quarta-feira, 13 de março de 2013

Austeridade britânica é injustificável

 

Por Martin Wolf - Valor 13/03
 
O discurso de David Cameron na semana passada, sustentando "não haver alternativas" para a economia do Reino Unido, tem gerado muitas críticas. Isso é justificado. Os argumentos do primeiro-ministro britânico defendendo a manutenção do programa de austeridade fiscal do governo foram enormemente equivocados.
É fácil entender por que ele teve que defender a malsucedida linha mestra da política governamental. A coalizão que assumiu o poder embarcou num programa de austeridade com o orçamento de emergência de junho de 2010. A economia, então exibindo sinais de recuperação, depois estagnou. Até mesmo os resultados fiscais são insatisfatórios. Com efeito, de acordo com o mais recente Orçamento Verde do respeitado Instituto de Estudos Fiscais, as necessidades de financiamento dos gastos públicos neste ano fiscal poderão ser maiores do que no ano passado. Apenas um colapso da produtividade "salvou a pátria", ao manter o desemprego surpreendentemente baixo, amenizando o impacto social do desastroso PIB.
Como é possível defender esse histórico? Simon Wren-Lewis, da Universidade de Oxford e Jonathan Portes, do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social, entre outros, já demoliram as posições do primeiro-ministro. Aqui vão os pontos-chave.


Cameron argumenta que aqueles que pensam que o governo pode tomar mais emprestado "acham que existe uma árvore mágica que produz dinheiro. Bem, deixe-me dizer-lhes uma verdade simples: não existe". Isso está totalmente errado. Primeiro, existe uma árvore que dá dinheiro - denominada Banco da Inglaterra -, que criou 375 bilhões de libras para financiar suas compras de ativos. Em segundo lugar, como outras instituições solventes, os governos podem tomar empréstimos. Terceiro, os mercados consideram o governo solvente, uma vez que estão dispostos a emprestar ao governo às mais baixas taxas na história do Reino Unido. E, finalmente, os mercados estão fazendo isso devido aos excedentes financeiros estruturais existentes nos setores privado e externo.
De novo, Cameron observa que "o rebaixamento da pontuação de crédito no mês passado foi o mais gritante lembrete possível do problema de endividamento que enfrentamos". Não, não é - por três razões. Primeiro, a Moody's enfatizou que o grande problema, para o Reino Unido, é o lento crescimento econômico no médio prazo, agravado pela austeridade. Em segundo lugar, a pontuação de crédito de um país que não pode ficar em situação inadimplente em sua própria moeda pouco significa. Terceiro, a razão para acreditar que as taxas de juro de longo prazo vão subir é a expectativa de inflação alta e, portanto, de juros mais altos no curto prazo. Mas essa mudança virá na esteira de uma recuperação, o que tornaria a austeridade eficaz e oportuna.
Cameron também argumentou: "Como o independente Birô para Responsabilidade Orçamentária (BRO) deixou claro... o crescimento tem sido deprimido pela crise financeira... e pelos problemas na zona do euro... e por um aumento de 60% no preço do petróleo entre agosto de 2010 e abril de 2011." Isso provocou uma réplica de Robert Chote, diretor do BRO, que observou: "Cada previsão publicada pelo BRO desde o orçamento aprovado em junho de 2010 incorporou a premissa segundo a qual aumentos de impostos e cortes de gastos reduzem o crescimento econômico no curto prazo".

Pesquisadores sérios argumentam que o efeito multiplicador da austeridade fiscal pode ser muito maior do que o até agora assumido pelo BRO, pelo menos na atual situação deprimida. Além disso, mesmo que o BRO acredite que os resultados revelaram-se piores do que o previsto devido a choques adversos, e não devido à subestimação de multiplicadores, esse é um argumento em defesa de uma política ativa, e não contra ela.
O primeiro-ministro também disse: "[Os trabalhistas] acham que tomando mais empréstimos, milagrosamente acabariam tomando menos empréstimos... Sim, é realmente incrível assim". O que é realmente incrível é que Cameron não consiga entender que se uma entidade que gasta perto de metade do Produto Interno Bruto (PIB) aperta os cintos num momento em que o setor privado também está contendo seus gastos, o declínio na produção total pode ser tão grande que suas finanças acabarão ficando em condição pior do que quando teve início. Bradford DeLong, de Berkeley, e Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA, mostraram que em uma economia deprimida o que Cameron considera incrível provavelmente será verdade.
Estudo recente do Fundo Monetário International (FMI) argumenta que "o aperto fiscal poderia elevar a proporção da dívida no curto prazo, ao mesmo tempo em que os ganhos fiscais são parcialmente zerados pela queda na produção". Portes acrescenta que, mesmo que isso não seja verdade para o Reino Unido, é provável que seja verdade para a Europa, já que quase todos os países estão apertando os cintos simultaneamente.
Cameron argumenta que "esse déficit não surgiu de repente, como resultado da crise financeira mundial. O déficit foi produzido por persistentes, imprudentes e insustentáveis gastos do governo e por endividamento durante muitos anos". Esse é o erro mais preocupante - não porque a política fiscal do Partido Trabalhista, então no poder, foi perfeita. Longe disso. A política fiscal deveria ter sido mais apertada. Mas essa não é a principal razão pela qual o Reino Unido tem um enorme déficit estrutural.
É a economia, estúpido. Em 2007, segundo o FMI, o endividamento líquido do Reino Unido - equivalente a 38% do PIB -, era o segundo mais baixo no G-7. Esses níveis também foram excepcionalmente baixos segundo os padrões históricos no Reino Unido. No orçamento de março de 2008, o Tesouro estimou o déficit estrutural (ciclicamente ajustado) sobre o orçamento corrente em menos 0,7% em 2007-08 e menos 0,5% em 2008-09. O colapso na produção foi responsável pela explosão nos déficits e no endividamento. Quase todo mundo subestimou a vulnerabilidade, entre eles a liderança do partido Conservador: antes da crise, os conservadores comprometeram-se em manter os planos que Cameron agora qualifica de "irresponsáveis e insustentáveis".
Alguns pensam que os gastos imprudentes explicam o salto nos gastos do governo, de 40,7% do PIB em 2007-08 para 47,4% dois anos depois. No entanto, entre 1996-97 (um ano antes de os trabalhistas assumirem o poder) e 2007-08 (o ano antes da crise), a participação dos gastos no PIB cresceu apenas 1,2%. Não: o colapso do PIB, em relação às expectativas, provocou o salto nos gastos e a queda na arrecadação, em relação ao PIB. O Orçamento Verde compara as previsões para 2012-13 incluídas no Orçamento de 2008 e na Declaração do Outono de 2012: o PIB nominal caiu 13,6%, as receitas caíram 17,6%, os gastos caíram 5,6% e o endividamento cresceu 372%. É porque o BRO (e outros) acreditam que a maior parte desse PIB perdido é permanente, que a posição parece tão sombria.
O argumento de Cameron contra uma flexibilização da política fiscal está errado. Mas, além disso, temos de considerar por que a economia revelou-se tão frágil e o reequilíbrio tão difícil. Isso fica para a próxima semana. (Tradução de Sergio Blum)

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT.



 
 

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