente reduz o peso do endividamento líquido.

"O Brasil está andando, e o superávit primário tinha a ver com um momento muito específico da economia, de juros altos para atrair capitais e assim fechar o balanço de pagamentos, e elevado endividamento. Já superamos essa situação", disse ao jornal O Estado de S. Paulo uma fonte qualificada da equipe econômica. "Em princípio, se o crescimento voltar, como se espera, não precisaríamos mais cumprir um superávit primário dessa ordem."

Atingir 30% do PIB para a dívida líquida pública foi uma das metas da presidente Dilma Rousseff durante a campanha de 2010. Desde que assumiu o governo, ela reduziu a dívida líquida de 39,8% do PIB, em dezembro de 2010, para 35,1% do PIB em agosto passado. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.





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