sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Enigma aparente na economia brasileira

 

Por Ricardo de Menezes Barboza - Valor 22/02
 
Há um aparente enigma na atual conjuntura da economia brasileira. Enquanto a produção industrial se contrai (-2,7% em 2012, segundo Pesquisa Industrial Mensal do IBGE), o comércio varejista se expande em ritmo acelerado (8,4% no acumulado em 2012, segundo Pesquisa Mensal do Comércio do IBGE).
Existem pelo menos quatro fatores por trás deste hiato entre produção e comércio: 1) um processo gradual de redução de estoques na indústria; 2) uma elevação de importados, em especial de bens não duráveis; 3) uma redução da demanda internacional por produtos manufaturados brasileiros; e 4) uma queda brusca no investimento. Algumas evidências preliminares apontam nessa direção.
Em relação à hipótese de estoques, dados da sondagem da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que o volume tem se reduzido no período em discussão. Com efeito, seis entre 14 setores industriais pesquisados afirmavam estar superestocados em dezembro de 2011, número que foi reduzido a apenas um no mesmo período de 2012.
Uma evidência mais informal pode ser obtida quando comparamos os dados de produção industrial do IBGE com os dados de faturamento real da CNI. Nos últimos sete trimestres, desde o início de 2011, o faturamento real da indústria de transformação aumentou 8,3%, enquanto a produção industrial caiu 4,9%. Essa diferença de 13 pontos percentuais sugere, ainda que não em sua totalidade, uma redução continuada nos estoques: a indústria contraiu a produção, mas seguiu aumentando as vendas, o que só é possível quando o volume de estoques está caindo.
É improvável, no entanto, que todo o descompasso entre produção industrial e comércio se deva apenas a um processo de desova de estoques. Por dois motivos. Primeiro, porque toda redução de estoques ocorre sempre de forma gradual, isto é, empresas não interrompem sua produção com o intuito de eliminar estoques. Segundo, pois a diferença presente no descompasso é muito expressiva para que haja apenas uma única causa. Essa percepção abre espaço para os outros fatores levantados.
O comércio varejista pode muito bem estar vendendo produtos importados. Em vez de se vender o que é produzido no Brasil, vende-se aquilo que vem do exterior. O problema dessa hipótese, contudo, é que o dado de quantum importado se reduziu 2,3% no acumulado de 2012 (dados da Funcex). Se houvesse mesmo vazamento de demanda para o exterior, não deveríamos observar um aumento do quantum importado?

Não necessariamente. Abertos os dados de importação, percebe-se a existência de cinco categorias: bens intermediários, combustíveis e lubrificantes, bens de capital, bens duráveis e bens não duráveis. Essas cinco categorias tiveram a seguinte variação percentual do quantum importado em 2012: 6,4% para os não duráveis, -18,2% para os duráveis, 0,2% para os bens de capital, -4,8% para combustíveis e lubrificantes e -1,3% para os bens intermediários. Tem destaque o desempenho "fora da curva" das importações de bens não duráveis, que cresce muito rapidamente enquanto os demais componentes decaem. Será que a elevação dessas importações específicas tem impacto no resultado aferido pela Pesquisa Mensal do Comércio?
Ao contrário da Pesquisa Industrial Mensal, que é feita por produto, a PMC a é feita por estabelecimento comercial. Portanto, há que se recorrer a uma aproximação (grosseira) para verificar a participação dos bens não duráveis em sua composição. Por exemplo, supermercados são estabelecimentos tipicamente vendedores de bens não duráveis, embora existam diversos bens duráveis à venda nessas instituições. Na análise, serão classificados como instituição de não duráveis. Embora não exista aqui nenhuma pretensão de precisão, apenas de ordem de grandeza, os resultados mostram que o setor de bens não duráveis tem peso significativo na composição da PMC, contribuindo com algo em torno de 35% do índice. Assim, na elevação dessas importações reside mais uma chave para a abertura do enigma.
Prosseguindo com a investigação, passamos ao terceiro fator explicativo do gap comércio-indústria, qual seja, a queda da demanda internacional pelos produtos brasileiros, expressa na contração de 0,3% do quantum exportado pelo país em 2012 (segundo dados da Funcex). Nos casos específicos de bens manufaturados e semimanufaturados, a contração é ainda mais aguda, com redução do quantum exportado de 1,3% e 1,6%, respectivamente. De fato, esse é um fator explicativo porque a queda da demanda internacional por produtos domésticos puxa para baixo a produção industrial e amplia o hiato entre produção e comércio varejista.
Por fim, a queda do investimento também constitui fator essencial na resolução do mistério. Expresso em números, o investimento vem decaindo em termos absolutos desde o segundo trimestre de 2011, recuando de 19,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em seu pico mais recente para pouco mais de 18% do PIB no terceiro trimestre de 2012. Em particular, a produção de bens de capital teve contração de 11,8% no acumulado de 2012, segundo dados do IBGE. Trata-se de um número muito significativo. Como esse tipo de bem não é vendido pelo comércio, sua queda, ao mesmo tempo em que derruba a produção industrial, nem sequer se faz sentir no dado varejista.

À luz dessas evidências, percebe-se que o enigma da economia brasileira é, de fato, apenas aparente. A queda dos estoques, o aumento das importações de alguns produtos, a queda da demanda externa e a contração do investimento parecem explicar a discrepância entre varejo e produção industrial. Como popularmente se diz: "Tudo que um dia pode ser verdade, passa primeiro por ser um enigma".

Ricardo de Menezes Barboza é economista do BNDES e membro do grupo de conjuntura econômica do IE/Coppead-UFRJ. Mestre em Economia pelo IE-UFRJ.



 

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