sábado, 20 de outubro de 2012
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Uma revolução silenciosa no FMI
Por Stephan Richter - Valor 11/10
Os encontros anuais do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) estão marcados para este fim de semana em Tóquio. Ambas as instituições navegam agora em águas bem mais tranquilas do que no fim dos anos 90. Na época, as duas instituições, com sede em Washington, estavam no epicentro das críticas e manchetes internacionais e de um movimento mundial de protestos.
Nos últimos dez anos, grande parte do debate sobre essas instituições esteve centrado em dar mais poder de voto aos países de mercados emergentes e, proporcionalmente, menos para o mundo "rico". Tendo em vista a dinâmica econômica internacional, tal ajuste está mais do que atrasado.
Ficaram definitivamente no passado os tempos em que o FMI atuava como mero servidor dos países ricos, especialmente os EUA, e como fiscal de uma economia ortodoxa que agia em causa própria, centrada no Ocidente.
Estando no dia a dia tão próximos aos incêndios financeiros internacionais, os quadros do FMI reconheceram a profunda necessidade de rever a forma como viam o mundo. As mudanças em questão são objeto de muitas discussões acaloradas nos bastidores da instituição. São um claro sinal de que os funcionários de maior hierarquia se tornaram bem menos americanos e europeus.
A linha de frente dessa disputa é o Departamento de Análises do FMI, no qual os sujeitos da velha escola (em sua maioria homens) e governos de países ricos confrontam-se com novas ideias - embora algumas das novas ideias econômicas mais visionárias (e até hereges) venham, por acaso, de alguns dos funcionários europeus.
Como mostra disso, vejamos o recente anúncio do Federal Reserve (Fed, autoridade monetária dos Estados Unidos) de lançar uma nova rodada de afrouxamento monetário quantitativo (a chamada "Q3"). Do ponto de vista dos EUA, isso tem como objetivo estimular o crescimento da economia - e, portanto, a criação de empregos - doméstica.
O que não é controverso é que essas medidas podem ter impacto negativo nos países de mercados emergentes. E, embora em geral eles concordem que é importante ter uma economia americana voltada ao crescimento, há crescentes preocupações de que as autoridades dos EUA possam estar cada vez mais tateando no escuro com suas medidas de política monetária.
Seja como for, estes não são mais os tempos em que os países de mercados emergentes aquiesciam. O Brasil saiu à frente liderando a reação. Isso deixou muitas autoridades nos EUA irritadas. Também, talvez não surpreendentemente, isso gerou bastante noticiário negativo sobre o país na mídia americana.
Vejamos o FMI. Como documentou * o professor Kevin P. Gallagher, da Boston University, o FMI lançou uma ampla gama de informes com visão crítica sobre os efeitos secundários que o afrouxamento quantitativo nos EUA pode ter nas economias de mercados emergentes.
O FMI concluiu, por exemplo, que taxas de juros mais baixas nos EUA estavam associadas a uma maior probabilidade de "aumento" no fluxo de capitais para os países de mercados emergentes. E declarou que esses aumentos nos fluxos de capitais podem provocar valorização cambial e bolhas nos preços de ativos, o que pode encarecer as exportações e desestabilizar os sistemas financeiros domésticos dos mercados emergentes.
Além disso, o FMI começa a aceitar a ideia de que, para defender-se desses problemas, pode muito bem ser aconselhável adotar regras contracíclicas para a conta de capital, como Brasil, Taiwan e Coreia do Sul começaram a fazer.
Isso desafia claramente a antiga ortodoxia do FMI, buscada com tanto fervor no passado, especialmente, nos tempos quando, em grande medida a pedido do Tesouro dos EUA sob o comando de Bob Rubin e Larry Summers nos anos do governo Clinton, pregava o mantra da liberalização irrestrita dos mercados de capitais para as novas economias emergentes.
Em um lance ainda mais herege, um novo estudo do FMI sustenta que, em vez de sempre impor os fardos dos ajustes sobre países receptores do Sul, os países geradores do Norte, especialmente, os EUA, poderiam precisar regular o fluxo de saída de capital de suas fronteiras.
O que essa série de análises técnicas deixa em destaque é a mudança de mentalidade dentro do FMI enquanto instituição. Esse grupo de forças é liderado por novas vozes poderosas, como o ministro das Finanças de Cingapura, Tharman Shanmugaratnam, que atua como presidente do influente comitê de direção política do FMI (o IMFC, na sigla em inglês) e seu homólogo brasileiro, Guido Mantega.
Eles assumiram como missão conferir à ideia de "governança mundial" um significado real. Para esses influentes novos participantes, a reforma na governança mundial se trata de algo muito além do que simplesmente alterar os direitos a voto nos conselhos do FMI e Banco Mundial.
Ele veem a governança mundial como um processo que exige participação ativa para que se consiga um compartilhamento justo e equitativo dos encargos dos ajustes na economia e finanças internacionais. Eles estão determinados a assegurar que não sejam sempre os mercados emergentes e os países em desenvolvimento os que acabem com a parte mais desfavorável.
E não se trata mais de uma questão, como se costumava dizer, de se resistir a dar um maior papel para os países do Sul pelo simples motivo de que isso significaria colocar os captadores como encarregados de uma instituição que deveria ser legitimamente controlada pelos que emprestam. Felizmente, a dinâmica econômica mundial mudou o suficiente para que agora existam grandes credores fora do mundo "rico", que por sua vez está cada vez mais sem dinheiro.
O mundo inteiro tem motivos para comemorar o fato de que o FMI esteja se livrando de sua cegueira ideológica autoimposta. Sem dúvida, qualquer progresso está destinado a ser gradual. As mudanças quase sempre são assim. Mas a oposição à QE3 do Fed e às rodadas anteriores de afrouxamento quantitativo mostra uma mudança importante de mentalidade dentro do FMI. A instituição, principal árbitro mundial em várias questões de finanças internacionais, está muito mais aberta no que se refere às discussões sobre quem deve ajustar-se e como.
Se essa mudança de tendência prosseguir, e tudo indica que vai, poderia representar um grande passo à frente para uma melhor governança mundial. Que isso aconteça no campo das finanças internacionais, um setor que perdeu completamente seu foco de servir à economia real - e não à economia surreal - torna isso muito mais significativo. É um passo fundamental para domar um setor cujas maquinações podem realmente ter impactos comparáveis à radiação nuclear.
* blogs.ft.com/economistsforum/2012/09/lets-not -get-carried-away-by-bernankes-latest-twist/?Authorised =false#axzz28cqzuDOs
Stephan Richter é editor-chefe do "The Globalist" e ex-consultor do FMI.
BC indica juro em 7,25% por tempo prolongado
Por Cristiano Romero - Valor 11/10
De Brasília
O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) deixou claro que o ciclo de alívio monetário, iniciado em agosto, foi encerrado ontem. A partir de agora, a Selic deve ficar estacionada em 7,25% ao ano por um período "prolongado" de tempo.
"Considerando o balanço de riscos para a inflação, a recuperação da atividade doméstica e a complexidade que envolve o ambiente internacional, o Comitê entende que a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta, ainda que de forma não linear", diz o texto.
De acordo com o Valor Data, com essa redução, a taxa básica real (já descontada a inflação projetada em 12 meses) caiu para 1,66% ao ano, entre os menores da história do país.
O fim do ciclo monetário já era esperado. Na decisão anterior, no fim de agosto, o Copom sinalizou, no comunicado, que, se mexesse novamente nos juros, o faria com a "máxima parcimônia". Como os cortes, desde agosto de 2011, vinham sendo de 0,5 ponto percentual em cada encontro do Comitê, a "máxima parcimônia" foi entendida como corte de 0,25 ponto.
Do comunicado de agosto até a quinta-feira passada, o mercado entendeu, em sua maioria, que o Copom manteria a Selic em 7,5% ao ano. Na semana passada, porém, o diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC), Luiz Awazu Pereira, durante palestra na BM&FBovespa, mudou o sinal.
Em sua palestra, ele pintou um quadro negativo da economia mundial, comparou a situação das economias avançadas à do Japão pós-bolha - que jogou o país numa estagnação de mais de duas décadas - e previu que esses países registrariam "crescimento medíocre por um período mais prolongado do que originalmente se antecipava".
Awazu indicou, em uma frase, que o Comitê faria mais um corte. "Dado o impulso acumulado já amplo e efetivo ao nosso crescimento, é importante ser capaz de calibrar o ponto mais favorável onde se maximize as chances de o nosso crescimento continuar a acelerar e minimizando os riscos para a nossa estabilidade monetária e financeira", disse.
Nos dias seguintes, o mercado entendeu o recado e, por essa razão, migrou, por meio dos contratos futuros de juros, para expectativa de Selic a 7,25% ao ano.
O fato de a decisão não ter sido unânime indica que o Copom se preparava para encerrar o ciclo de corte. É uma prática do Comitê: quando as decisões deixam de ser unânimes, o passo seguinte é mudar o rumo monetário. Daqui em diante, a preocupação de quem acompanha o Copom é colher indicações sobre até quando a Selic será mantida em 7,25% ao ano.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
Países da UE não vão conseguir cumprir meta de déficit, diz FMI
Dow Jones Newswires
França, Espanha e vários outros governos da zona do euro não cumprirão suas metas de déficit orçamentário acordadas com as autoridades europeias, disse ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI), criando um cenário para um debate acirrado sobre se os governos devem implementar mais cortes ou permitir que as metas sejam descumpridas.
Governos em toda a União Europeia (UE) vêm cortando gastos e aumentando impostos para compatibilizar seus déficits com as regras orçamentárias do bloco, segundo as quais os déficits devem permanecer abaixo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas crescimento anêmico e recessão, em parte devidos a rodadas anteriores de austeridade, tornaram difícil cumprir as metas de déficit e provocaram crescente descontentamento pública e política em muitos dos 27 países-membros da UE.
O FMI disse em seu relatório "Panorama Econômico Mundial" acreditar que o déficit da França será de 4,7% do PIB neste ano e de 3,5% do PIB no fim de 2013. A França comprometeu-se a reduzir seu déficit para 3% do PIB em 2013. O governo do presidente socialista François Hollande anunciou em setembro um pacote de medidas de austeridade, inclusive um imposto de 75% sobre renda superior a € 1 milhão, para cumprir a meta.
Acredita-se que o déficit espanhol ultrapasse os 5,7% do PIB no próximo ano, disse o FMI, bem acima da meta de 4,5% do PIB. As autoridades e ministros das Finanças da UE neste ano já relaxaram a meta espanhola diante de uma recessão que levou a taxa de desemprego do país para mais de 25%.
Embora a Itália esteja agora em conformidade com a regra orçamentária de 3%, os italianos também estão a caminho de descumprir sua meta de 0,5% do PIB para o déficit no próximo ano. O FMI prevê que o déficit italiano no próximo ano fique em 1,8% do PIB.
A implementação de mais cortes para atingir metas para o déficit no próximo ano turvará ainda mais as águas políticas europeias e colocará à prova a capacidade desses governos de aprovar mais medidas de austeridade nos preocupados Parlamentos nacionais.
A Comissão Europeia, braço executivo da UE, vai analisar nas próximas semanas os programas de austeridade nacionais, produzindo sua própria avaliação sobre se serão cumpridas as metas orçamentárias. Se a comissão acreditar que os números não "estão fechando", discutirá com outros governos da UE, nos próximos meses, se haverá a imposição de mais cortes ou o relaxamento das metas de 2013 para os governos em questão.
Novas regras dão à comissão o poder de impor multas a governos da zona do euro que não cumpram suas recomendações.
A dívida pública grega está crescendo muito mais rapidamente do que o esperado, em meio à forte deterioração das condições econômicas no país. Acredita-se agora que a dívida total deverá chegar a 171% do PIB neste ano e 182% no fim de 2013, disse o FMI. As projeções do relatório "Panorama Econômico Mundial" anterior do FMI indicavam que a dívida grega atingirá 153% do PIB no fim deste ano e 161% no próximo.
"Uma recessão mais profunda do que a esperada e derrapagens na implementação de medidas fiscais complicarão mais uma vez a concretização dos ambiciosos objetivos de redução do déficit", afirmou o FMI.
Técnicos da zona do euro e do FMI estão negociando se a dívida da Grécia deveria ser reestruturada novamente, desta vez fazendo com que os credores oficiais do governo assumam prejuízos em suas carteiras de dívida grega.
Já a Irlanda está praticamente a caminho de cumprir os termos de seu programa de socorro, segundo as projeções do FMI.
O FMI também renovou sua advertência de que o Reino Unido precisa reduzir o ritmo das suas medidas de austeridade se o crescimento econômico cair consideravelmente abaixo do previsto nos próximos meses.
O Fundo disse que as estimativas de menor crescimento desde seu relatório anterior, publicado em abril, provavelmente retardarão o progresso do país no sentido da redução de seu déficit orçamentário. A previsão é de que o déficit fique em 8,2% do PIB em 2012 e 7,3% do PIB em 2013; anteriormente, o Fundo tinha previsto para o Reino Unido déficits de 7,9% e 6,7% para 2012 e 2013.
A mensagem do FMI é um revés para o ministro das Finanças do Reino Unido, George Osborne, que tem sido um dos principais defensores de austeridade e prometeu manter o rumo (de sua política) com cortes agressivos de gastos do governo, apesar da contração da economia por três trimestres consecutivos.
A história das dívidas públicas
Por Martin Wolf - Valor 10/10
Oque acontece se uma grande economia de alta renda, sobrecarregada por altos níveis de endividamento e com uma taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada tentar reduzir as dívidas e reconquistar competitividade? A questão é relevante na atualidade porque esse é o desafio diante da Itália e Espanha. No entanto, como demonstra um capítulo no mais recente Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI), também há experiências relevantes na história: as do Reino Unido entre as duas grandes guerras mundiais.
A história prova que a interação entre as tentativas de "desvalorizações internas" e as dinâmicas das dívidas são potencialmente letais. Além disso, os apuros da Itália e Espanha são, sob muitos aspectos, piores do que os do Reino Unido que, no fim das contas pôde abandonar o padrão-ouro; sair da região do euro é bem mais complicado. E o Reino Unido tinha um banco central capaz de e disposto a reduzir as taxas de juros. O Banco Central Europeu (BCE) pode não estar disposto nem ter capacidade para fazer o mesmo com a Itália e Espanha.
O Reino Unido saiu da Primeira Guerra Mundial com uma dívida pública equivalente a 140% do Produto Interno Bruto (PIB) e com preços mais de duas vezes maiores do que antes da guerra. O governo resolveu voltar ao padrão-ouro pela paridade anterior à guerra, o que efetivou em 1925, e pagar a dívida pública, para preservar sua capacidade creditícia. Ali estava um país sob medida para o "Tea Party".
Para atingir seus objetivos, o Reino Unido apertou suas políticas monetária e fiscal. O superávit fiscal primário (sem contar o pagamento de juros) ficou perto de 7% do PIB ao longo dos anos 20. Isso, por sua vez, foi conseguido pelo "Machado de Geddes", como ficaram conhecidos os cortes determinados pela comissão presidida por Eric Geddes. A comissão recomendou reduzir os gastos públicos precisamente da forma indicada pelos atuais defensores da "austeridade expansionista". Paralelamente, o Banco da Inglaterra elevou as taxas de juros a 7% em 1920. O objetivo disso era respaldar a volta à paridade existente antes da guerra. A elevação, combinada com a consequente deflação, trouxe como resultado taxas de juros reais extraordinariamente altas. Essa, portanto, foi a forma como os tolos pretensamente virtuosos do "establishment" britânico receberam os pobres sobreviventes da terrível guerra.
No que resultou esse compromisso com a carestia fiscal e necrofilia monetária? Em 1938, a produção real mal estava acima do nível de 1928, após um crescimento médio de 0,5% por ano. Isso não se explicou apenas pela Depressão. A produção real em 1928 também estava abaixo da que se observava em 1918. As exportações estavam persistentemente baixas e o desemprego, persistentemente elevado. A alta desocupação foi o mecanismo que derrubou os salários reais e nominais. Os salários, contudo, nunca se tratam apenas um preço a mais. O objetivo era derrubar o trabalho organizado. Essas políticas resultaram em uma greve geral em 1926 e disseminaram um clima de insatisfação que se estendeu por décadas depois da Segunda Guerra Mundial.
Além de seus imensos custos sociais e econômicos, essas políticas fracassaram sob o ponto de vista de seus próprios termos. O país saiu do padrão-ouro de vez em 1931. Pior, o endividamento público não caiu. Em 1930, a dívida havia alcançado 170% do PIB e, em 1933, 190% do PIB (esses números dão outra perspectiva ao pânico com as porcentagens de hoje, bem menores). Na verdade, o Reino Unido voltou a exibir os níveis de endividamento anteriores à Primeira Guerra Mundial apenas em 1990. Por que o Reino Unido não teve sucesso em reduzir as dívidas em relação ao PIB? Resumidamente, o crescimento foi muito baixo e as taxas de juros, muito altas. Como resultado, mesmo um superávit fiscal primário enorme não conseguia restringir o quociente de endividamento.
A história é relevante para a região do euro de hoje. Para reconquistar competitividade rapidamente, em vez de ajustar-se a duras penas em dez anos ou mais, os salários precisam cair. Para isso, o desemprego precisa estar muito alto. No caso da Espanha, está. Mesmo com o desemprego em 25%, no entanto, os salários nominais subiram pouco menos do que os da Alemanha desde a crise. Ao mesmo tempo, o PIB real da Espanha está em queda. Os esforços para apertar a política fiscal certamente o reduzirão ainda mais.
Tudo isso ameaça colocar a Espanha em uma armadilha de endividamento, no caso, uma que ameaça tanto o setor privado como o público. A Itália, país com déficit fiscal menor, mas com dívidas públicas maiores, corre o risco de cair em uma armadilha parecida, se as taxas de juros continuarem altas e o PIB, debilitado. É por isso que o plano do Banco Central Europeu (BCE) para reduzir as taxas de juros que incidem sobre as dívidas públicas desses países é condição necessária para escapar do desastre de uma inadimplência fiscal simultânea a quebras bancárias.
O FMI avalia vários outros casos interessantes. A redução da dívida pública dos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial é um deles. Outro é a experiência do Japão nos últimos 20 anos, que tem paralelos com o Reino Unido dos anos 20 e 30, particularmente, no que se refere à deflação. Outros casos são os da Bélgica na década de 80 e os do Canadá e Itália na de 90.
A conclusão mais importante é que a consolidação fiscal é impossível sem um ambiente monetário que a sustente, com taxas de juros reais ultrabaixas e uma economia aquecida. O Japão não teve sucesso com isso nos anos 90 e 2000, da mesma forma que o Reino Unido não teve nos 20 e 30. A ineficácia da política monetária em países com setores privados alavancados, entre os quais o Reino Unido e os EUA de hoje, cria restrições similares, como o governo do Reino Unido está aprendendo.
Minha crítica ao capítulos do estudo é que não coloca os esforços de redução da dívida fiscal dentro do contexto do que está acontecendo com o endividamento privado. É muito mais complicado controlar os déficits fiscais quando o setor privado também deseja reduzir seu próprio endividamento excessivo: menos gastos de um lado significam menos renda para o outro. Na ausência de uma demanda externa forte, o provável resultado, portanto, é uma desalavancagem via inadimplência e depressão. Esse é o pior resultado imaginável.
O Reino Unido, pelo menos, tinha controle sobre as condições monetárias: no fim das contas, saiu do padrão-ouro e reduziu as taxas de juros. Os países-membros da região do euro não têm essas opções indolores. A austeridade fiscal e os esforços para reduzir salários nos países que sofrem de estrangulamento monetário, no entanto, poderiam quebrar governos, sociedades e até Estados. Sem uma maior solidariedade, é improvável que a história termine bem.
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Os pilares estão de pé
Por Antonio Delfim Netto - Valor 09/10
A nova obsessão de alguns analistas financeiros são os famosos "três pilares" da política econômica adotada quando um modelo mágico de três equações quase nos levou ao "default", em 1998. Introduzida em 1999, depois da desvalorização cambial, a política de responsabilidade fiscal, metas de inflação e liberdade cambial não nos poupou da ameaça de outro default em 2002. Dos dois só nos livramos graças à assistência do FMI.
No período de 1999 a 2001, onde alguns analistas supõem que aplicamos o regime "puro", os números mostram resultados não muito interessantes: taxa de crescimento médio de 2,1% do PIB; taxa média de inflação anual de 8,8%; déficit público médio de 4,4%. A dívida líquida/PIB, que era de 39% no fim de 1998, elevou-se a 51% no fim de 2002. No período acumulamos um déficit em conta corrente de US$ 80 bilhões. Houve, sim, grande progresso institucional, o maior dos quais, seguramente, foi a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, que transformou o Brasil numa área monetária ótima.
Não creio que alguém ainda acredite na proposição que com um único instrumento (a taxa de juros nominal de curto prazo), o Banco Central só pode atingir um objetivo (a taxa de inflação). E a razão é simples: o teorema no qual ela se sustenta é logicamente verdadeiro. O que é falso são suas hipóteses!
Isso hoje é reconhecido por excelentes acadêmicos convertidos pela vivência da política econômica a uma pequena "heterodoxia". Dentre eles, dois tiveram grande importância na formação de nossos economistas: Stanley Fischer e Olivier Blanchard. Afirmar que a política monetária tem que considerar a taxa de crescimento do PIB é pecado apenas no mundo "virtual" em que ainda vivem alguns de nossos analistas.
É preciso reconhecer que todos os modelos, desde o mais simples, o de três equações, aos mais complexos como o Samba do nosso Banco Central, supõem que a economia converge para um "equilíbrio", o que está longe de ser verdade. Eles exigem, ademais, o conhecimento de parâmetros não diretamente observáveis, de forma que a sua utilização na formulação da política econômica tem que ser cercada de muito cuidado. O próprio Blanchard (e Jordi Gali) mostraram, um pouco antes do início da crise em que nos encontramos, produzida pelo sistema financeiro, que quando os salários são inflexíveis para baixo, estabilizar a taxa de inflação está longe de ser a mesma coisa que estabilizar a taxa de crescimento. Consequentemente, existe um "trade-off" entre taxa de inflação e taxa de crescimento do PIB que exige uma política monetária que precisa do "conhecimento do desconhecido". Como dizem os autores, trata-se da "divina coincidência"!
A recente publicação das "revisões" das estimativas das taxas de crescimento do PIB americano de 2008 a 2010 mostra o enorme nível de erro relativo a que ele é sujeito. Por exemplo, a estimativa contemporânea do crescimento anual do PIB no primeiro trimestre de 2011 foi de 1,9%. A revisão em julho de 2012 mostrou que ele, de fato, foi de 0,1%! Isso introduz graves erros no cálculo do "output gap" usado na formulação da política monetária. Trata-se de "medir a distância" entre uma variável estimada (a primeira estimativa trimestral do PIB) e de outra inobservável, o famoso PIB "potencial" cujo valor depende do método aritmético ou econométrico escolhido para "estimá-lo".
No Brasil vamos aprender a lidar com o mesmo fenômeno, à medida em que o IBGE aperfeiçoa suas estatísticas. Espera-se para alguns meses uma revisão importante de seus números, o que é muito saudável para relativizar as "certezas" de alguns economistas. Curiosamente, esses aperfeiçoamentos são sempre recebidos com desconfiança por analistas engajados. Quando o IBGE anunciou a mudança dos pesos do IPCA, não faltou quem imaginasse que era para "mistificar" o IPCA de 2012. Pois bem. A verdade é exatamente outra: o uso dos "pesos" anteriores provavelmente superestimou o IPCA de 2011. Se havia erro era em 2011, não em 2012!
É preciso estimular o desenvolvimento de métodos que permitam estimar com maior precisão a variação do PIB em tempo real (como está tentando o Banco Central), separando os fatos dos "ruídos" e, assim, considerar melhor o inevitável "trade-off" no curto prazo entre o controle da taxa de inflação e nível do crescimento do PIB.
Nada autoriza a afirmação que o "pilar" da meta de inflação foi abandonado pela autoridade monetária. Diante de tanta incerteza interna e principalmente externa, é natural que ela aumente, na busca do seu objetivo, a ponderação do nível de atividade e de emprego em detrimento da rapidez de fazer convergir a taxa de inflação à meta. Não há nenhuma razão, teórica ou empírica, que condene tal alongamento se a política fiscal e a monetária são mantidas sob controle. Isso está muito longe da ideia que "um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento". O mesmo podemos dizer das críticas à política cambial utilizada em legítima defesa para proteger nosso setor industrial. É o que, aliás, estão fazendo todos os países. Chega de mundo virtual! O mundo real nos impõe algumas mudanças estruturais importantes. Ajudemos o governo a realizá-las.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
Para FMI, desaceleração do crescimento torna apropriado ajuste gradual
Por Dow Jones Newswires
TÓQUIO - A desaceleração do crescimento econômico torna mais apropriado que a consolidação fiscal ocorra em ritmo gradual, mas os países precisam dar sinais de progresso consistente no médio prazo ou se arriscarão ao mesmo destino da Grécia, disse nesta terça-feira, em Tóquio, o diretor do departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), Carlo Cottarelli.
“O ajuste fiscal precisa ser gradual, se você puder bancar isso”, disse Cottarelli. “Se você não tem como tomar emprestado do mercado, então o ajuste precisa ser muito mais rápido”, acrescentou.
A Grécia aderiu a uma linha de socorro oficial e está sendo levada a implementar um dramático ajuste recessivo, de forma a restaurar a sustentabilidade das finanças públicas do país. Apesar desses esforços e da reestruturação da dívida pública em poder de credores privados, a dívida pública da Grécia deve se elevar a 171% do PIB neste ano e a 182% do PIB em 2013, de acordo com novas projeções do FMI divulgadas por Cottarelli nesta terça.
“Precisamos considerar o que teria acontecido à Grécia caso não houvesse ajuste fiscal. A crise teria sido mais profunda”, avalia Cottarelli.
De acordo com os novos números do FMI, os maiores desafios fiscais aguardam os Estados Unidos e o Japão, pela combinação de uma política monetária muito afrouxada e de um ajuste fiscal gradual. Para Cottarelli, os Estados Unidos devem evitar o “abismo fiscal” desencadeado pela expiração, em 31 de dezembro, de cortes temporários de impostos aprovados pelo então presidente George W. Bush.
Cottarelli disse também que alguns críticos, como o economista Paul Krugman, expressam um ponto de vista “válido” quando argumentam que os Estados Unidos e outros governos deveriam aproveitar o momento atual, em que os custos de empréstimo estão em seus menores níveis históricos, para investir e gastar mais. Mas o FMI considera que Krugman não considera a possibilidade de que os mercados percam a confiança repentinamente, o que teria “consequências muito graves” para as finanças públicas e para a economia real, disse Cottarelli. “É preciso levar em conta que isso pode acontecer”, afirmou.
O diretor adjunto do departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Philip Gerson, elogiou o Brasil, ao mencionar que o país optou por um ajuste fiscal mais rígido antes de pavimentar o caminho para a redução das taxas de juros.
Cottarelli negou, por sua vez, a ideia de que a elevação dos níveis de inflação possa ajudar a erodir o peso do endividamento público, dizendo que apenas um choque inflacionário de 30% ao ano teria esse efeito. O FMI também avalia que os países em boa situação fiscal, como a Alemanha, têm espaço para dar suporte à atividade econômica, caso o ritmo atual se deteriore.
A consolidação fiscal naturalmente reduz o crescimento econômico, mas, ao menos na zona do euro, o aperto deve ser suavizado em 2013, avalia Cottarelli. “O crescimento não permanecerá baixo para sempre”, disse.
(Dow Jones Newswires)
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
BC reforça controle sobre câmbio com leilão de swap
Valor 08/10
Após quase três semanas sem atuar, o Banco Central voltou a dar as caras no mercado de câmbio na sexta-feira, vendendo mais de US$ 1 bilhão em swaps cambiais reversos, que devolveram o dólar ao patamar de R$ 2,03. A colocação de swaps cambiais reversos equivale a uma compra futura de dólar. Para profissionais do mercado, a intervenção é mais um recado claro de que o BC segue atento aos movimentos no câmbio e não permitirá que a cotação caminhe para os R$ 2,00, tampouco caia abaixo disso.
Na operação, anunciada pouco antes das 11h na sexta-feira, o BC vendeu 25.800 contratos, no equivalente a US$ 1,288 bilhão. A oferta inicial era de até 50 mil papéis, ou US$ 2,5 bilhões. A última intervenção havia acontecido em 17 de setembro, quando a autoridade monetária vendeu US$ 2,172 bilhões nesses mesmos contratos, contribuindo para a alta de 0,94% do dólar naquele dia, para R$ 2,030. Com o leilão de sexta, o dólar teve seu maior ganho desde 17 de setembro, subindo 0,54%, a R$ 2,030.
De acordo com profissionais consultados pelo Valor, mais do que os volumes ofertado e vendido, chama atenção o fato de a autoridade monetária ter preferido vender novos papéis, em vez de simplesmente rolar os quase US$ 3 bilhões de swaps reversos que vencem em 1º de novembro. Em atuações anteriores, o BC optou por retirar papéis próximos do vencimento substituindo-os por outros mais longos. Agora a autoridade preferiu ampliar o estoque de swaps no mercado. "E quem vai fazer queda de braço com ele [o BC]
? O mercado não faz", avalia o gerente da mesa de câmbio da Fair Corretora, Mario Battistel.
Na opinião do gerente de câmbio da corretora Icap Brasil, Italo Abucater, a colocação de mais da metade dos 50 mil contratos ofertados mostra que o mercado comprou a ideia de que o câmbio está "administrado" no Brasil, podendo oscilar apenas na restrita faixa entre R$ 2,00 e R$ 2,05.
"Quando o mercado segura a demanda, e o BC vende apenas uma pequena parte dos swaps, ou mesmo nada, fica a impressão de que o mercado quer peitar o BC. Mas não foi o caso hoje. O mercado absorveu mais de 50% da oferta, o que mostra um respeito às sinalizações do BC de que a taxa de câmbio não deve se aproximar dos R$ 2,00", afirma Abucater.
Com a venda de US$ 514,4 milhões em swaps reversos para dezembro de 2012, é possível estimar que a posição comprada do BC em dólar futuro em papéis com vencimento nesse mês tenha aumentado a US$ 1,174 bilhão. Até então, essa posição era comprada em US$ 660 milhões. Para janeiro de 2013, o BC passou a ficar comprado em dólar futuro no montante de US$ 773,4 milhões, o mesmo vendido para esse vencimento no leilão da sexta-feira passada. Junto com os swaps reversos que vencem em 1º de novembro, a posição comprada em dólar futuro assumida pelo BC subiu a US$ 4,9378 bilhões. Até então, estava em US$ 3,65 bilhões.
Para Abucater, o BC deve seguir ofertando swaps reversos sempre que o dólar se aproximar de R$ 2,00, o que pode neste mês devolver um pouco da volatilidade do mercado de câmbio perdida desde julho. "O leilão do BC foi uma espécie de desfibrilador, mas o mercado ainda precisa de mais volatilidade para operar, e o BC está atento a isso", diz.
Na avaliação do sócio e gestor da Fram Capital, Roberto Serra, a expectativa é que o Banco Central dê prioridade à colocação líquida de swaps cambiais reversos em novas intervenções no mercado de câmbio, além da rolagem dos papéis vincendos.
"Já está no preço a rolagem dos swaps, inclusive os que vencem agora em novembro. Para gerar mais impacto no mercado, o BC se concentrará daqui para frente em ofertas líquidas, o que tende a potencializar o efeito das atuações", afirma Serra.
Para Serra, no entanto, as intervenções do BC já conseguem fazer mais preço hoje do que no passado, uma vez que os fluxos ao Brasil estão modestos, resultado do olhar do investidor estrangeiro em relação ao Brasil não tão otimista como em outros anos.
"Tivemos os estímulos monetários nos Estados Unidos e mesmo assim não vimos uma enxurrada de dinheiro para o Brasil, porque a visão do estrangeiro não é mais a mesma. A menor liquidez por si só acaba intensificando os efeitos das intervenções do BC", afirma.
O estrategista-chefe do Banco WestLB, Luciano Rostagno, tem a mesma opinião. "Se você não tem um fluxo forte, qualquer atuação do BC tem impacto maior."
Diante desse cenário, o gestor da Fram mantém a estimativa de que o dólar termine este ano entre R$ 2,00 e R$ 2,05. Ele avalia, contudo, que, se é para assumir uma direção, é mais provável que a moeda americana ganhe impulso, dado o persistente discurso do governo contra o real valorizado e uma possível piora no sentimento internacional.
"O dólar pode até bater R$ 2,10. Nesse caso, o BC pararia de atuar, e a moeda voltaria a cair. Mas, nesse novo contexto, o teto de hoje, em R$ 2,05, viraria piso. A banda de variação mudaria para uma faixa entre R$ 2,05 e R$ 2,10", acrescenta.
"O leilão foi uma estratégia do BC, uma espécie de termômetro", disse o diretor de câmbio do Banco Paulista, Tarcísio Rodrigues. "Sua intenção foi medir quanto precisa tirar de dólar do mercado para poder manter o nível que a moeda está agora."
De volta ao futuro
Por David Kupfer - Valor 08/10
O mundo dá voltas e, com ele, as ideias, os fatos e, evidentemente, a política econômica. Vinte anos após ter surgido como a menina dos olhos da reflexão sobre os rumos da economia brasileira, o tema da competitividade está novamente ganhando força como um dos principais focos do debate sobre os desafios com que se defronta o país.
Mas a história não se repete, razão pela qual a competitividade retorna em um quadro ideológico, fatual e político completamente distinto. Lá na virada dos anos 1990, o lema muito bem poderia ser descrito como "competitividade ou morte", essência do darwinismo social que se implantou no país, por meio de mudanças institucionais que abriram a economia brasileira sem prepará-la adequadamente para isso. A competitividade era vista como o caminho para retirar as empresas brasileiras de uma trajetória de uma década de estagnação. Agora, a competitividade está ressurgindo como condição para sustentar um ciclo duradouro de desenvolvimento. O novo lema poderia ser sintetizado como "competitividade ou baixo crescimento".
Existem dois conceitos de competitividade cujo entendimento pode ajudar a demarcar essas diferenças. Um é a chamada competitividade revelada, que é reflexo do desempenho de empresas, setores, regiões ou economias nacionais na manutenção ou conquista de parcelas de mercado. O outro é a chamada competitividade potencial, que é determinada pela qualidade dos recursos competitivos acumulados e pela competência em mobilizá-los. Apoia-se, portanto, em múltiplos determinantes, distribuídos em uma dimensão empresarial (relacionada aos recursos e competências criados pelas empresas); uma dimensão estrutural (consequência dos padrões de concorrência que se estabelecem nos mercados) e uma dimensão sistêmica (associada ao ambiente geral de negócios em que se dá atividade produtiva).
De certo modo, nos anos iniciais da década de 1990, diante da profunda desorganização macroeconômica da época, é como se o conceito de competitividade-desempenho tivesse prevalecido. A natureza defensiva da reestruturação empreendida pela indústria brasileira manifestou-se na adoção pelas empresas de estratégias de sobrevivência que, embora mais uma vez tenham comprovado a capacidade de resposta do empresariado nacional, não proporcionaram um salto qualitativo do ponto de vista da competitividade. Ao contrário de uma ampla atualização do parque industrial, as empresas optaram pelo "enxugamento" da produção, com o abandono de linhas de produtos de maior nível tecnológico em favor de produtos mais padronizados. Esse processo de simplificação industrial, oposto à tendência internacional da época, provocou um significativo descolamento da matriz produtiva nacional em relação aos segmentos mais dinâmicos da indústria mundial.
No presente, a noção de competitividade que está retornando ajusta-se melhor ao conceito potencial. No entanto, devido a causas que merecem reflexão, a agenda de competitividade que está posta na mesa está excessivamente restrita à dimensão sistêmica. Percebe-se isso pela prevalência de medidas de política direcionadas para a melhoria das condições gerais de produção, por meio da redução de custos de importantes itens como energia, logística, encargos trabalhistas, desonerações tributárias, dentre outros. Não se discute a pertinência e mesmo a premência em se avançar nesse campo, razão pela qual a pressão da sociedade sobre o governo em busca de soluções eficazes para a redução do chamado custo Brasil não somente é justificável como desejável.
De fato, é difícil compreender por que as agendas empresarial e estrutural, ambas igualmente decisivas para a construção da competitividade, não ganham ênfase semelhante. O fato é que essas agendas, que constituem o cerne da política industrial, ainda carecem de consenso em vista de uma insuficiente coesão política sobre qual o desenho setorial e, muito importante, qual a distribuição regional de uma nova estrutura produtiva que se faz necessário implantar no país. O problema é que essas políticas têm longo prazo de maturação, enquanto uma parcela não desprezível da clientela da política industrial, porque está aglutinada em torno de projetos que objetivam a mera reprodução das estruturas existentes, quer resultados "para ontem".
Sem avançar na agenda sistêmica, não será possível o salto da competitividade. Mas somente com ela, dificilmente se chegará muito longe. O curto-prazismo é, provavelmente, o maior obstáculo a ser enfrentado no esforço de destravamento institucional nessa direção. Se a competitividade é um antídoto contra a estagnação, como teria sido há vinte anos, ou vitamina para o crescimento, como parece ser o caso agora, não é o que mais importa. Realmente importante é que, em ambos os casos, a saída exige uma reestruturação industrial de grande fôlego. Na rodada de vinte anos atrás isso não ocorreu e, seguramente, vem dai boa parte dos problemas estruturais que ainda perseguem a indústria e a economia brasileira no presente. Vamos ver se agora vai.
David Kupfer é professor e pesquisador licenciado do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES.
Investindo em inclusão financeira
Por Daniel Schydlowsky - Valor 08/10
A crise financeira de 2008 ressaltou a profunda importância do sistema financeiro para a economia globalizada. Mas 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo ainda não têm acesso a serviços bancários formais, facilidades de crédito ou instrumentos de poupança. Trazer esse amplamente ignorado "mercado reprimido" para o sistema financeiro formal enriqueceria e fortaleceria a economia mundial.
Os "sem banco", que vivem principalmente nos países em desenvolvimento, constituem quase metade da população mundial em idade economicamante ativa. Em alguns países, até 90% da população não têm acesso ao sistema financeiro formal. Isso impede sua participação na economia mundial, restringindo sua capacidade de comprar bens e serviços, de tomar empréstimos e de poupar ou de investir em seu futuro e no de sua comunidade e de seu país.
A maior parte dos esforços mundiais de redução da pobreza dependem de soluções "de cima para baixo" - fluxos de ajuda ao desenvolvimento dos países ricos para os países pobres - que em grande parte se concentram em educação, segurança alimentar e gestão e prevenção de doenças. Mas melhorar o acesso ao setor financeiro formal é um desafio ímpar que não pode ser combatido com a ajuda externa ou doações de governos.
Em geral, as soluções domésticas têm provado ser mais eficazes do que políticas impostas de fora. Embora não haja uma solução única e universal, a compreensão de fatores comuns a diferentes países sugere uma maneira útil de avançar. Por exemplo, em todo o mundo as populações estão abraçando a tecnologia, especialmente os serviços móveis. No entanto, as pessoas em todo o mundo em desenvolvimento frequentemente carecem de identificação adequada, endereço fixo ou empregador formal.
Soluções que capitalizam tendências ou atacam desafios comuns têm maior chance de produzir um impacto. Uma política que dê certo em um ou dois mercados pode então ser compartilhada, analisada e adaptada para aplicação em outro país.
Nos países em desenvolvimento, cerca de 1,7 bilhão de pessoas possuem telefones móveis, mas não têm acesso a serviços bancários. Aproveitar essa tecnologia para expandir a inclusão financeira proporcionaria uma alavancagem econômica, especialmente a pequenos agricultores e comerciantes em comunidades rurais, que poderiam usar seus celulares para acessar de dados de preços em mercados, transferir dinheiro, fazer compras no varejo, depositar renda e pagar contas - e tudo isso sem deixar suas lavouras ou lojas.
Isso incentivaria a poupança, que é crucial para abrir firmas e para disponibilizar capital de investimento para outros. E opções legais e regulamentadas para salvaguardar a poupança e o acesso ao crédito reduziriam a dependência em relação ao mercado negro ou à economia informal, onde a exploração financeira floresce.
No Quênia, uma agência regulamentadora criou as condições necessárias para o florescimento de um inovador sistema de serviços financeiros via telefonia móvel, o M-Pesa. Desde sua inauguração, em 2008, o M-Pesa já atraiu cerca de 14 milhões de quenianos - quase um terço da população total do país - que o usa para transferências de dinheiro, poupança e outras transações financeiras.
Agências regulamentadoras e instituições privadas locais podem colaborar para criar instrumentos bancários e creditícios seguros e acessíveis. Foi assim que o Brasil desenvolveu um referencial regulamentador que permitiu aos bancos construir uma rede de 95 mil agências bancárias. Em consequência, um número estimado em 13 milhões de brasileiros - em quase todos os cerca de 5,6 mil municípios no país, da Amazônia às favelas de São Paulo e do Rio de Janeiro - foram incorporados ao sistema financeiro.
De modo similar, um banco estatal indonésio, o Banco Rakyat Indonésia, oferece financiamento de microsserviços a 30 milhões de pessoas, enquanto na Índia contas de poupança básicas atraíram 12,5 milhões de clientes. Outras histórias de êxito regulamentador nasceram no México, Peru, Bolívia, Uganda, África do Sul, Filipinas, Tailândia e Mongólia.
Líderes financeiros já começaram a propagandear tais casos de sucesso, e as políticas que os viabilizaram, para reforçar e expandir a inclusão financeira. A Aliança para a Inclusão Financeira (AIF) - um grupo (do qual participo) de presidentes de bancos centrais, autoridades regulamentadoras e ministros das Finanças de mais de 80 países em desenvolvimento na Ásia, África, América Latina e Oriente Médio - está compartilhando conhecimento para desenvolver e implementar políticas eficazes.
Em setembro de 2011, no Fórum Mundial de Políticas da AFI, no México, 17 autoridades financeiras adotaram a Declaração Maya, iniciativa inédita que reúne um conjunto de compromissos específicos e mensuráveis que visam ampliar a inclusão financeira. A partir de então, outras sete instituições se comprometeram com a declaração acredita-se que ainda outras manifestem sua adesão antes da realização do fórum deste ano na Cidade do Cabo, na África do Sul, onde experiências serão compartilhadas e progressos avaliados.
A Aliança entende que a globalização não é um jogo de soma zero. Os países em desenvolvimento podem se beneficiar da abertura dos mercados a novas iniciativas de comércio e investimento, ao passo que o mundo desenvolvido pode beneficiar-se da infusão de novos clientes, fornecedores e capital (possivelmente na casa dos trilhões de dólares). Se os 2,5 bilhões de pessoas sem banco no mundo aderirem à economia mundial, todos os setores econômicos experimentarão inovação e crescimento.
Em vez de esperar por soluções de banqueiros americanos, europeus ou de outros países avançados, os países em desenvolvimento estão liderando o caminho rumo à inclusão financeira e, nesse processo, remodelando dramaticamente a economia mundial. A abertura do sistema financeiro às pessoas mais pobres do mundo vai desbloquear seu potencial econômico e social - para benefício de todos. (Tradução de Sergio Blum)
Daniel Schydlowsky foi conselheiro para assuntos econômicos e financeiros do presidente peruano e presidente da Corporação Financeira para o Desenvolvimento do Peru e é atualmente diretor da Superintendência de Banca, Seguros y Administradoras Privadas de Pensiones, que supervisiona o setor financeiro no Peru. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
Produção de petróleo no Brasil segue em queda
Fonte ANP
A produção média do pré-sal em agosto foi de 203,2 Mboe/d, sendo 168,6 Mbbl/d de petróleo e 5,5 MMm³ de gás natural. Apesar da queda de 2,7% em relação ao mês anterior, essa foi a segunda maior produção do pré-sal, perdendo apenas para julho. A produção foi oriunda de 10 poços localizados nos campos de Jubarte (1), Lula (5), Caratinga e Barracuda (1), Marlim Leste (1), Marlim e Voador (1) e Barracuda (1). Desses dez poços, sete estão entre os 30 maiores produtores, com destaque para o Campo de Lula, que tem três poços entre os cinco maiores produtores, incluindo o maior produtor do mês (7LL3DRJS), que apresentou vazão média de 36,8 Mboe/d.
Em agosto, a produção média de petróleo do Brasil foi de aproximadamente 2.006 MbbL/d, com queda de 2,2% na comparação com agosto de 2011 e de 0,8% em relação ao mês anterior.
Já a produção de gás teve aumento de 7,4% na comparação com o mesmo mês do ano passado e de 0,7% se comparada com julho. A queima de gás natural teve redução de 21% em relação a agosto de 2011 e ficou estável na comparação com o mês anterior.
O Campo de Marlim Sul, na Bacia de Campos, foi o de maior produção de petróleo e o segundo maior produtor de gás natural, totalizando 312,8Mboe/d. o maior produtor de gás foi o Campo de Manati, na bacia de Camamu (litoral da Bahia), com produção média de 6,7MMm³. O aproveitamento do gás natural na fase de produção foi de 95,2%.
Dos 20 maiores campos produtores de petróleo e gás natural, dois são operados por empresas estrangeiras: Statoil (Peregrino) e Shell (Ostra). Os campos da Petrobras responderam por 93,8% da produção de petróleo e gás natural no mês passado. Cerca de 91% da produção de petróleo e 76,5% da produção de gás natural foram explotados de campos marítimos.
O grau API médio do petróleo produzido em agosto foi de aproximadamente 24º, sendo que 9% da produção é considerada de óleo leve (>= 31º API), 57% de óleo médio (>= 22º e <31 34="34" api="api" de="de" e="e" leo="leo" pesado="pesado">
A produção de petróleo e gás natural em agosto foi oriunda de 9.019 poços, sendo 752 marítimos e 8.267 terrestres.
Graça prevê produção diária de 2 milhões de barris até dezembro
Valor 05/10
A Petrobras voltará a produzir 2 milhões de barris de petróleo ao dia até o fim do ano. A garantia foi dada ontem pela presidente da estatal, Maria das Graças Foster. Segundo ela, hoje a produção é afetada pela manutenção programada de pelo menos duas plataformas. "Também estamos sem Frade, onde houve o vazamento, então são menos 15 mil barris", disse.
Graça diz, no entanto, que com medidas como manutenção de unidades, haverá melhoria de produtividade e incremento da produção total, voltando ao patamar de 2 milhões ao dia já alcançado no passado. "Estamos muito seguros do aumento de produção nos próximos anos", disse.
A executiva estima que a demanda no Norte e Nordeste em 2020 sera de 1,23 milhão de barris por dia. Tomando por base a produção estimada de 560 mil barris na Rnest, em Recife, o déficit da região, diz Graça, seria de aproximados 700 mil barris por dia. Segundo ela, há necessidade de as novas refinarias entrarem em operação. "Se eu tivesse uma varinha de condão, faria o necessário para que essas obras estivessem prontas em cinco anos. Se estivessem prontas, faríamos um excelente resultado aos acionistas", disse ela.
Ao participar de um seminário sobre cenário econômico brasileiro promovido pela revista britânica "The Economist", em São Paulo, Graça reforço o plano da estatal de deixar alguns investimentos e vender ativos. Ela disse que foi criado um comitê na empresa voltado exclusivamente ao programa de desinvestimentos. O objetivo é acelerar o programa de desinvestimentos e garantir que ele seja cumprido. No total, os desinvestimentos somam US$ 14,7 bilhões.
Quase metade desse montante está à venda no Golfo do México. Os ativos nessa região têm valor estimado pela estatal entre US$ 4 bilhões e US$ 8 bilhões.
Sobre o desempenho da companhia no terceiro trimestre, a presidente disse que estará em linha com o que a empresa esperava. "Não posso adiantar porque ainda não foi divulgado ao mercado, mas está em linha com o que a gente esperava", disse. Graça afirmou que o resultado negativo ocorrido na última divulgação trimestral de resultados "não ocorrerá novamente com a mesma magnitude".
Ainda durante o evento, a executiva relembrou os atrasos sofridos nas encomendas de sondas, mas disse que a estatal "tem todas as sondas necessárias até 2020".
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A retomada das operações
Por Carlos Eduardo Gonçalves - Valor 05/10
Eles voltaram. Na Europa, o Banco Central Europeu (BCE) se predispôs a comprar quantidades ilimitadas de títulos públicos de curta maturidade de países que preencherem um formulário de pedido de socorro ao Fundo Europeu e seguirem suas recomendações. A justificativa oficial é que a medida objetiva destravar o canal de transmissão da política monetária. Jogo de cena: o objetivo real é tentar impedir que a dinâmica do endividamento na Espanha e Itália leve a uma implosão da zona do Euro.
Já nos EUA, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) deu um passo radical ao condicionar o fim de sua nova operação de compras de MBS (US$ 40 bilhões por mês) a uma melhora expressiva nas condições do mercado de trabalho. E inovou ao enfatizar que mesmo após a economia voltar a seu patamar de neutralidade - hiato do produto nulo para positivo -, a política monetária seguirá francamente expansionista.
No Japão, o comunicado do Banco do Japão (BoJ) não teve inovação de método, mas a quantidade anunciada surpreendeu os mercados e, segundo a imprensa internacional, até o ministro da economia. Em suma, em face da fraqueza da economia mundial, que se acentuou nos últimos dois meses, os BCs resolveram agir. E, em boa medida antecipando essa nova tendência que vinha sendo sinalizada pelas autoridades há algumas semanas, os mercados promoveram pequenos rallies mundo afora.
Pergunta: vai funcionar? Essa enxurrada de moeda vai reavivar a economia mundial? Resposta: nos EUA, um pouco, mas apenas um pouco.
Comecemos pela Europa, onde creio que a euforia é realmente passageira (a piora nos spreads nos últimos dias já sinaliza essa efemeridade).
O OMT europeu (Outright Monetary Transactions segundo o BCE, Outrageous Monetary Transfers segundo o Bundesbank) tem uma falha de concepção muito clara no entendimento de vários analistas, este escriba incluso. Ele objetiva exterminar a dinâmica do equilíbrio ruim associado a um prêmio cobrado dos países em função do risco de ruptura, mas para isso pede em troca condicionalidades - entre elas, aperto fiscal adicional.
O problema com essa estratégia é duplo: 1) os países que mais precisam de redução de juros são justamente os menos aptos a atenderem demandas de consolidação fiscal extra e 2) supondo que eles atendam, a piora recessiva que se seguiria acabaria por deteriorar ainda mais a cruel dinâmica de endividamento que o plano tem por objetivo extirpar.
Mais ainda, suponhamos que a Espanha relute bater à porta do Fundo Europeu por motivos políticos e por julgar que mais aperto fiscal não faz sentido nem mesmo sob um prisma meramente econômico. O que o Mario Draghi fará? Ele intervém mesmo sim? A maioria dos analistas acha que a resposta é sim, mas estão esses mesmos analistas contabilizando no lado do "passivo" a fúria resultante lá no quartel do Bundesbank, que já disse que mesmo com condicionalidades o OMT é sinônimo de monetização de dívida alheia?
O OMT acentuou a percepção de boa parte do eleitorado alemão de que eles estão pagando uma conta muito cara para sustentar o projeto de moeda única na Europa. Isso no médio prazo tem um preço alto, no meu entender. Paradoxalmente, o OMT pode até mesmo aumentar a chance de uma catástrofe monetária na Europa ao acirrar os ânimos dentro da Alemanha.
A ação do Fed é outra coisa. Ilimitada e incondicional. Ou melhor, condicional a uma melhora expressiva do mercado de trabalho! Como resultado, as taxas das hipotecas já caíram, e mesmo que elas não tenham caído muito, é válido lembrar que esse juro incide sobre um estoque com prazo de 30 anos, ou seja, trata-se de quase uma perpetuidade. Vai ajudar sim a reavivar o mercado imobiliário que, aliás, já vinha mostrando claros sinais de firme recuperação nos últimos meses. Muito melhor isso do que repetir uma anódina compra de títulos públicos de longo prazo, que já pagam juros bem abaixo de 2%.
Mais importante ainda, no meu entender: o Fed fez questão de trabalhar intensamente o lado das expectativas, seguindo a sugestão prescrita pelo maior economista monetário acadêmico da atualidade, Michael Woodford, de Columbia. Por que é importante anunciar que a política monetária vai ficar frouxa mesmo após a recuperação? O ponto aqui é o seguinte: os agentes privados normalmente inferem, a partir da observação do padrão de comportamento do banco central, uma certa regra de reação ligando juros à inflação e à atividade. E em qualquer país institucionalmente sério essa regra contempla elevações da taxa de juros quando atividade e inflação se elevam acima de certo patamar.
Isso significa que as pessoas antecipam hoje que uma recuperação lá na frente ensejará alta de juros futura, e não alta da inflação. Isso, claro, mantém a expectativa de inflação ancorada, o que impede quedas adicionais do juro real ex-ante (dado que o limite inferior dos juros nominais já foi atingido). Em suma, o entendimento de que existe uma regra de reação torna a estratégia de derrubar os juros reais mais difícil. A saída, sugerida por Woodford e seguida à risca por Ben Bernanke, é comunicar de modo crível que a regra de reação mudou temporariamente, que o Fed vai sim aceitar maior inflação futura.
Para finalizar, uma palavra de cautela. O fato de o "quantitative easing" (QE) nos EUA ter sido muito mais bem desenhado que o OMT europeu não significa que a economia americana necessariamente deslanchará agora. O óbice-mor é outro, e responde pelo assombroso nome de "abismo fiscal".
Carlos Eduardo Gonçalves é consultor associado sênior da LCA e professor titular da FEA-USP
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Ligeiramente grávido
Por Alexandre Schwartsman - Valor 04/10
No último Relatório de Inflação o Banco Central mudou sua avaliação da postura fiscal: o balanço público teria se deslocado de "uma posição de neutralidade para ligeiramente expansionista", afirmação que se torna séria candidata ao "Eufemismo do Ano", prêmio dedicado a todos aqueles que denodadamente se dedicam à nobre tarefa de evitar olhar a realidade de frente.
O mesmo BC divulgou os números consolidados do setor público até agosto, revelando que o superávit primário do governo reduziu-se de 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no período janeiro a agosto de 2011 para 2,6% do PIB no mesmo período de 2012. Nos 12 meses até agosto o superávit caiu para 2,5% do PIB, bastante abaixo da meta (3,1% do PIB).
Parece que um departamento do BC não conversa com outro, pois as projeções de inflação que amparam as decisões de política monetária pressupõem que o superávit atingirá os 3,1% do PIB não apenas em 2012, mas também em 2013 e 2014. Talvez seja por isto que o BC tem sistematicamente subestimado o comportamento da inflação
Mas acabei me desviando do que pretendia dizer. A verdade é que a postura da política fiscal é muito mais expansionista do que o BC admite. Em que pese certa frustração da previsão das receitas para o ano, pelo menos até agosto estas superaram o observado em igual período de 2011. A arrecadação de tributos, já corrigidos os efeitos da inflação, cresceu quase R$ 10 bilhões em 2012, aumento real de 1,5%. Já o conjunto das receitas federais (incluindo, entre outros, dividendos) aumentou cerca de R$ 12,5 bilhões no ano, expansão real de quase 2%. À luz disso torna-se difícil atribuir a piora fiscal, pelo menos no que diz respeito ao governo federal, ao mau desempenho das receitas.
Já os gastos federais, excluídas as transferências a Estados e municípios, aumentaram nada menos do que R$ 67,5 bilhões no período, 6,5% acima da inflação. Dentre estes as despesas correntes tiveram o maior impacto: R$ 61,5 bilhões, valor que poderia ser ainda maior se fossem computados, como eram até o ano passado, os subsídios associados ao programa "Minha Casa, Minha Vida". Tais despesas, agora contabilizados entre os gastos de capital, aumentaram R$ 6,5 bilhões de janeiro a agosto. Vale dizer: o investimento público propriamente dito não desempenhou qualquer papel na expansão do gasto federal, o que ajuda a explicar o estado lastimável da infraestrutura.
A evolução positiva (ainda que modesta) das receitas e o crescimento expressivo do gasto deixam clara a natureza da deterioração fiscal observada no ano. Trata-se da adoção explícita de uma política fiscal expansionista, que se soma à política de estímulo à demanda por parte do Banco Central e às políticas de aumento do crédito impostas aos bancos federais.
Estas considerações, contudo, não esgotam o tema. Muitos têm notado, com razão, que parcela considerável do superávit primário tem sido obtida à custa de artifícios questionáveis.
Este ano observamos mais uma vez a criatividade contábil sendo posta à prova e o papel crescente dos dividendos na formação do superávit (apenas em agosto foram R$ 6 bilhões). Isto é problemático porque muitas vezes os dividendos proveem de operações nada ortodoxas.
Um exemplo claro vem dos empréstimos subsidiados do Tesouro ao BNDES. O Tesouro toma recursos a taxas de mercado e os repassa ao BNDES tipicamente à TJLP, subsídio que não aparece nas contas primárias. O BNDES cobra um spread sobre a TJLP e obtém lucros sobre estes empréstimos, repassando dividendos para o Tesouro, que melhoram o superávit primário.
Todavia, se o spread cobrado pelo BNDES sobre a TJLP for menor que o hiato entre a taxa de juros de mercado e a TJLP (como sói acontecer) o resultado total será negativo: o ganho com os dividendos não cobre o gasto com juros, mas, como a meta é definida em termos do superávit primário, ninguém dá a menor atenção ao tema.
Isto dito, ao removermos dividendos e concessões das receitas obtemos uma medida menos distorcida da postura de política fiscal. Esta revela (ver gráfico) que o superávit primário ajustado é hoje similar ao observado em meados de 2009. Com uma diferença crucial, porém: àquela época a economia operava com uma folga colossal, em particular no mercado de trabalho, onde o desemprego atingia 8,5%; hoje, com o desemprego a 5,5%, a folga desapareceu.
Posto de outra forma, a política fiscal é tão expansionista quanto a observada em 2009. A gravidez fiscal de então nos levou à aceleração inflacionária de 2010-11, apesar do desemprego elevado; por que a "ligeira gravidez", acanhadamente reconhecida pelo BC, teria resultados distintos nos próximos anos?
Alexandre Schwartsman, doutor em economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley, e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é sócio-diretor da Schwartsman & Associados.
Baixa arrecadação faz governo desistir de meta fiscal
03 de outubro de 2012
9h 13
ADRIANA FERNANDES E JOÃO VILLAVERDE - Agencia Estado
BRASÍLIA - O governo deve desistir de cumprir a meta fiscal de 2012. Projeções de fontes do governo indicam que, por causa da baixa arrecadação e do crescimento das despesas, são poucas as possibilidades de se chegar ao fim do ano com saldo positivo de pelo menos R$ 139,8 bilhões, ou 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) nas contas do setor público, como é o objetivo do governo.
Dados mais recentes obtidos pelo jornal o Estado de S. Paulo apontam que faltaria quase 0,4 ponto porcentual do PIB, aproximadamente R$ 18 bilhões, para o cumprimento da meta. A depender do quanto o Tesouro Nacional recorra a manobras até o fim do ano para aumentar receitas artificialmente ou adiar despesas, o "buraco" nas contas pode ser menor.
A presidente Dilma Rousseff já foi informada da situação e deu sinal verde para mudar o discurso em relação ao cumprimento da meta. Provavelmente em dezembro, a equipe econômica deverá anunciar que o objetivo não será atingido. Por isso, lançará mão do instrumento legal que lhe permite descontar os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do conjunto das despesas realizadas este ano.
Na prática, isso permite que a meta seja dada como cumprida mesmo com resultado abaixo do estipulado. Essa prerrogativa foi usada em 2010.
Até há pouco tempo, Dilma não queria nem ouvir falar em usar esse mecanismo, apesar de muitos de seus auxiliares argumentarem que o governo poderia perseguir metas fiscais menores, para abrir mais espaço para os investimentos. Além disso, ponderavam, a principal razão para fechar as contas com saldo positivo é manter a dívida sob controle, e o endividamento do setor público está em queda.
Dilma resistia por entender que um resultado fiscal pequeno poderia ser mal recebido pelo mercado e atrapalhar sua estratégia de cortar os juros. Mas, diante das evidências mais recentes, o abatimento dos investimentos do PAC passou a ser admitido.
A presidente acha que esse pode ser um bom teste para o passo seguinte: adotar uma política fiscal que admita esforços menores, desde que eles sejam suficientes para manter a dívida líquida do setor público controlada, na casa dos 30% do PIB.
Discute-se adotar essa estratégia a partir de 2013, baseada na expectativa de melhora do PIB, que automaticamente reduz o peso do endividamento líquido.
"O Brasil está andando, e o superávit primário tinha a ver com um momento muito específico da economia, de juros altos para atrair capitais e assim fechar o balanço de pagamentos, e elevado endividamento. Já superamos essa situação", disse ao jornal O Estado de S. Paulo uma fonte qualificada da equipe econômica. "Em princípio, se o crescimento voltar, como se espera, não precisaríamos mais cumprir um superávit primário dessa ordem."
Atingir 30% do PIB para a dívida líquida pública foi uma das metas da presidente Dilma Rousseff durante a campanha de 2010. Desde que assumiu o governo, ela reduziu a dívida líquida de 39,8% do PIB, em dezembro de 2010, para 35,1% do PIB em agosto passado. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
Dilma erra
*Por Cristovam Buarque
Com 27 pacotes ou minipacotes econômicos, a presidenta Dilma tem agido como equilibrista na crise econômica do presente, não como estadista para fazer o Brasil estar em sintonia com a economia global do futuro. Os pacotes são corretas ações pontuais, com a redução de custos de produção, aumento da venda por redução de impostos, e associação com o capital privado para superar a obsolescência da infraestrutura, mas pouco ou nada tem sido feito para transformar o Brasil em uma nação inovadora.
Ser equilibrista no curto prazo é reduzir o Custo Brasil por meio de isenções fiscais ou desonerações na folha de pagamento. Ser estadista é construir uma economia com alta competitividade, graças à inovação científica e tecnológica. Equilibrista é aumentar a taxa de crescimento do PIB, estadista é mudar o PIB. Os pacotes editados desde 2011 podem recuperar parte do espaço perdido no “made in Brasil”, mas não darão o salto para o “created in Brazil”..
Vender mais carros no meio da crise mundial é um ato de equilibrista, de estadista seria criar centros de pesquisa e de produção voltados para o transporte de massas. Seria fazer a revolução na Educação Básica, aliada a uma grande Refundação do Sistema Universitário Brasileiro, em colaboração com o setor privado e por meio da criação de um Sistema Nacional do Conhecimento e da Inovação, que permita ao Brasil passar a concorrer em condições de igualdade com os países líderes em Ciência e Tecnologia.
Ser equilibrista é conseguir recursos para aumentar o número de famílias com Bolsa Família; ser estadista é criar as bases para que todas as famílias tenham condições de obter suas próprias rendas, sem necessidade de bolsas, graças a um modelo econômico intrinsecamente distributivo e a uma educação de qualidade para todos.
Há meses arrastamos um debate sobre o Código Florestal tentando atender agronegócio e conservacionistas, sem um gesto estadista de mudança de rumo em direção a um novo modelo econômico com desenvolvimento sustentável.
Explorar o Pré-Sal é trabalho de um gestor equilibrista, de estadista seria preparar o Brasil para a economia pós-petróleo. Ser equilibrista é construir viadutos para mais carros, ser estadista é reorganizar as cidades, a fim de torná-las pacíficas, humanizadas.
Com seus pacotes, a presidenta Dilma tem acertado como equilibrista, olhando onde colocar os pés em uma corda bamba suspensa. A qualquer momento, se um vento do Norte balançar a corda, o equilíbrio se desfaz, como se desfez em tantos países nos últimos anos. Mas ela erra como estadista por não estar acenando e liderando o país para uma inflexão histórica no longo prazo: transformar o Brasil em uma sociedade moderna e com competitividade científica e tecnológica, com um modelo de crescimento estruturalmente distributivo e em equilíbrio com o meio ambiente.
O Brasil elegeu a Dilma esperando uma estadista para o futuro, mas ela está errando ao optar por ser apenas a equilibrista do presente.
Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF.
http://cristovam.org.br/portal3/index.php?option=com_content&view=article&id=5087:dilma-erra-artigo-o-globo-2292012&catid=154:artigos&Itemid=100139
Artigo O Globo 22/9/2012
22 Setembro 2012
Advocacia e lavagem de dinheiro na nova lei
Por Rodrigo de Grandis - Valor 04/10
No dia 10 de julho foi publicada a Lei nº 12.683, alterando profundamente o sistema brasileiro de prevenção e de repressão ao crime de lavagem de dinheiro implantado originariamente pela Lei nº 9.613/98.
Dentre várias mudanças, destaque-se, sem dúvida, a ampliação do rol de pessoas "sujeitas ao mecanismo de controle". Antes restrito às pessoas jurídicas, notadamente aquelas vinculadas diretamente ao sistema financeiro nacional, a nova lei estabeleceu deveres específicos às pessoas físicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; financeiras, societárias ou imobiliárias; e, finalmente, de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais. Agora eles devem manter um cadastro de clientela e de comunicação de atividades suspeitas de lavagem.
Essa ampliação, hoje objeto de polêmica, não constitui uma invenção brasileira. Há muito tempo a comunidade internacional notou que o crime de lavagem tem utilizado o mercado financeiro para a ocultação de recursos obtidos criminosamente. De igual maneira, detectou-se a participação de profissionais que, às vezes involuntariamente, às vezes não, emprestam seus conhecimentos técnicos à causa criminosa, contribuindo eficazmente para a prática do branqueamento de capitais.
No âmbito da comunidade europeia foram emitidas várias diretivas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu criando deveres de comunicação a auditores, técnicos de contas externos, consultores fiscais, agentes imobiliários, notários e "outros profissionais forenses independentes".
O mesmo sucedeu com o Gafi (Grupo de Atuação Financeira), organização intergovernamental composta de 34 membros que representam os principais centros financeiros do mundo e cujo objetivo é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo: a recomendação de nº 12 preconiza claramente a criação de deveres de vigilância relativos à clientela e à conservação de documentos potencialmente relevantes à investigação criminal aos advogados, notários, contabilistas e outras profissões jurídicas independentes.
O Brasil, obviamente, não poderia ficar alheio a esse contexto. Ainda que a Lei nº 12.683/12 não tenha se referido expressamente aos advogados, é certo que tais profissionais submetem-se aos novos deveres nela dispostos, desde que desempenhem serviços de assessoria, consultoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, sem que com isso se possa cogitar de qualquer inconstitucionalidade ou mesmo violação ao dever de segredo profissional. A razão é simples: o sigilo profissional não tem natureza absoluta. Ele, como todo direito, ainda que de caráter fundamental, deve ser sempre interpretado a partir dos valores acolhidos pela sociedade e reconhecidos na Constituição Federal.
O sigilo que incide sobre as atividades de contadores e administradores pode ser flexibilizado para viabilizar uma investigação criminal, impedir a concretização de um delito ou quando existir obrigação legal. Até mesmo o sigilo médico admite temperamentos. Ou seja, comete crime de omissão de notificação de doença o profissional de medicina que não denuncia à autoridade pública uma doença cuja notificação é compulsória, como é o caso do botulismo, da dengue, da hanseníase. Em todos esses casos, observe-se, existe manifesta e constitucional exceção à regra do segredo para a proteção de outros interesses caros à convivência em sociedade, como saúde pública e segurança.
Claro que no caso dos advogados o tema do segredo profissional revela-se mais sensível e, por esse mesmo motivo, complexo, em razão de sua vinculação ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Isso, contudo, não pode constituir obstáculo à compreensão de que, ao estipular deveres de comunicação de atividades suspeitas de lavagem de dinheiro, a Lei nº 12.683/12 não incorreu em inconstitucionalidade, como sustentado recentemente pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) ao ajuizar a ação direta de inconstitucionalidade nº 4.841 no Supremo Tribunal Federal (STF).
A solução adequada parece encontrar-se no meio-termo: a Constituição da República delineia proteção da atividade advocatícia vinculando-a estritamente à administração da justiça (art. 133), de sorte que o advogado que atua na defesa de seu cliente em um processo judicial não pode, sob qualquer pretexto, ser obrigado a comunicar fatos que, no exercício de sua atividade profissional, tomou conhecimento, ainda que se trate de lavagem de dinheiro, sob pena de inaceitável redução do postulado constitucional do devido processo legal.
De outro lado, a atividade de consultoria jurídica que não tenha conotação processual encontra-se abrangida pelos deveres impostos pela Lei nº 12.683/12. Com efeito, na consultoria o cliente procura o advogado projetando determinada conduta que, a depender das circunstâncias, poderá, ou não, consubstanciar lavagem de dinheiro. A consultoria incide, portanto, sobre a melhor forma, ou o modo menos suspeito, de ocultar ou dissimular valores obtidos criminosamente, e isso não está atrelado, sob nenhum aspecto, à administração da justiça ou mesmo ao exercício do devido processo legal.
A propósito, foi exatamente nesse sentido que se posicionou a Procuradoria-Geral da República na ADI nº 4841. Resta-nos, agora, aguardar a palavra do STF.
Rodrigo de Grandis é procurador da República em São Paulo, com atuação nas Varas Criminais especializadas em crimes contra o sistema financeiro nacional e em lavagem de ativos ilícitos de São Paulo. Professor de direito penal da Escola Superior do Ministério Público da União e do curso de especialização em direito penal econômico/ GVLaw da Fundação Getúlio Vargas.
O Fed e as guerras cambiais
Por Jose Antonio Ocampo - Valor 04/10
A recente decisão do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de lançar uma terceira rodada de "afrouxamento quantitativo" reacendeu acusações do ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, de que os EUA desencadearam uma "guerra cambial". Em mercados emergentes que já estão sofrendo com o impacto da rápida apreciação da moeda em sua competitividade, as medidas expansionistas anunciadas nas últimas semanas pelo Banco Central Europeu e pelo Banco do Japão intensificaram a sensação de alarme diante da decisão do Fed.
Minha percepção é de que ambos os lados estão certos. O Fed está certo em adotar novas medidas monetárias expansionistas em face de uma fraca recuperação americana. Além disso, vinculá-las a melhorias no mercado de trabalho foi uma decisão muito importante - uma postura que outros bancos centrais, especialmente o BCE, deveriam seguir.
Com certeza, uma expansão monetária deveria vir acompanhada de uma postura fiscal menos contracionista nos países industrializados. Mas a margem de manobra fiscal nas economias avançadas está mais limitada do que em 2007-2008 e o impasse político nos EUA aprofundou-se, praticamente descartando estímulos adicionais por meio de canais orçamentários. Embora a eficácia de uma nova rodada de flexibilização quantitativa vá ser limitada, como argumenta Mantega, o Fed não tinha alternativa a agir.
Mas Mantega também tem razão. Dado o papel do dólar americano como moeda mundialmente dominante, a política monetária expansionista do Fed gera externalidades significativas para o resto do mundo - efeitos que o Fed certamente não está levando em conta. O problema básico é que há imperfeições essenciais em um sistema monetário internacional baseado no uso de uma moeda nacional como principal moeda de reserva do mundo.
Esse problema foi citado já desde a década de 1960, pelo economista belga Robert Triffin e, mais recentemente, pelo falecido economista italiano Tommaso Padoa-Schioppa. "Os requisitos de estabilidade do sistema como um todo", argumentou Padoa-Schioppa, "são incompatíveis com a prática de políticas econômica e monetária forjadas com base unicamente em razões domésticas".
Em especial, as políticas monetárias expansionistas nos EUA (na verdade, em todos os países avançados) estão gerando altos riscos para as economias emergentes. Como as taxas de juro precisam permanecer muito baixas nos países desenvolvidos pelo menos durante os próximos anos, já existem fortes motivações para a exportação de capital para economias emergentes que proporcionam maiores rendimentos. Mas esses fluxos de capital tendem a sobrevalorizar o câmbio, ampliar os déficits em conta corrente e criar bolhas nos preços dos ativos, efeitos que, no passado, resultaram em crise nessas economias.
Em suma, os benefícios a médio prazo que as economias emergentes poderiam receber de um crescimento mais rápido nos EUA estão agora sendo negados por riscos de curto prazo gerados pelo "tsunami de capital", termo usado pela presidente brasileira, Dilma Rousseff.
O problema básico é a inexistência de uma agenda mais ampla que torne a posição do Fed coerente com a de Mantega e de outras autoridades econômicas de países emergentes. Essa agenda precisa incluir dois temas de reforma monetária mundial que permanecem sem solução: regulamentação mundial coordenada dos fluxos de capital no curto prazo e uma mudança de longo prazo rumo a um novo sistema monetário internacional baseado em uma verdadeira moeda de reserva mundial (possivelmente baseada nos Direitos Especiais de Saque do Internacional do Fundo Monetário).
Os EUA poderiam se beneficiar de tais políticas, pois uma regulamentação para as contas de capital obrigaria os investidores a encontrar oportunidades em seus mercados domésticos, ao passo que uma verdadeira moeda de reserva mundial libertaria os EUA de preocupações e intensas críticas relacionadas com as consequências de sua política monetária sobre a economia mundial. Ao mesmo tempo, os mercados emergentes seriam beneficiados pela política monetária expansionista americana, na medida em que ela faria crescer a demanda por suas exportações.
A diretora do FMI, Christine Lagarde, pediu uma ação coordenada para sustentar a recuperação mundial. Além disso, em outubro o FMI deverá divulgar suas "leis de trânsito" oficiais para a utilização dos regulamentos para as contas de capital. As reuniões do FMI/Banco Mundial em Tóquio em 12 e 13 de outubro, portanto, podem ser a oportunidade ideal para começar a ampliar a agenda internacional monetária - dando luz verde a uma regulamentação coordenada dos fluxos internacionais de capital e inaugurando um debate sobre o futuro do sistema monetário internacional. (Tradução de Sergio Blum)
Jose Antonio Ocampo é professor da Universidade Colúmbia, foi ministro das Finanças da Colômbia e subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas para Assuntos Econômicos e Sociais.. Copyright: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Projeto automotivo, vanguarda do quê?
Por Carlos Lessa - Valor 03/10
Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, explicitou o projeto nacional da administração da presidente Dilma, quando declarou a Guilherme Barros, jornalista da "Isto É Dinheiro" (25/9), que "está havendo uma grande mudança estrutural na matriz econômica brasileira". Segundo o ministro, a ordem de Dilma seria "reduzir o custo Brasil e incentivar o investimento das empresas, garantindo a competitividade internacional e, claro, os empregos dos brasileiros no futuro".
O regime automotivo que irá vigorar de 2013 a 2017 é uma peça significativa nesta "grande mudança estrutural". Foi aplicado um aumento de 30% do IPI, tanto para os veículos importados quanto para os montados internamente. As empresas terão descontos, se atingirem as metas de redução de consumo de combustível e utilizarem componentes produzidos no Brasil.
Estou perplexo com a confiança microeconômica ministerial. O ministro pretende modificar nossa indústria automobilística, "que é muito boa, pujante, sólida, mas é atrasada". Retoma, com delicadeza, a declaração do presidente Collor de Melo, de que o automóvel feito no Brasil "é uma carroça".
É útil reativar a memória quanto ao nascimento e trajetória da indústria automobilística. Na segunda metade dos anos 50, JK aprovou um plano que outorgava incentivos tributários, financeiros e cambiais às empresas montadoras que cumprissem um plano de montagem de veículos e ampliassem a participação de componentes e serviços produzidos no Brasil. No segmento das montadoras, se instalaram a Mercedes, Volkswagen e Scania. A adesão das multis europeias provocou a aceitação do programa pela General Motors e Ford. Houve a tentativa de instalar montadoras brasileiras, mas nenhuma sobreviveu. Porém, o plano previa que, na fabricação de autopeças somente seriam incentivadas empresas sob controle acionário de brasileiros.
Nos anos 60, houve a progressiva desnacionalização das empresas brasileiras fabricantes de autopeças e aconteceu uma nova e massiva migração de outras multis, tendo início com a Fiat, seguida pela entrada de outras filiais de multis europeias e asiáticas. Agora, o regime automotivo do governo Dilma anuncia a chegada de duas empresas chinesas - JAC e Cherry - e da alemã BMW.
Não há nada de novo no regime proposto pelo atual governo. É ridículo imaginar que algumas poucas novas filiais estrangeiras modifiquem o padrão comportamental da constelação estelar de multis no território brasileiro. Nós deveríamos colocar algumas perguntas: por que não existe nenhuma marca nacional? Por que a competição intermonopólica das filiais, com mais de meio século, não gerou inovações significativas? Por que, no Brasil, a contribuição lucrativa embutida é de 10% do valor do veículo, enquanto a média mundial fica em 5% (3% nos EUA)? Por que somos perdedores de divisas, tanto na balança comercial quanto no balanço de capitais?
O crescimento da frota de automotores foi de 9% ao ano, na malha urbana brasileira, durante os últimos 15 anos. Aparentemente, o governo aposta que os brasileiros continuarão se endividando para comprar veículos e que haverá uma depreciação acelerada dos modelos bebedores de gasolina
O mercado automobilístico brasileiro apresenta algumas características singulares. É enorme o endividamento para a compra do veículo novo e, geralmente, isso vai associado à venda do carro usado. O carro usado pode passar por muitas mãos e ser restaurado por magníficos artesãos-lanterneiros e suprido de peças de reposição criadas artesanalmente, muitos anos após a retirada dos modelos de linha. Há, por conseguinte, um mercado de primeira mão que se sustenta, em parte, com o da segunda mão.
É imediata a desvalorização do veículo novo. Após a primeira ligação de chave do primeiro comprador, isto é, entre o salão da revendedora e o preço na "calçada", o veículo perde de 15 a 20% de seu valor. O objeto de sonho de consumo dos brasileiros é um bem de exibição, quando de primeira mão, que se converte, progressivamente, em bem patrimonial aos adquirentes subsequentes. Esse mercado pode ser perverso, pois a perda do valor, compensada pelo prestígio exibido com o carro novo, é apenas redução de patrimônio para o adquirente do carro usado. Associando vendas em longo prazo com juros embutidos, quase sempre o valor residual do veículo é inferior à dívida residual. Se houver uma política de acentuada desvalorização dos carros usados, haverá um aumento exponencial da inadimplência.
Não resisto a afirmar que o modo brasileiro de organizar esse mercado dessa forma singular amplia o universo dos proprietários de veículos, gera cadeias empresariais e faz renascer um original artesanato. Porém, pelo seu lado perverso, pode estimular uma crise setorial com implicações graves para a atividade econômica.
Com o crescimento da população automobilística a 9% ao ano, é fácil entender o apetite das montadoras para estar no Brasil. Não é difícil antever um caos urbano que faz da avenida Paulista, num dia de domingo, um espaço engarrafado. À virtuosidade patrimonial do endividamento para a compra da casa própria, que é, na verdade, uma capitalização dos aluguéis que deixam de existir, se contrapõe um risco familiar patrimonial, um risco existencial com o trânsito congestionado, um risco macroeconômico de uma bolha de dívida sem lastro num sucateamento dos veículos de segunda mão.
Apostar na microeconomia é, em ultima instância, reiterar a firme adesão brasileira ao Consenso de Washington, e permanecemos à espera de respostas às questões aqui enunciadas.
P.S.: O modelo de primeira e segunda mão aplicado à motocicleta está produzindo a eliminação do animal de transporte e trabalho - cavalo e jegue - e aumentando a viuvez com o uso sem qualquer controle de motos usadas, inclusive, em trabalhos agrícolas.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
Acabou a era do crescimento?
Por Martin Wolf - Valor 03/10
Estaria o crescimento chegando ao fim? Essa é uma indagação herética. Mas Robert Gordon, da Northwestern University, especialista em produtividade, levantou-a em uma análise provocante *. Ele contesta a visão convencional dos economistas, de que o crescimento "econômico continuará indefinidamente".
Mas crescimento ilimitado é uma suposição heroica. Durante a maior parte da história, houve um crescimento mensurável praticamente nulo per capita. O crescimento que ocorreu decorreu do crescimento populacional. Então, na metade do Século XVIII, alguma coisa começou a mudar. A produção per capita nas economias mais produtivas do mundo - o Reino Unido até em torno de 1900 e os EUA a partir de então - começaram a acelerar. O crescimento da produtividade atingiu um pico nas duas décadas e meia após a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, o crescimento desacelerou novamente, apesar de um pequeno surto de crescimento entre 1996 e 2004. Em 2011 - de acordo com o banco de dados do Conference Board - a produção americana por hora foi um terço menor do que teria sido se a tendência de 1950 a 1972 persistisse. Gordon vai mais longe. Ele argumenta que o crescimento da produtividade poderá continuar a desacelerar durante o próximo século, atingindo níveis insignificantes.
O futuro é desconhecido. Mas o passado é revelador. O núcleo da argumentação de Gordon é que crescimento é consequência da descoberta e subsequente exploração de tecnologias específicas e - acima de tudo -, por "tecnologias de finalidade generalizada", que transformam a vida de maneiras tanto profundas como amplas.
A implementação de um leque de tecnologias de uso geral criadas no fim do Século XIX provocou a explosão de produtividade de meados do Século XX, argumenta Gordon. Esse elenco de tecnologias envolve a eletricidade, o motor de combustão interna, água e esgotos domésticos, comunicações (rádio e telefone), produtos químicos e petróleo. Esses constituem a "segunda revolução industrial". A primeira, entre 1750 e 1850, começou no Reino Unido. Foi a era do vapor, que culminou com as ferrovias. Hoje, estamos vivendo em uma terceira, já com cerca de 50 anos: a era da informação, cujas principais tecnologias são o computador, os semicondutores e a internet.
Gordon argumenta, a meu ver persuasivamente, que, em seu impacto na economia e na sociedade, a segunda revolução industrial foi muito mais profundo do que a primeira ou a terceira. A expectativa de vida cresceu.
A velocidade das viagens foi da escala do cavalo para a dos aviões a jato. Então, cerca de 50 anos, ela parou de avançar. A urbanização é não recorrente. O mesmo vale também para o colapso da mortalidade infantil e para a triplicação da expectativa de vida, bem como o controle sobre as temperaturas nas casas. E a libertação das mulheres da labuta doméstica.
Por esses padrões, a era da informação é plena de som e fúria que pouco significa. Muitos das vantagens poupadoras de trabalho proporcionadas pelos computadores ocorreu décadas atrás. Houve um surto de crescimento da produtividade na década de 1990. Mas o efeito se esgotou.
Na década de 2000, o impacto da revolução da informação decorreu, em grande parte, por meio de cativantes dispositivos de informação e comunicação. Qual o grau de importância disso? Gordon propõe um teste imaginário. Você pode ficar com os brilhantes aparelhos inventados desde 2002 ou com água corrente e banheiro dentro de casa. Vou te dar o Facebook de brinde. Isso fará você mudar de ideia? Acho que não. Eu descartaria tudo o que foi inventado desde 1970, se a alternativa fosse perder a água corrente em casa.
O período que estamos vivendo é marcado por um intenso, mas estreito, conjunto de inovações em uma importante área de tecnologia. Será isso relevante? Sim. Podemos, afinal de contas, ver que daqui a uma ou duas décadas todos os seres humanos terão acesso a todas as informações do mundo. Mas a visão segundo a qual a inovação mundial está agora mais lenta do que há um século é convincente.
O que essa análise nos diz? Primeiro, os EUA continuam a ser a fronteira da produtividade mundial. Se o ritmo de avanço da fronteira diminuiu, agora deverá ser mais fácil tirar o atraso. Em segundo lugar, a eliminação do atraso ainda poderá impulsionar o crescimento mundial a um ritmo elevado por um longo tempo (se houver recursos naturais disponíveis). Afinal de contas, o Produto Interno Bruto (PIB) médio per capita nos países em desenvolvimento ainda é apenas um sétimo do que nos EUA (em paridade de poder aquisitivo). Em terceiro lugar, o crescimento não é apenas um resultado de incentivos. Depende ainda mais de oportunidades. Rápidos aumentos de produtividade na fronteira são possíveis somente se as inovações certas ocorrerem. As tecnologias de transportes e de energia pouco mudaram em meio século. Impostos mais baixos não mudarão isso.
Gordon cita outros obstáculos a crescentes padrões de vida para os americanos comuns. Esses incluem: a reversão do "dividendo demográfico" resultante da explosão da natalidade após a Segunda Guerra Mundial e da entrada das mulheres na força de trabalho; a estabilização do nível de escolaridade; e obstáculos aos padrões de vida dos 99% inferiores. Entre esses obstáculos estão a globalização, os custos crescentes dos recursos naturais e os elevados déficits orçamentários e das dívidas privadas. Em suma, ele acredita que o aumento das rendas reais disponíveis daqueles que não pertencem à elite fiquem devagar, quase parando. Com efeito, parece que isso já aconteceu. Desdobramentos similares estão ocorrendo em outros países de alta renda.
Durante quase dois séculos, os atuais países de alta renda desfrutaram ondas de inovação que os tornaram, a um só tempo, muito mais prósperos do que antes e muito mais poderosos do que todos os demais. Esse era o mundo do sonho americano e do excepcionalismo americano. Agora a inovação avança lentamente e a eliminação do atraso econômico é rápida. As elites dos países de alta renda gostam bastante desse novo mundo. O restante de sua população gosta muito menos. Acostume-se a isso. A coisa não vai mudar. (Tradução de Sergio Blum)
* "Is US Economic Growth Over? Faltering Innovation Confronts the Six Headwinds", (O crescimento econômico dos EUA acabou? Inovação cambaleante enfrenta seis adversidades).
Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.
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