quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Acabou a era do crescimento?
Por Martin Wolf - Valor 03/10
Estaria o crescimento chegando ao fim? Essa é uma indagação herética. Mas Robert Gordon, da Northwestern University, especialista em produtividade, levantou-a em uma análise provocante *. Ele contesta a visão convencional dos economistas, de que o crescimento "econômico continuará indefinidamente".
Mas crescimento ilimitado é uma suposição heroica. Durante a maior parte da história, houve um crescimento mensurável praticamente nulo per capita. O crescimento que ocorreu decorreu do crescimento populacional. Então, na metade do Século XVIII, alguma coisa começou a mudar. A produção per capita nas economias mais produtivas do mundo - o Reino Unido até em torno de 1900 e os EUA a partir de então - começaram a acelerar. O crescimento da produtividade atingiu um pico nas duas décadas e meia após a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, o crescimento desacelerou novamente, apesar de um pequeno surto de crescimento entre 1996 e 2004. Em 2011 - de acordo com o banco de dados do Conference Board - a produção americana por hora foi um terço menor do que teria sido se a tendência de 1950 a 1972 persistisse. Gordon vai mais longe. Ele argumenta que o crescimento da produtividade poderá continuar a desacelerar durante o próximo século, atingindo níveis insignificantes.
O futuro é desconhecido. Mas o passado é revelador. O núcleo da argumentação de Gordon é que crescimento é consequência da descoberta e subsequente exploração de tecnologias específicas e - acima de tudo -, por "tecnologias de finalidade generalizada", que transformam a vida de maneiras tanto profundas como amplas.
A implementação de um leque de tecnologias de uso geral criadas no fim do Século XIX provocou a explosão de produtividade de meados do Século XX, argumenta Gordon. Esse elenco de tecnologias envolve a eletricidade, o motor de combustão interna, água e esgotos domésticos, comunicações (rádio e telefone), produtos químicos e petróleo. Esses constituem a "segunda revolução industrial". A primeira, entre 1750 e 1850, começou no Reino Unido. Foi a era do vapor, que culminou com as ferrovias. Hoje, estamos vivendo em uma terceira, já com cerca de 50 anos: a era da informação, cujas principais tecnologias são o computador, os semicondutores e a internet.
Gordon argumenta, a meu ver persuasivamente, que, em seu impacto na economia e na sociedade, a segunda revolução industrial foi muito mais profundo do que a primeira ou a terceira. A expectativa de vida cresceu.
A velocidade das viagens foi da escala do cavalo para a dos aviões a jato. Então, cerca de 50 anos, ela parou de avançar. A urbanização é não recorrente. O mesmo vale também para o colapso da mortalidade infantil e para a triplicação da expectativa de vida, bem como o controle sobre as temperaturas nas casas. E a libertação das mulheres da labuta doméstica.
Por esses padrões, a era da informação é plena de som e fúria que pouco significa. Muitos das vantagens poupadoras de trabalho proporcionadas pelos computadores ocorreu décadas atrás. Houve um surto de crescimento da produtividade na década de 1990. Mas o efeito se esgotou.
Na década de 2000, o impacto da revolução da informação decorreu, em grande parte, por meio de cativantes dispositivos de informação e comunicação. Qual o grau de importância disso? Gordon propõe um teste imaginário. Você pode ficar com os brilhantes aparelhos inventados desde 2002 ou com água corrente e banheiro dentro de casa. Vou te dar o Facebook de brinde. Isso fará você mudar de ideia? Acho que não. Eu descartaria tudo o que foi inventado desde 1970, se a alternativa fosse perder a água corrente em casa.
O período que estamos vivendo é marcado por um intenso, mas estreito, conjunto de inovações em uma importante área de tecnologia. Será isso relevante? Sim. Podemos, afinal de contas, ver que daqui a uma ou duas décadas todos os seres humanos terão acesso a todas as informações do mundo. Mas a visão segundo a qual a inovação mundial está agora mais lenta do que há um século é convincente.
O que essa análise nos diz? Primeiro, os EUA continuam a ser a fronteira da produtividade mundial. Se o ritmo de avanço da fronteira diminuiu, agora deverá ser mais fácil tirar o atraso. Em segundo lugar, a eliminação do atraso ainda poderá impulsionar o crescimento mundial a um ritmo elevado por um longo tempo (se houver recursos naturais disponíveis). Afinal de contas, o Produto Interno Bruto (PIB) médio per capita nos países em desenvolvimento ainda é apenas um sétimo do que nos EUA (em paridade de poder aquisitivo). Em terceiro lugar, o crescimento não é apenas um resultado de incentivos. Depende ainda mais de oportunidades. Rápidos aumentos de produtividade na fronteira são possíveis somente se as inovações certas ocorrerem. As tecnologias de transportes e de energia pouco mudaram em meio século. Impostos mais baixos não mudarão isso.
Gordon cita outros obstáculos a crescentes padrões de vida para os americanos comuns. Esses incluem: a reversão do "dividendo demográfico" resultante da explosão da natalidade após a Segunda Guerra Mundial e da entrada das mulheres na força de trabalho; a estabilização do nível de escolaridade; e obstáculos aos padrões de vida dos 99% inferiores. Entre esses obstáculos estão a globalização, os custos crescentes dos recursos naturais e os elevados déficits orçamentários e das dívidas privadas. Em suma, ele acredita que o aumento das rendas reais disponíveis daqueles que não pertencem à elite fiquem devagar, quase parando. Com efeito, parece que isso já aconteceu. Desdobramentos similares estão ocorrendo em outros países de alta renda.
Durante quase dois séculos, os atuais países de alta renda desfrutaram ondas de inovação que os tornaram, a um só tempo, muito mais prósperos do que antes e muito mais poderosos do que todos os demais. Esse era o mundo do sonho americano e do excepcionalismo americano. Agora a inovação avança lentamente e a eliminação do atraso econômico é rápida. As elites dos países de alta renda gostam bastante desse novo mundo. O restante de sua população gosta muito menos. Acostume-se a isso. A coisa não vai mudar. (Tradução de Sergio Blum)
* "Is US Economic Growth Over? Faltering Innovation Confronts the Six Headwinds", (O crescimento econômico dos EUA acabou? Inovação cambaleante enfrenta seis adversidades).
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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